30 June 2019


Claro que aplaude: pode não parecer mas trabalham os três no mesmo ramo de actividade

Primeiro, foram os pastéis de nata; agora, a "Florida da Europa"... o Álvaro é mesmo um génio incompreendido


Nota: repare-se como duas das pré-condições há 8 anos referidas nesta caixa de comentários - "concertos de Tom Jones e Richard Clayderman" -, se encontramconcretizadas

Mars Attacks - real. Tim Burton (1996)

29 June 2019

Carola Baer - "Solemn Cattle"

Ora cá está mais outro tópico interessante para o PCP discutir 
com o partido irmão durante 
a festa do "Avante!"


(com a colaboração do correspondente do PdC em Pequim)

26 June 2019

 
 
Então e o mérito e tal?...

Radicais livres (LXXVIII)

 
(o glorioso futuro, há 7 anos)
RATSO


Larry “Ratso” Sloman é aquilo que, tecnicamente, se designa por “um pintas”. Não carregando demasiado no jargão científico, pode mesmo considerar-se “um melga”. Pelo que é possível apurar-se do "mockumentary" de Martin Scorsese sobre a Rolling Thunder Revue, de Bob Dylan, se alguma unanimidade existia entre todos os participantes da aventura, era acerca de Sloman: o fulano era insuportável! Então jornalista da “Rolling Stone” enviado para cobrir a digressão, segundo a lenda, terá sido Joan Baez quem, devido às óbvias semelhanças com a personagem de Ratso Rizzo – o vigarista encardido de Midnight Cowboy, interpretado por Dustin Hoffman – lhe terá atribuído a alcunha de “Ratso” que nunca mais largaria. A meio do percurso, a “Rolling Stone” mandou-o passear mas Ratso, já mestre na técnica de lapa-cola-e-não-despega, manteve-se a bordo e daí resultaria o livro On The Road With Bob Dylan, que o próprio Zimmerman classificaria como “the War and Peace of rock and roll”. Seguir-se-iam o auto-explicativo Reefer Madness: A History Of Marijuana (com prefácio de William Burroughs), três volumes a meias com o figurão Howard Stern, várias biografias e The Secret Life of Houdini, no qual defende que o famoso" escape artist" era espião inglês e foi assassinado por uma conspiração de espiritistas. 



À sua peculiar maneira, Ratso será um fala barato mas é também um sedutor. Só assim se explicam as amizades e ligações que foi estabelecendo e que, embora com um prolongadíssimo período de gestação, lhe permitiram, à beira dos 70 anos, gravar o seu... álbum de estreia, Stubborn Heart, com um leque de participações (directa ou indirectamente) absolutamente invejável. A começar por John Cale, aqui representado pelas duas canções – "Caribbean Sunset" e "Dying On The Vine" – que co-escreveu com Ratso (sim, é verdade, e com uma mãozinha de Tom Waits e Chuck E. Weiss, presentes no quarto de hotel de Sunset Boulevard onde o parto poético se deu), mas igualmente Nick Cave (num dueto em "Our Lady Of Light") que arrastou Warren Ellis, Dylan (via os 12 minutos inteirinhos de "Sad-Eyed Lady of the Lowlands") e Sharon Robinson, voz e esteio musical de Leonard Cohen, outro íntimo de Ratso. E é por aí que tudo corre muito mal: optando por aquele género de arranjos – teclados, coros femininos, e batida metronómica – que só ficavam bem a Cohen (mesmo quando lhe ficavam mal) e por um inacreditável registo vocal Dylan-imitando-Cohen-a-imitar-Dylan, não há como dar-lhe a benção. Já tinha idade para ter juízo.

25 June 2019

VINTAGE (CDXCIII)

Julie Driscoll, Brian Auger & 
The Trinity - "Road To Cairo" (D. Ackles)
 
(ver também aqui, aqui e aqui)
Os portugueses são tão, tão, tão, mas tão, tão, tão os melhores do mundo que até os mercenários norte-americanos querem ser portugueses
 
Rolling Thunder Revue
COM MÁSCARA, SEM MÁSCARA 


Bob Dylan não se chama Bob Dylan, mas Robert Allen Zimmerman. Ou Elston Gunn (quando, em 1959, tocou piano com Bobby Vee), Blind Boy Grunt (enquanto "folk singer" numa compilação da revista “Broadside” bem como num álbum de Richard Farina e Eric Von Schmidt, ambos de 1963), Tedham Porterhouse (quando empunhou a harmónica ao lado de Ramblin’ Jack Elliot, em 1964), Robert Milkwood Thomas (pianista em Somebody Else’s Troubles, de Steve Goodman, 1972), Boo Wilbury (nos Travelling Wilburys, com George Harrison, Jeff Lynne, Roy Orbison e Tom Petty, entre 1988 e 1991), Jack Frost (produtor ou co-produtor de Under The Red Sky, 1990, Time Out Of Mind, 1997, e Love and Theft, 2001), Sergei Petrov (co-argumentista com Larry Charles, no filme Masked and Anonymous, onde desempenha o papel da "rock star", Jack Fate, 2003) e, previsivelmente, Alias (personagem de Pat Garrett & Billy the Kid, de Sam Peckinpah, 1973). Em I’m Not There, de Todd Haynes (um filme “inspirado pela música e pelas muitas vidas de Bob Dylan”, de 2008), dividia-se por seis heterónimos: Arthur Rimbaud (narrador, comentador, a encarnação viva do lema que Dylan fez seu: “Je est un autre”); Woody Guthrie (um miúdo negro de 11 anos que tanto dá corpo ao jovem Dylan como ao próprio Woody); Jack Rollins (sobreposição do Dylan “cantor de protesto” e do simétrico cristão "born again"); Robbie Clark (protagonista do filme-dentro-do-filme, “Grain Of Sand”, um biopic sobre Jack Rollins), Jude Quinn (o Dylan de Highway 61 a Blonde On Blonde); e Billy The Kid (em fuga do papel de “porta-voz de uma geração”: “Quando acordo, sou uma pessoa, quando adormeço, tenho a certeza que sou já outra”). 

Em 1966, numa conversa com Robert Shelton, do “New York Times”, confessou ter-se libertado de uma dependência da heroína que lhe custava 25 dólares por dia e que, quando chegara a Nova Iorque, no início dos anos 60, havia trabalhado como prostituto. Antes disso, contara ter viajado clandestino em combóios de mercadorias e que trabalhara num parque de diversões ambulante como encarregado de limpezas e responsável pela grande roda. Não é, de todo, importante que essas e outras revelações nunca hajam sido confirmadas. Em Rolling Thunder Revue – A Bob Dylan Story by Martin Scorsese, ele faz questão de esclarecer logo tudo: “Viver não serve para nos descobrirmos ou para encontrarmos algo. Viver serve para nos criarmos”. É no quadro desse imenso plano que é importante reler com atenção o subtítulo: A Bob Dylan Story by Martin Scorsese. “Uma” história – isto é, uma ficção entre possíveis outras – criada por Martin Scorsese, acerca de (um dos inúmeros) Bob Dylan. No caso, aquele que, no Verão de 1975, entre a publicação do magnifico e redentor Blood On The Tracks (1975) e a gravação de Desire (1976) - e após uma digressão com The Band que o deixara insatisfeito -, congeminou a ideia de, qual trupe de ciganos, fazer-se à estrada numa carrinha, na companhia de amigos vários – Roger McGuinn, Joan Baez, Joni Mitchell, Scarlet Rivera, Ramblin’ Jack Elliot, Mick Ronson, Ronee Blakley, Allen Ginsberg, T-Bone Burnett – e, praticamente sem anúncio prévio, apresentar-se em pequenas salas de cidades de reduzida dimensão. 


Teria início a 30 de Outubro de 1975, em Plymouth, no Massachusetts (58,271 habitantes) e, duas dezenas de datas depois, concluiria a primeira volta – haveria uma segunda, entra Abril e Maio do ano seguinte – a 8 de Dezembro, no Madison Square Garden, de Nova Iorque. Na véspera, actuara na Edna Mahan Correctional Facility for Women, uma prisão feminina de New Jersey. A bordo, viajariam também Sam Shepard e um documentarista que desempenhariam a função de cronistas da expedição. Se o Dylan actual, declara não recordar-se já de nada (“Aconteceu há tanto tempo, eu não era ainda nascido”), Shepard, no Rolling Thunder Logbook que publicaria em Março de 1976, regista que o Bicentenário dos EUA que, então se celebrava – meses depois da queda de Saigão e um ano após a demissão de Richard Nixon – “tinha enlouquecido New England, como se, em desespero, se procurasse ressuscitar o passado (...) e o nosso desvairado presente apenas pudesse ser salvo por fantasmas”. O documentarista Stefan van Dorp, esse, entrevistado por Scorsese, lamenta-se amargamente de não lhe ter sido atribuído o relevo que merecia e distribui bílis e ressentimento por diversos participantes da caravana.


É o instante em que começamos a aperceber-nos que The Vanishing Lady (1896), filme de um minuto e meio, de George Méliès, que abre o documentário, nos alerta para todo o ilusionismo que virá a seguir: na verdade, o responsável pelas filmagens da digressão foi Howard Alk, um realizador de Chicago amigo de Dylan, e van Dorp é uma personagem ficcional (representada por Martin Von Haselberg, marido de Bette Midler). Mais à frente, escutamos a divertida história do político democrata Jack Tanner, apoiante de Jimmy Carter, a quem este conseguiu, miraculosamente, um bilhete para o concerto de Niagara Falls. Tanner, de facto, existiu mas apenas virtualmente, enquanto personagem de Tanner ‘88’, uma série de televisão da HBO, realizada por Robert Altman, em 1988. Então e agora, encarnada pelo actor Michael Murphy. Jim Gianopulos é, sem dúvida, Jim Gianopulos mas, quando diz “Não é para me gabar mas a Rolling Thunder foi ideia minha”, o actual CEO da Paramount Pictures que nunca organizou um concerto na vida, está, deliciadamente, a assumir o guião da ficção Dylan/Scorsese. Tal como Sharon Stone – com fotografia photoshopada e tudo – ao relatar o concerto a que, com a mãe, teria assistido aos 19 anos, tendo sido recrutada como quase-roadie do circo itinerante e acreditado ingenuamente que fora acerca dela que Dylan escrevera "Just Like A Woman". E, não, a inspiração para se exibirem em palco com os rostos pintados de branco não teve origem na maquilhagem dos Kiss (que Scarlet Rivera, suposta namorada de Gene Simmons, lhe apresentara) mas em Les Enfants du Paradis (1945), filme de Marcel Carné.

O outro momento revelador acontece quando Bob Dylan, hoje, sem máscara nem pintura no rosto enrugado, olha para a câmara e afirma: “Se alguém estiver a usar uma máscara, dir-te-á a verdade. Se não, será bastante improvável”. Traduzindo: Rolling Thunder Revue – A Bob Dylan Story by Martin Scorsese não é verdadeiramente um documentário e apenas pode ser considerado “by Martin Scorsese” na qualidade de cúmplice – enquanto montador e reconfigurador das filmagens originais e responsável pelas entrevistas de agora – de mais uma reinvenção de Bob Dylan, que, de caminho, reinventa também a lenda em torno dele. À época, o que ocupava Scorsese era a realização de Taxi Driver e, só em 2005, com No Direction Home – esse, sim, um documentário sobre Dylan, das origens à “heresia eléctrica” –, os caminhos de ambos se cruzariam. O que já se conhecia – das caóticas 4 horas de Renaldo And Clara (1978), atabalhoadamente realizado pelo próprio Dylan e alegadamente herdeiro do filme de Carné e de Tirez Sur Le Pianiste (1960), de Truffaut –, ganha aqui, entretanto, uma incomparável nitidez: no episódio sobre o pugilista negro Rubin “Hurricane” Carter injustamente condenado a uma pena de prisão, acerca do qual Dylan escreveria uma canção que vemos e ouvimos iradamente interpretada, mas também na passagem pela reserva índia de Tuscarora, onde canta "The Ballad Of Ira Hayes", de Peter La Farge, nas intenssíssimas rendições de "Isis", "A Simple Twist Of Fate", "The Lonesome Death of Hattie Carroll", "A Hard Rain’s A-Gonna Fall" e "Another Cup of Coffee" ou na peregrinação, com Ginsberg, ao túmulo de Jack Kerouac. Com ou sem máscara.

22 June 2019

Atendendo ao contexto geográfico-cultural, cumprida a pena, a manada deveria ser toureada à moda espanhola
Aimee Mann - "Little Bombs"

Por amor do coiso, ilustríssimo Cerimoniário Eclesiástico da Ordem de Cavalaria do Santo Sepulcro de Jerusalém, não se distraia com sequelas do "Chapéus há muitos, seu palerma!" e responda à dilacerante pergunta que, desde há uma semana, não me deixa dormir!

STREET ART, GRAFFITI & ETC (CCXXXIX)

Almada, Portugal, 2019




Novos e importantes indícios de que o estudo da tricologia política (definição) poderá contribuir para a explicação de anormalmente elevados níveis de javardice

20 June 2019

A BUSCA DA FELICIDADE


Bill Callahan é o tipo capaz de escrever “Dress sexy at my funeral, my good wife, for the first time in your life, wear your blouse undone to here and your skirt split up to there, and when it comes your turn to speak before the crowd, tell them about the time we did it on the beach with fireworks above us” e de cantar essas palavras envoltas na adequada gravitas que o tema exige, rematando-as com “Also tell them about how I gave to charity and tried to love my fellow man as best I could, but most of all, don't forget about the time on the beach with fireworks above us”. Estávamos em 2000 e no álbum Dongs of Sevotion, quando, na realidade, não tinha ainda conhecido a “good wife”. Foi só 12 anos mais tarde que encontrou Hanly Banks, documentarista que, sobre ele realizaria Apocalypse e que, em consequência da felicidade familiar que descobririam juntos, forçaria Shepherd In A Sheepskin Vest – o sucessor de Dream River (2013) – a ter de ir lentamente amadurecendo durante 6 anos. Quando, numa entrevista recente a “The Fader”, lhe chamaram a atenção para que, também agora, o há muito desaparecido David Berman (Silver Jews) reaparece, observou: “É como se todos os zombies tivessem acordado”.

    Levou 6 anos para concluir este álbum o que é bastante mais que a sua média habitual. Houve algum motivo particular para isso? 

Houve mudanças importantes na minha vida: casei-me e tive um filho. Não sou o tipo de pessoa capaz de ignorar tudo isso e continuar a trabalhar. Tive de aprender a ser pai e marido e isso ocupou-me alguns anos. Ao mesmo tempo, procurei não perder de vista o velho eu que faz música e encontrar o espaço no cérebro para cada uma das minhas diferentes responsabilidades. Foi demorado resolver tudo isso. Por outro lado, proporcionou-me tempo para reavaliar e repensaro meu trabalho.

    Na propria essência da escrita das canções, na forma como as trabalha e interpreta, houve alguma transformação concreta? 

Quis gravar um album cujo tema fosse definitivamente tudo aquilo por que tenho passado. Nunca me apercebi de que existissem muitos discos acerca da felicidade doméstica. Tudo isto me afectou muito profundamente. Se trabalhasse num escritório ou fosse advogado, trabalhava doze horas, voltava para casa, e tudo se passaria sem problemas. Mas, comigo, não é bem assim, preciso de me envolver com as coisas. E este não é, de facto um tópico que costume interessar imenso aos "songwriters". Talvez alguém mais jovem do que eu, que tenho já 53 anos, pudesse ter outra perspectiva sobre isto. 

    Tratar-se-á daquilo a que, habitualmente, se chama ter atingido a maturidade? ... 

... se calhar... muitas vezes, quando saímos de casa dos pais, não estamos ainda realmente preparados para assumir responsabilidades e tomar conta de nós mesmos enquanto jovens adultos. Provavelmente, só atingimos a maturidade quando damos vida a alguém. 



    Poderá dizer-se que aquilo que constitui o espírito do álbum é uma ideia de que vale mais concentrarmo-nos na descoberta e preservação da felicidade do que desperdiçar o tempo obcecado pelo lado negro e ameaçador da existência? 

Ainda não tinha pensado nisso dessa forma mas parece-me um bom ângulo sob o qual encarar o álbum. 

    Já descobriu a resposta para a interrogação que, em "Ride My Arrow", do último álbum, formulava: “Is life a ride to ride? Or a story to shape and confide? Or chaos neatly denied?” 

Hoje, provavelmente, responderia “a ride to ride” mas é importante permanecermos abertos a todas as possibilidades, não devemos agarrar-nos teimosamente apenas a uma. 

    Nos primórdios dos Smog, a música era agreste, ruidosa, experimental, lo-fi. Uma vez, descreveu-a como “a monkey throwing shit on the walls”. Pretendia puramente experimentar ou tinha alguma intenção definida? 

Gostava de explorar todos os tipos de ruído, moldá-los, tirar partido de vias mais abstractas, é um caminho muito aberto. É verdade que, na altura, também não dominava particularmente bem a guitarra... pretendia que fosse tudo imediato o que, numa situação de estúdio, é difícil acontecer. Tive de aprender tudo isso à minha custa. 



    Quando começou a dedicar-se à música, havia bandas ou músicos individuais que, de algum modo, tivessem funcionado como modelos para si? 

John Lee Hooker foi uma grande influência. Aprendi com ele que uma canção pode ser constituída apenas por meia dúzia de palavras, dois ou três acordes... De outra forma, também o Lou Reed: escrevia sobre aquilo que mais ninguém escrevia, coisas que estaríamos à espera de encontrar num livro ou num filme mas não numa canção. Abriu-me os horizontes para assuntos com os quais nem sequer sonhava. Mas também os Minutemen ou os Meat Puppets, os textos eram muito idiossincráticos. Muito no início, interessava-me também pela "musique concrète", pelo "free jazz"... sonoridades "free-form" que nunca podem ser recriadas. 

    E, hoje, que música ouve que o entusiasme? 

Oiço bastante "footwork", um género de hip-hop muito estranho e experimental popularizado pelo RP Boo, um DJ de Chicago. Acho-o muito hipnótico. Ninguém gosta, realmente de ouvir, é só um apoio para dançar, mas eu gosto mesmo. Também oiço muita música electrónica e "house", tudo aquilo que, antes, não conseguia compreender. Estou convencido que acabamos por ser capazes de entender tudo se não desistirmos de o fazer. 

    Foi a partir de 1997, com Red Apple Falls (produzido por Jim O’Rourke), que tudo começou a ser algo mais estruturado... 

Já tinha tocado com um baterista em Wild Love (1995) mas essa foi realmente a primeira vez que, num álbum, do princípio ao fim, usei bateria. Nessa altura, foi como se tivesse acendido um enorme foco de luz, a bateria torna tudo muito mais fácil, podemos apoiar-nos nela.



    A partir de 2007 e de Woke on a Whaleheart, deixou de gravar como Smog e passou a fazê-lo sob o seu próprio nome. Houve alguma razão especial para isso? 

O nome Smog era como uma tatuagem que eu tivesse feito aos 18 anos. E, à medida que o tempo ia passando, fazia cada vez menos sentido. 

    Não é fácil livrarmo-nos de uma tatuagem... 

É verdade, mesmo agora, em anúncios de concertos, muitas vezes, ainda continua a aparecer “Bill Callahan (Smog)”. Quis distanciar-me em relação a isso. Pelo menos, tentei... Para mim, tinha deixado de ter qualquer significado, estava farto. 

    Em 2010, publicou Letters to Emma Bowlcut a que chamou uma “epistolary novelette” e, quatro anos depois, I Drive a Valence, uma recolha de textos de canções e desenhos seus. Foram impulsos de ocasião ou gostaria de prosseguir uma carreira literária? 

Insistiam muito comigo para escrever um livro e gostava de pensar que serei capaz de voltar a escrever outro. Foi uma experiência de que gostei: escrever, reescrever, corrigir, editar... Mas só sou capaz de fazer uma coisa de cada vez: se estou a pensar num disco, não consigo, ao mesmo tempo, concentrar-me num livro. 

    Sentava-se disciplinadamente para escrever ou ia produzindo textos dispersos que, depois, reuniu em livro? 

Ao longo dos anos, tinha reunido um certo número de textos mais ou menos em formato epistolar e mais uns quantos outros. Uma amiga minha, Connie Lovatt, leu-os e editou-os. A forma de carta é um meio de expressão muito livre: pode ser prosa, poesia, entradas de um diário, crónicas, comentários, apontamentos... 

    Escrever um livro foi uma experiência radicalmente diferente de escrever canções? 

As canções são habitualmente estruturadas em versos e refrão. Os parágrafos não são a mesma coisa. São mais robustos e compactos. Os versos são mais finos e farpados.
Adia Victoria (& Chris Thile) - "A Mistake" (Fiona Apple) 

19 June 2019

Não posso esquecer como, ao ser convidado para dar aulas numa instituição do ensino superior público, tendo eu perguntado sobre programas, curricula, etc, me responderam "Acho que é, mais ou menos, aquilo que já dás na (outra instituição do ensino superior público)", acrescentando: "De qualquer modo, o currículo nunca é feito contra o professor" (naturalmente, recusei)

NÃO É COMO SE MENTISSE 


Em 2010, por altura da publicação de Letters To Emma Bowlcut – o primeiro e único volume de ficção de Bill Callahan –, em entrevista a “The Quietus”, quando surgiu a proverbial pergunta acerca do carácter autobiográfico (ou não) da obra, Callahan respondeu: “Tudo deve ser autobiográfico ou não autobiográfico, sem nada pelo meio. É a única forma de lidar com esta velha questão na qual, vão desculpar-me, não estou sequer remotamente interessado. Embora haja quem a considere crucial para a apreciação de uma obra. De um modo geral, presume-se que os 'songwriters' escrevem acerca da própria vida porque podemos ver-lhes os olhos e sentir a respiração, através da voz. Mesmo se estamos a ouvir um disco, não a observar alguém a actuar em palco, podemos ver para onde os olhos se dirigem. Escutem James Brown, sabemos perfeitamente para onde está a olhar. As outras artes não são assim. Na pintura, no cinema, quem sabe para onde os olhos do artista apontam?” Acerca de Shepherd In A Sheepskin Vest, não há a menor dúvida – em "Son Of The Sea", do modo mais prosaico, em quatro frases, Bill Callahan esclarece tudo: “I got married to my wife, she’s lovely, and I had a son, giving birth nearly killed me”

 
 
Em Letters To Emma Bowlcut, tinha escrito “You have every right to ask me what I do, but I don’t think there’s a name for it. I study the vortex”. Era ainda o tempo em que partilhava com Springsteen (e um privado clube de danados) uma visão segundo a qual, “se somos artistas, as trevas são sempre mais interessantes do que a luz. É agradável quando, no final de alguma coisa, deixamos a luz entrar. Mas o que verdadeiramente me interessava era descobrir aquilo que tinha corrido mal”. Uma coisa não é incompatível com a outra, explica, agora, em "Call Me Anything": “I never was the things I said I was, but it's not as if I lied, what I was, all I was, was the effort to describe”. Não foi uma mudança de pele fácil (“Some say I died and all that survived was my lullabies”) nem a decisão de aliviar um pouco a obsessão pelos temas crepusculares (“É difícil evitar o tema da morte: é a grande anedota no fim da vida”) foi totalmente conseguida – a imagem da mãe recentemente morta assombra "Circles" (“I made a circle, I guess, when I folded her hands across her chest”), e aqui e ali, o reequilíbrio das coordenadas ainda vacila (“Life is changes, even death is not stable”). Mas, se foi o que era indispensável para gerar uma tão bela colecção de canções, valeu bem a pena. (entrevista aqui)
"Uma serpente tentadora"!!!  
(tem a certeza absoluta que não andava 
enrolado com uma camela giraça?)

Eis um dos motivos para 
divulgar o manifesto

Bruce Springsteen - "Reno"

18 June 2019

E se o candidato a "dominante" for baixinho e o potencial "dominado" for alto? (de qualquer modo, só funciona com quem tiver vocação para cordeirinho manso)


Nem quero acreditar... então, os representantes do p.o.v.o. não pensam senão no tacho?!!!...

UM TRUQUE DE MAGIA

  
A meio da canção de abertura dos concertos de 2017 e 2018, “Springsteen On Broadway” – "Growin’ Up", do album inicial de 1973, Greetings From Asbury Park, NJ –, Bruce faz uma pausa e confessa: “Nunca tive um emprego sério em toda a minha vida. Nunca trabalhei das 9 às 5. Nunca trabalhei 5 dias por semana. Até agora”. E, por entre o riso do público, continua: “Nunca estive no interior de uma fábrica e, no entanto, não tenho escrito sobre outra coisa. À vossa frente, está um homem que teve um imenso e absurdo sucesso escrevendo acerca daquilo sobre que nunca teve a mínima experiência pessoal. Inventei tudo. É para verem quão bom eu sou”. Mais à frente, interrompendo "My Father’s House" (de Nebraska, 1982), acrescenta: “Escolhi a voz do meu pai. Vesti roupas de operário porque eram as roupas do meu pai”. E a personagem que “escreveu 'Racing In The Street’ quando não sabia ainda sequer conduzir” conta um sonho que teve pouco após a morte do pai: durante um concerto perante milhares de fãs, foge do palco e ajoelha perante ele, toca-lhe no braço e diz: “Olha, pai, vês aquele tipo ali em cima? És tu, como eu te vejo”. Na autobiografia, Born To Run (2016), pegara no mesmo assunto sob outro ângulo: “Um concerto, por muito bom que seja, por mais autênticas que as emoções sejam, por mais fisicamente intenso e inspirador que eu deseje torná-lo, é ficção, teatro, uma criação. Não é a realidade”



Será, então, verdade que Springsteen, o "working-class hero" da América proletária, não passe, afinal, de um “fingido” (como ele diz, “a phony”)? O modo exacto como o diz, porém, permite ver um pouco mais longe: “Claro que eu sabia estar a fingir – é isso que faz um artista – mas sabia também que era a coisa mais autêntica que já tinham visto”. Se calhar, em versão "blue collar" de New Jersey, aquele jogo de sombras pessoano do poeta e do fingidor. Ou, como o viu Greil Marcus, “o público é convidado para uma rêverie encenada e com um guião mas, mesmo que quem esteja presente já saiba aquilo de que está à espera, nunca há a sensação de se tratar de algo enlatado, cronometrado ou, sequer, ensaiado. Não parece espontâneo mas reflectido, como se qualquer situação pudesse, em qualquer momento, ser resolvida de modo diferente por Springsteen”.



Talvez nunca como em Western Stars Bruce Springsteen tenha levado tão longe essa tensão entre “artifício” e “autenticidade”, entre “a dor que finge tão completamente” e “a dor que deveras sente”. Born To Run (1975), Darkness On The Edge Of Town (1978), The River (1980), Nebraska (1982), The Ghost Of Tom Joad (1995), ou Devils & Dust (2005) foram, sem dúvida, momentos de exaltação dos derradeiros escombros do “sonho americano” – tal como ele se foi transformando ao longo das 7 décadas de vida de Springsteen –, mais epicamente cinematográficos ou num resguardado registo “de câmara”, mas todos em reconhecível sintonia musical com aquilo que, “naturalmente”, seria o idioma aceite. Em Western Stars, porém, tudo muda. Se Bruce, tal como afirmou em conversa recente com Martin Scorsese, deseja “continuar a celebrar e honrar a beleza e a poesia do meu país”, acima de tudo, não abdica de “continuar a ser um bom ‘storyteller’ – foi essa a promessa que, quando jovem, fiz a mim mesmo. Levava o meu divertimento muito a sério. Continuo a acreditar ser esse o serviço que devo prestar: esta minha oração longa e ruidosa. O meu truque de magia”. 

 
"There Goes My Miracle"
 
E, desta vez, o “truque de magia” foi deliberadamente artificioso: ir respigar as memórias daquela música que escutava enquanto adolescente – Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, Dion and the Belmonts, Harry Nilson – e, em torno delas, sem verdadeiramente cair na armadilha do exercício de estilo, edificar um álbum magnífico mas que se assemelha muito pouco a um disco “de Bruce Springsteen”. Sim, os protagonistas de cada canção continuam a ser encontrados nas trevas à porta das cidades – o actor secundário que “once was shot by John Wayne, that one scene's bought me a thousand drinks”; o duplo que recorda a actriz que conheceu “on the set of this B picture she made, she liked her guys a little greasy and 'neath her pay grade", e exibe “two pins in my ankle and a busted collarbone, a steel rod in my leg, but it walks me home”; o fulano que murmura “You fall in love with lonely, you end up that way” – mas, agora, emoldurados por sumptuosas orquestrações, como se Aaron Copland, Max Steiner ou Alfred Newman, ferreamente disciplinados por Phil Spector (exemplo máximo: "There Goes My Miracle"), tivessem ressuscitado em glória.
... e também temos os melhores terroristas do mundo! (e aindauns quantos por medalhar)

15 June 2019

Adia Victoria - "Horrible Weather"

 Um desígnio nacional?

"Dir-me-ão que eu sou absurdo, ao ponto de querer que haja um Dante em cada paróquia e de exigir que os Voltaires nasçam com a profusão dos tortulhos. Bom Deus, não! Eu não reclamo que o país escreva livros, ou que faça arte: contentar-me-ia que lesse os livros que já estão escritos e que se interessasse pelas artes que já estão criadas" (Eça de Queiroz, sobre o 10 de Junho original de 1880, citado por Maria Filomena Mónica em Os fiéis inimigos: Eça de Queirós e Pinheiro Chagas, pag. 11)
"Estudar liderança" é assim como nos Dauerling mas com citações de filósofos franceses?

11 June 2019

Ladies and Gentlemen, Mr. Leonard Cohen (1965)

Vanishing Twin - "The Conservation Of Energy"

O ESTADO DA NAÇÃO


Quando, um mês antes das últimas eleições presidenciais norte-americanas, Dave Eggers e Jordan Kurland lançaram o site “30 Days 30 Songs”, o objectivo (como o próprio nome indicava) era apenas, na recta final da campanha, criar um espaço onde, organizadamente, a comunidade musical pudesse dar o empurrãozinho que faltava no sentido de uma “Trump-free America”. Sabemos hoje demasiado bem que os disparos de Aimee Mann, Andrew Bird, R.E.M., Franz Ferdinand, Matt Berninger, Lila Downs, Adia Victoria, Mirah, Ani Di Franco, Bob Mould e vários outros não bastaram para impedir o desastre. Não foi necessário recorrer a poderes sobrenaturais para, logo no balanço de 2016, ter escrito “Talvez não seja motivo para, nos EUA, voltar a cantar-se já, já, ‘Strange Fruit’”, mas, no momento em que o mundo se dava conta de que “um candidato apoiado pelo Ku Klux Klan e pronto a partilhar o saque com um tirânico ex-director do KGB chegara à presidência dos EUA”, tudo fazia “adivinhar o renascimento de uma contracultura de protesto”. Inevitavelmente, durante os dois anos e meio seguintes, à medida que as piores previsões se iam concretizando, sob os mais diversos ângulos, de Fiona Apple a Hurray For The Riff Raff, Gnod, Lee Bains, Randy Newman, Sleaford Mods, Marc Ribot, Poliça, David Byrne, Stick In The Wheel, Anal Trump, Goat Girl, Sunwatchers, Vampire Weekend, Vera Sola, The National, Laurie Anderson, Gruff Rhys, Parquet Courts ou Richard Thompson, a resistência foi-se avolumando. Se “30 Days 30 Songs”, entretanto ampliado para “1000 Days 1000 Songs”, encravou na canção 172 – "My Country ‘Tis of Thy People You’re Dying", de Buffy Sainte-Marie – vale a pena recordar que foi aí que, através de "Despierta" (“Your time is over, your power’s peaked, adiós, senador, I have come to get the keys”), nos apercebemos da existência dos Filthy Friends, a coligação "indie" de Peter Buck (R.E.M.) e Corin Tucker (Sleater-Kinney) que, no Outono de 2017, publicaria o óptimo Invitation.


A atmosfera era, já nessa altura, previsivelmente inquieta mas, acerca do novo Emerald Valley, apenas pode dizer-se que é um discurso sobre o estado da nação em forma de – não se trata de outra coisa – colecção de canções beligerantemente de protesto. “Transformou-se numa espécie de manifesto. Não acredito que tenhamos deixado as coisas chegar a este ponto. Não é fácil compreender aquilo por que estamos a passar. Haverá alguma forma de olharmos para trás sem nos sentirmos envergonhados?” disse Tucker à “Nylon”, acrescentando: “São muito bizarras todas estas personagens que parecem saídas de livros de BD mas que são, afinal, pessoas reais”. Primeiro boneco, então, o vil e facilmente reconhecível "November Man", “Long skinny tie and hair of gold, you made the deal, our future sold (…) you sip White Russians, or a Moscow Mule, the ice in your glass tastes of power to you, but Winter comes to everyone, will yours be bitter, will yours be cold?” a quem, qual PJ Harvey em fúria sobre tornado eléctrico, dirige a dedicatória envenenada: “We don’t have no words, we don’t have no song, we don’t have no music, we don’t have no love, for November Man”. Panfletário e de garras afiadas, sim, mas também rock vibrante e enérgico, Emerald Valley é o lugar onde se apela à insubordinação (“Enough, enough, the people must speak up!”), se denuncia a miserável separação das famílias de imigrantes (“They are torn apart by fools from the arms of mothers, fathers, by some devil making rules") e, de uma ponta a outra, se toma a palavra na “partilha da tristeza, da raiva e do desespero”.