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01 September 2020

FESTIM 



Quando publicaram o segundo álbum, II (2018), os Sunwatchers fizeram questão de que na capa, desenhada por Catherine Wheeler, figurasse a sua "mission statement": “In solidarity with the dispossessed, impoverished and embattled people of the world”. E, não escondendo serem “homens brancos, nascidos na América”, perante “o facto terrível e indiscutível de que, neste mundo, os homens brancos possuem um milhão de vezes mais recursos de comunicação e mobilidade do que qualquer outro género ou etnia”, propunham-se usar o “imerecido púlpito” para “propagandear os direitos dos espoliados”. Acrescentavam: “Toda a arte criada no interior de um determinado sistema é, inerentemente, política. Vivemos numa das décadas mais tóxicas, desonestas e perigosas da História na qual um esquema de enriquecimento criminoso e explorador mascarado de sistema político hegemonizou o mundo. Apercebemo-nos disto bem antes de o idiota fascista Trump e a sua confederação de gangsters anarco-capitalistas terem tomado o poder. O capitalismo põe a humanidade em perigo e devemos acabar com ele se desejamos sobreviver”



O que, para Jeff Tobias, Peter Kerlin, Jim McHugh e Jason Robira seria sinónimo de “criar música liberta da tirania semântica, longe do lamaçal das abstracções sem sentido”. Pelo menos tão importante era o que, por fim, confessavam: ”É preciso que se diga que estivemos quase a intitular o álbum ‘Let’s Have Some Fun!!!’ porque também não passamos sem isso...” Puríssima verdade: tanto essa gravação como Illegal Moves (2019) e, agora, Oh Yeah? e o EP praticamente simultâneo, Brave Rats, são aquilo a que apenas pode chamar-se uma exuberante celebração da música, de todas as músicas, num imenso caldeirão sonoro sobrenaturalmente coeso. Se pensarmos nuns Archie Shepp, Roland Kirk, John Coltrane, Albert Ayler e Pharoah Sanders psicadélicos ou em Zappa, Beefheart e East Of Eden de costela punk, eles apressam-se a informar que, para completar o diagrama de Venn estético faltam ainda “o minimalismo moderno, o underground/punk/noise/drone rock, o cajun, o klezmer, a country, a tradição tailandesa e da Irlanda”. Todos ingredientes indispensáveis a um festim “ávida e pronunciadamente político”.

10 May 2019

VINTAGE (CDLXXXVIII)

East of Eden - Snafu

"Nymphenburger" (álbum integral aqui; ver também aqui)

09 May 2019

COMBUSTÍVEL


“A música 'underground' deverá estar intrinsecamente ligada a ideias radicais, a uma empatia radical ou não passará de uma pose. Se a música não se relacionar com uma noção maior do bem comum, será suspeita de não ser senão um entretenimento altamente intelectualizado para gente rica. Recusamo-nos a contribuir para esse lamaçal. Na América, o sistema da justiça criminal é a linha da frente do sistema de privação de direitos económicos em que a nação assenta. Sendo todos nós homens brancos – aqueles para cujo benefício o sistema foi construido –, temos de usar esse previlégio para o dedicar a algo maior, às pessoas que o sistema esmaga. A música não é o combate material e físico necessário para mudar as coisas mas contribui para que as pessoas tomem consciência do poder que têm nessa luta”, declara à “Uncut” Jim McHugh, guitarrista dos novaiorquinos Sunwatchers (uma homenagem a "Sun Watcher", do álbum New Grass, de Albert Ayler, 1968), que, juntando as palavras aos actos, fazem reverter o produto da venda das suas gravações para diversas ONG e grupos de abolição e reforma do sistema prisional.


A capa de Illegal Moves, terceiro álbum da banda, procura deixar bem explícitas as intenções: assinada por Scott Lenhardt num estilo gráfico próximo do da “Mad Magazine”, é uma espécie de variação sarcástica sobre a de Sgt. Pepper's, onde uma multidão de figurões (de Nixon a Margaret Thatcher e ao palhaço Ronald McDonald, com os quatro elementos do grupo incluidos), assiste ao eufórico esquartejamento do Tio Sam pelo boneco da Kool-Aid. De facto, para um grupo que se apresenta como “o martelo que esmagará o capitalismo” mas cria apenas música instrumental, dir-se-ia que o apoio visual seria imprescindível. Nem tanto assim: reivindicando-se da herança do free-jazz (Archie Shepp, Ayler, Pharoah Sanders) e dos Coltrane, Alice e John, mas também de Beefheart, Zappa, do punk e do psicadelismo mais ácido, o programa – ideologicamente irmão dos Gnod de Just Say No To The Psycho Right-Wing Capitalist Fascist Industrial Death Machine (2017) – encara a mudança enquanto explosão simultânea de “sonic catharsis and revolution”. Na fornalha, em acesos combates de guitarra, sax, baixo e bateria, arde, então, o espectro dos Stooges mas também "Ptah, The El Daoud", de Alice Coltrane – algo como a banda sonora de um "western spaghetti" alimentado a "phin" tailandês e "saz" turco, em atmosfera "free-form" – ou o exotismo libertário dos East of Eden, combustíveis insurrreccionais de eleição.

01 November 2007

TOP 100 DO SÉCULO XX (III)
(organizado - ordem alfabética - para a revista Op em 2003)



DAVID BOWIE - Low
DAVID BYRNE/BRIAN ENO - My Life In The Bush Of Ghosts
DAVID SYLVIAN - Secrets From The Beehive
DEXYS MIDNIGHT RUNNERS - Searching For The Young Soul Rebels
EAST OF EDEN - Snafu


[descoberto no baú:





East Of Eden - Mercator Projected e Snafu

A experimentação no interior daquilo que se chamou jazz/rock sempre correu melhor para o lado do jazz (Miles Davis, Tony Williams, Herbie Hancock) do que para o do rock (Blood Sweat & Tears, Chicago, The Flock). Enquanto, na primeira hipótese, se tratou quase só de literalmente electrificar um idioma musical suficientemente rico e complexo na sua própria natureza, quando o movimento partiu do polo oposto, pouco mais fez do que incorporar alguns dos estereótipos bem coçados do jazz e acolher de braços abertos a ideia do "solo" improvisado — essa manifestação "moderna" do artista romântico divinamente inspirado "no momento" —, desgraçadamente entregue, em regra, a músicos de código restrito e vocabulário reduzido. Naturalmente, como sempre, génios singulares e excepções à norma (Zappa, Soft Machine, por exemplo) que, só de ouvirem a expressão "jazz/rock", entravam instantaneamente em convulsões, alimentaram-se liberalmente dessas e de outras formas de expressão, sem que isso funcionasse como trágico revelador de inépcia ou constrangimento. Nesse reservadíssimo clube é obrigatório incluir os britânicos East Of Eden, autores de dois sobreexcelentes (e persistentemente ignorados) álbuns há pouco reeditados, Mercator Projected (1968) e Snafu (1970). A fornalha criativa era mantida em combustão por Dave Arbus (violino, flauta, sax mas também "doctor of philosophy, actor and linguist"), Ron Caines (sax, orgão e artista plástico), Geoff Nicholson (guitarra e "graphic artist") e uma secção rítmica tensa e versátil que, no primeiro álbum, integrou Steve York, justamente apregoado na contracapa original como "the finest young bass player in the universe". Para caracterizar a música pode utilizar-se generosamente a palavra "free" e fazê-la seguir de "rock", "jazz" e tudo o mais (do folk ao "bluebeat", música concreta, electrónica, Bela Bartok e Archie Shepp) que eventualmente ocorra, pensar em humor zappa/pythoniano e entender no melhor sentido possível aquela afirmação de Jerry Goldsmith segundo a qual "étnico é aquilo que Hollywood decidiu que era étnico". Sim, os East Of Eden travestiam gloriosamente as suas composições de orientalismos magnificamente "fake", estropiavam-nos (e ao resto) em alucinados e vertiginosos delírios instrumentais colectivos e não viam qualquer problema em descrever um tema como "decline and fall of western civilization and violin pie". As raridades e "bonus-tracks" são muitas e apetecíveis. Um banquete. (2005)]

ECHO & THE BUNNYMEN - Porcupine
ELVIS COSTELLO - Imperial Bedroom/Painted From Memory (c/ Burt Bacharach)
ENNIO MORRICONE - A Fistful Of Film Music
FAIRPORT CONVENTION - Unhalfbricking
THE FEELIES - Crazy Rhythms

(2007)