A REGRA DE TRÊS SIMPLES
(3ª parte da entrevista com Jack White publicada na "Blitz")
Ao
contrário do que, aqui chegados, possa haver motivos para começar a suspeitar –
sim, não desesperem –, também falámos de música. Mas, uma e outra vez, por algum
misterioso motivo, a associação com imagens ou a alusão a um filme achou forma
de se intrometer. Reparem, então: The Third Man/O Terceiro Homem,
obra-prima absoluta do “noir”, de 1949, assinado por Carol Reed, com Orson
Welles, Joseph Cotten e Alida Valli e sob a permanente assombração da banda
sonora, em cítara alpina, de Anton Karas. Como chamou Jack White ao seu
primeiro ganha-pão, por volta dos dezoito anos, uma oficina de estofador, a
meias com Brian Muldoon, personagem local que lhe deu a conhecer o punk? Third Man Upholstery, publicitada
através do slogan “Your furniture’s not dead”. Onde foi gravado o único
single, de 2000, de The Hupholsterers – o duo de guitarra e bateria de Muldoon
e White – preciosidade de colecção, contendo "Apple of My Eye", de
Jack White, "I Ain't Superstitious", de Willie Dixon,
e "Pain (Gimme Sympathy)", de Jack Starr? Third Man Studios. Qual a
imagem estampada no bombo da bateria que, em 2010, White tocou, na digressão
dos Dead Weather? A de Harry Lime (a sinistra personagem de Orson Welles em O
Terceiro Homem), em fuga pelos esgotos da Viena do pós-guerra.
Que nome deu à
editora independente que fundou em 2001 e cujo lema é “Your turntable’s not
dead”? Third Man Records.
Espreitem, agora, a primeira frase de "Ball And Biscuit", em Elephant, dos
White Stripes: “It's quite possible that I'm your third man, girl”. Longe
de mim – para quem o filme de Carol Reed bastaria como justificação para o
cinema ter sido inventado – colocar reticências a tal obsessão. Mas é, sem
dúvida, uma obsessão, não é, Jack?
“Tem
tudo a ver com o filme, evidentemente, que é fabuloso, mas, igualmente, com a
minha atracção pelo número '3'. Começou exactamente pela minha oficina de
estofos: acredite ou não, eu era o terceiro estofador no meu quarteirão, em
Detroit. Era inacreditável que uma única rua pudesse ter produzido três
estofadores, uma profissão em declínio! (risos) E como também era grande fã de
Orson Welles, surgiu esse nome. Mas o número '3' é a base de toda a minha
criatividade, o abrigo em que me acolho. Uso-o a toda a hora quando componho,
no design, nas cores... Gosto de limitações, de inventar regras e
constrangimentos para poder criar no interior deles. Nos White Stripes, por
exemplo, a nossa imagem era tricolor: vermelho, branco e preto. Submeter-me a
essa regra do '3' contribui para que eu seja mais criativo”
Aparentemente, contudo, existe uma falha em
tão férrea lógica: a paixão por O Terceiro Homem obrigaria que, a uma das
guitarras que White possui, ele tivesse atribuído o nome de Alida Valli – a
actriz principal, namorada de Lime/Welles, no filme – e não se tivesse ficado
por apenas Veronica Lake, Claudette Colbert e Rita Hayworth. Que se passou,
afinal?...
“(risos) Pois é, tem razão… mas, lá está, é
o '3' outra vez, são três guitarras! É uma espécie de orientação autoimposta que
devo seguir em tudo: Veronica Lake, Claudette Colbert, Rita Hayworth, uma
loira, uma morena e uma ruiva!”