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25 April 2016

LONDRES, MALI, AMÉRICA


The Parkinsons: A Long Way To Nowhere, de Caroline Richards, podia ser quase o cruzamento entre um filme de promoção do turismo da região Centro para segmentos de mercado “alternativos” e um dicionário exaustivo de clichés punk-rock: grupo de jovens roqueiros entediados com a pasmaceira de Coimbra (o fado, a Sé, o Mondego, a universidade mais antiga, capas e batinas, as Queimas) “onde nada acontece e as pessoas vão todos os domingos á missa”, emigra para Londres em 2000 e, num momento de ausência de "hype" mais à mão (o "britpop" tinha arrumado as botas), desfruta dos proverbiais quinze minutos de fama, preenchendo o vazio da nostalgia do punk por quem nunca o vivera. O guião estava já escrito e reescrito – ver em Pistols, Stooges, Cramps –, bastava carregar nos temperos: cuspo, vómito, nádegas e pilas ao léu, javardice generalizada em palco, “filthy cock rock”, a cena batida de adolescentes retardados a portarem-se mal. Em versão “pork and cheese”. Só porque sim. Até que, como seria inevitável, “a caricatura deixou de ter piada” e a breve história dos Parkinsons – com posteriores e fugazes regressos à vida – tinha chegado ao fim. O relato de Caroline Richards, é convenientemente (e também limitadoramente) hagiográfico mas, exibido em Portugal, inclui um bónus genuinamente punk: a legendagem, exemplo raro e superior de iconoclastia perante a ortografia, a sintaxe e as flexões verbais. 



Verdadeiramente interessantes na programação do IndieMusic são Mali Blues, de Lutz Gregor, e The Sad and Beautiful World of Sparklehorse, de Alex Crowton e Bobby Dass. Alegado berço dos blues, a oitava maior nação africana, predominantemente muçulmana, viu-se, desde 2012, sob a ameaça de uma revolta jihadista no norte do país apostada na imposição radical da Sharia. A qual, entre diversas outras aberrações civilizacionais, implicava a proibição da música, “tentação satânica que enche o coração de desejos lascivos”. É sobre essa maldição que, em Mali Blues, falam, cantam e dançam a magnífica Fatoumata Diawara, o griot, “maître des paroles” e virtuoso executante de ngoni, Bassekou Kouyaté, o rapper Master Soumi e o músico tuaregue Ahmed Ag Kaedy, por entre belíssimas imagens das margens do Níger, das estradas e ruas malianas e o imenso silêncio do deserto africano.



O filme de Crowton e Dass concentra-se na biografia de Mark Linkous, personagem trágica e entidade única por trás do "nom de plume", Sparklehorse, criatura da “rural America full of drugs and religion”, morto em 2010, quando, pondo termo a uma existência devastada por dependências e distúrbios mentais vários, disparou uma caçadeira sobre o coração. Num mosaico em que as peças vão sendo reunidas por companheiros e colaboradores como Jonathon Donahue e Grasshopper (Mercury Rev), David Lowery (Camper Van Beethoven), Jason Lytle (Grandaddy), Ed Harcourt, Adrian Utley (Portishead) e John Parish, emerge, pouco a pouco, a figura a quem devemos os incomparáveis Vivadixiesubmarinetransmissionplot, Good Morning Spider e It's a Wonderful Life

21 May 2008

AS MANGAS E OS BOTÕES



Scarlett Johansson - Anywhere I Lay My Head

Com ele, nunca há garantia de se tratar da verdade ou apenas de mais uma efabulação. Mas, quando a “Pitchfork” perguntou a Tom Waits se tinha conhecimento de que Scarlett Johansson estava a gravar um álbum com versões de canções dele, a resposta foi “Sim, soube disso pelos jornais”. Sem qualquer irritação, no entanto. Bem pelo contrário, acrescentava mesmo um “more power to her” e explicava que “se escrevemos canções é para serem escutadas e reinterpretadas. É um sinal de que não são assim uma coisa tão pessoal que outros não possam abordar. Não faço ideia do que ela irá fazer, mas, se pegamos nas canções de outra pessoa, é para as fazermos nossas, não há outra solução. E isso, habitualmente, exige uma certa arte de alfaiataria: corta-se umas mangas, cose-se uns botões... cria-se sempre algo de diferente, é a tradição”. Até agora, não se conhece outra reacção de Waits a Anywhere I Lay My Head. Mas do que não pode haver dúvidas é que Scarlett Johansson e o produtor David Sitek (dos TV On The Radio) não hesitaram em usar e abusar da tesoura, da linha e das agulhas: quem apenas conheça de passagem a discografia de Tom Waits, sem esclarecimento prévio, dificilmente reconheceria nestas dez canções (mais um original – “Song For Jo” – de Johansson/Sitek) a assinatura dele. Aparentemente, o objectivo foi exactamente esse: pôr de lado o “respeitinho” e lidar sem grandes cerimónias com o reportório do mestre.


(experiência prévia)

Arredemos nós também o preconceito relativamente aos actores-que-se-lhes-meteu-na-cabeça-cantar. Desde Marlene Dietrich a Marilyn Monroe, Johnny Depp ou Nico (sim, ela era uma “singing-actress”), a questão nunca foi a de ousar pisar outro território que não “o seu” mas sim a de saber se havia perna suficiente para arriscar tal passo. Nos sítios da Net onde se discutem os temas reais que podem fazer vacilar o movimento da terra em torno do seu eixo imaginário, parece assente que Johansson mede pouco mais que um metro e cinquenta e cinco. Perna curta, portanto. Pelo que, sensatamente, Sitek optou por lhe utilizar o timbre de contralto exclusivamente como mais uma tonalidade da paleta – em dois temas, a voz de David Bowie é ainda outra – com que pinta um bizarro fresco algures entre os Cocteau Twins, Sinead O’Connor, Phil Spector, Debbie Harry a bordo dos My Bloody Valentine, ou Nico (lá está...) em part-time com os Mercury Rev. Quando falham – “I Don’t Wanna Grow Up”, por exemplo –, estatelam-se mas, nos momentos em que o alinhamento planetário é mais propício (“Fannin’ Street”, “Town With No Cheer”, “Green Grass”, “I Wish I Was In New Orleans”, “No One Knows I’m Gone”), a experiência chega a ser intrigantemente sedutora.



(2008)