LONDRES, MALI, AMÉRICA
The Parkinsons: A Long Way To Nowhere, de Caroline Richards, podia ser quase o cruzamento entre um filme de promoção do turismo da região Centro para segmentos de mercado “alternativos” e um dicionário exaustivo de clichés punk-rock: grupo de jovens roqueiros entediados com a pasmaceira de Coimbra (o fado, a Sé, o Mondego, a universidade mais antiga, capas e batinas, as Queimas) “onde nada acontece e as pessoas vão todos os domingos á missa”, emigra para Londres em 2000 e, num momento de ausência de "hype" mais à mão (o "britpop" tinha arrumado as botas), desfruta dos proverbiais quinze minutos de fama, preenchendo o vazio da nostalgia do punk por quem nunca o vivera. O guião estava já escrito e reescrito – ver em Pistols, Stooges, Cramps –, bastava carregar nos temperos: cuspo, vómito, nádegas e pilas ao léu, javardice generalizada em palco, “filthy cock rock”, a cena batida de adolescentes retardados a portarem-se mal. Em versão “pork and cheese”. Só porque sim. Até que, como seria inevitável, “a caricatura deixou de ter piada” e a breve história dos Parkinsons – com posteriores e fugazes regressos à vida – tinha chegado ao fim. O relato de Caroline Richards, é convenientemente (e também limitadoramente) hagiográfico mas, exibido em Portugal, inclui um bónus genuinamente punk: a legendagem, exemplo raro e superior de iconoclastia perante a ortografia, a sintaxe e as flexões verbais.
Verdadeiramente interessantes na programação do IndieMusic são Mali Blues, de Lutz Gregor, e The Sad and Beautiful World of Sparklehorse, de Alex Crowton e Bobby Dass. Alegado berço dos blues, a oitava maior nação africana, predominantemente muçulmana, viu-se, desde 2012, sob a ameaça de uma revolta jihadista no norte do país apostada na imposição radical da Sharia. A qual, entre diversas outras aberrações civilizacionais, implicava a proibição da música, “tentação satânica que enche o coração de desejos lascivos”. É sobre essa maldição que, em Mali Blues, falam, cantam e dançam a magnífica Fatoumata Diawara, o griot, “maître des paroles” e virtuoso executante de ngoni, Bassekou Kouyaté, o rapper Master Soumi e o músico tuaregue Ahmed Ag Kaedy, por entre belíssimas imagens das margens do Níger, das estradas e ruas malianas e o imenso silêncio do deserto africano.
O filme de Crowton e Dass concentra-se na biografia de Mark Linkous, personagem trágica e entidade única por trás do "nom de plume", Sparklehorse, criatura da “rural America full of drugs and religion”, morto em 2010, quando, pondo termo a uma existência devastada por dependências e distúrbios mentais vários, disparou uma caçadeira sobre o coração. Num mosaico em que as peças vão sendo reunidas por companheiros e colaboradores como Jonathon Donahue e Grasshopper (Mercury Rev), David Lowery (Camper Van Beethoven), Jason Lytle (Grandaddy), Ed Harcourt, Adrian Utley (Portishead) e John Parish, emerge, pouco a pouco, a figura a quem devemos os incomparáveis Vivadixiesubmarinetransmissionplot, Good Morning Spider e It's a Wonderful Life.