MODERN CLASSIC
Beth Gibbons & Rustin Man - Out Of Season
"God knows how I adore life, when the wind turns on the shore lies another day, I cannot ask for more", são as primeiras palavras que, em "Mysteries", Beth Gibbons canta a abrir Out Of Season. E, como declaração de alguém que, enquanto voz e imagem dos Portishead, sempre pareceu encarnar uma certa personagem de "torch singer" moderna embora tradicionalmente magoada e sofrida, não poderia ser mais inesperada. Mas, se essa não irá ser a tonalidade constante do seu primeiro álbum a solo — a faixa que se segue, "Tom The Model", retoma logo a atmosfera de "love gone wrong" que lhe ficou colada à pele —, serve, pelo menos, para sublinhar que uma coisa serão os Portishead enquanto colectivo e outra bem diferente a trajectória individual da sua cantora e autora dos textos, mesmo que ainda episodicamente recorrendo a companheiros anteriores como o guitarrista Adrian Utley, o baterista Clive Deamer ou o pianista John Baggott.
Aqui, porém, o outro eixo musical de criação é constituido por Paul Webb (aliás, Rustin Man), dos Talk Talk, que, como marca de separação estética, assegurou que se trataria de um álbum "beats free". Isto é, se como Webb afirma, "os arranjos e o espírito geral destas canções poderiam perfeitamente pertencer aos anos 40", todo o ambiente se pretendeu predominantemente (mas não exclusivamente) acústico e algures entre Joni Mitchell e o canto de recorte "jazzy", Nick Drake, Bacharach e, sim, também algo dos... Portishead. Haverá relativamente pouco dos traços identificativos daquilo a que nos habituámos a designar por trip-hop, porém, dir-se-ia que se trata da transposição de uma mesma escala cromática para um outro contexto sonoro.
versão de "Candy Says", dos Velvet Underground
Beth Gibbons sublinha que o que a motiva é "a filosofia da música, as surpresas, os acidentes, a sonoridade das palavras e a tentativa de as exprimir de uma forma pela qual a totalidade das emoções seja revelada" e procura distanciar-se do estereótipo romântico quando diz que, embora se alimente de alguma sensação de desamparo, "sofrer pela arte está um bocadinho sobrevalorizado". Estará, provavelmente, e muito desse desamparo e melancolia serão, talvez, encenados — "let the show begin", canta ela em "Show". Mas, mesmo que nos custe a crer que isso seja verdade quando se escuta canções como "Romance", "Drake", "Sand River" ou "Resolve", enquanto forem capazes de gerar um álbum tão modernamente tradicional e tão intemporalmente belo como Out Of Season, bem podem continuar assim. (2002)