COMBUSTÍVEL
“A música 'underground' deverá estar intrinsecamente ligada a ideias radicais, a uma empatia radical ou não passará de uma pose. Se a música não se relacionar com uma noção maior do bem comum, será suspeita de não ser senão um entretenimento altamente intelectualizado para gente rica. Recusamo-nos a contribuir para esse lamaçal. Na América, o sistema da justiça criminal é a linha da frente do sistema de privação de direitos económicos em que a nação assenta. Sendo todos nós homens brancos – aqueles para cujo benefício o sistema foi construido –, temos de usar esse previlégio para o dedicar a algo maior, às pessoas que o sistema esmaga. A música não é o combate material e físico necessário para mudar as coisas mas contribui para que as pessoas tomem consciência do poder que têm nessa luta”, declara à “Uncut” Jim McHugh, guitarrista dos novaiorquinos Sunwatchers (uma homenagem a "Sun Watcher", do álbum New Grass, de Albert Ayler, 1968), que, juntando as palavras aos actos, fazem reverter o produto da venda das suas gravações para diversas ONG e grupos de abolição e reforma do sistema prisional.
A capa de Illegal Moves, terceiro álbum da banda, procura deixar bem explícitas as intenções: assinada por Scott Lenhardt num estilo gráfico próximo do da “Mad Magazine”, é uma espécie de variação sarcástica sobre a de Sgt. Pepper's, onde uma multidão de figurões (de Nixon a Margaret Thatcher e ao palhaço Ronald McDonald, com os quatro elementos do grupo incluidos), assiste ao eufórico esquartejamento do Tio Sam pelo boneco da Kool-Aid. De facto, para um grupo que se apresenta como “o martelo que esmagará o capitalismo” mas cria apenas música instrumental, dir-se-ia que o apoio visual seria imprescindível. Nem tanto assim: reivindicando-se da herança do free-jazz (Archie Shepp, Ayler, Pharoah Sanders) e dos Coltrane, Alice e John, mas também de Beefheart, Zappa, do punk e do psicadelismo mais ácido, o programa – ideologicamente irmão dos Gnod de Just Say No To The Psycho Right-Wing Capitalist Fascist Industrial Death Machine (2017) – encara a mudança enquanto explosão simultânea de “sonic catharsis and revolution”. Na fornalha, em acesos combates de guitarra, sax, baixo e bateria, arde, então, o espectro dos Stooges mas também "Ptah, The El Daoud", de Alice Coltrane – algo como a banda sonora de um "western spaghetti" alimentado a "phin" tailandês e "saz" turco, em atmosfera "free-form" – ou o exotismo libertário dos East of Eden, combustíveis insurrreccionais de eleição.
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