29 June 2024

 
(sequência daqui) Entre ambas está "First House On The Left": "Inspirei-me na pequena casa de Birmingham onde nasci e em todas as memórias capturadas naquelas quatro paredes. Tanto as minhas como as de todos os outros habitantes que lá foram vivendo ao longo do tempo. Quando era criança e escavava no jardim, intrigava-me muito descobrir velhos soldadinhos de chumbo ou pedaços de porcelana. Era um alerta para não esquecermos que não éramos os primeiros e não seríamos os últimos a morar ali. Vistas de fora, todas as casas pareciam iguais. Mas, lá dentro, um risco na parede mudava tudo", explica Katherine aquilo que, qual Sandy Denny actual, por entre discretíssimas cordas, melhor canta: "Is this the light that shines from the shoreline? The port where we know we can rest? Or Is it just the first house on the left?" Envolvidas na memória viva do lugar (velhos relógios, o ranger de sobrados, gravações de família), há outras riscos na parede para descobrir: a assombrosa "Selah", as mais que perfeitas "A Boat On The River" e "Father Of Two". Digamos a pura verdade: todas.

27 June 2024

Uma carreira culturalmente brilhante: do supositório ao conselho de fundadores da Casa da Música

(2013)
España, mañana, será republicana! (VIII)
 
 Fedelha de 18 anos, usada para puxar um lustro pseudo-aristocrátio ao Marselfie (o gebo Câmara Pereira será autorizado a sair da jaula?)
RISCOS NA PAREDE
 
 
Há 3 anos, aquando da publicação do seu precioso álbum de estreia, The Eternal Rocks Beneath, Kathrine Priddy explicava o motivo porque tanto admirava a poesia do norte-americano Frank O'Hara: “Gosto do modo como ele usa nomes, lugares e momentos e nunca os explica. Sentimo-nos como se estivéssemos a observá-lo através de uma janela ou como se o seguíssemos numa rua e capturássemos fragmentos de conversa. É assim que as canções deveriam ser: apenas um breve olhar sobre algo, sem precisar de explicações”. Quase poderia dizer-se que, agora, este The Pendulum Swing é pouco mais (isto é, muito mais) do que a concretização desse desejo. Entra-se através de "Returning" (uma aguada sonora de ruídos domésticos fantasmas, vozes distantes, um drone em crescendo) e sai-se por "Leaving" (uma caixa de música no interior de um túnel ao fundo do qual uma porta se fecha). (daqui; segue para aqui)
 

24 June 2024

Podem ir brincando ao joguinho dos 4 dias que a crua realidade não tardará muito a interromper-vos
Não conseguem mesmo inventar nenhuma coisinha diferente?
 
(sequência daqui) Na verdade, se todos os álbuns de Richard Thompson tivessem o título - Watching The Dark - da caixa-compilação de 1993, não seria motivo de escândalo. Neste Ship To Shore - sucessor de 13 Rivers, de 2018 -, as cartas são colocadas na mesa logo ao início: “Another day without a dream, without a hope, without a scheme, another day that finds you crawling on your knees” ("Freeze"). Logo a seguir, em "The Fear Never Leaves You", a voraz assombração da guerra espreita: "If you should dream the dreams I dream, you’d never sleep again, the fear never leaves you (...) ten years, twenty or more, the same monster comes through the door, If I could unsee the things I’ve seen, comrades all to smithereens". E, para além do espantalho que todos imediatamente reconhecemos, a quantos outros se ajusta a descrição "Just pretend you are that star, that everybody says you are, just pretend that life’s a bloody show, and don’t let doubt possess your mind, leave that demon far behind, just believe and they won’t ever know"? O bem lubrificado engenho - Taras Prodaniuk (baixo), Michael Jerome (bateria), Bobby Eichorn (guitarra), David Mansfield (violino) e Zara Phillips (voz) - que lhes atribui espessura e profundidade é o trampolim mais que perfeito para a filigrana e labaredas de Thompson, guitarrista da estirpe dos exemplares únicos como Hendrix, Verlaine ou Neil Young. Há anos, o fiel discípulo Bonnie ‘Prince’ Billy explicaria tudo definitivamente: “Ser alguém que apresenta o que cria como uma completa extensão de si mesmo foi sempre o meu sonho. Compreendemos isto muito bem se repararmos num músico como Richard Thompson quando executa um solo. A canção que ele interpreta ganha verdadeiramente vida nesse instante. Durante esse momento de generosidade, nós somos Richard Thompson. É uma dádiva esse tipo de relação com o seu talento, como se ele se apossasse do nosso cérebro” .

19 June 2024

FILIGRANA E LABAREDAS

No passado dia 30 de Abril, contaram-se 50 anos sobre a publicação de I Want To See The Bright Lights Tonight, de Richard e Linda Thompson, eterno (e justíssimo) candidato a figurar nas listas dos melhores álbuns de sempre. Por essa altura, Richard tinha no currículo "apenas" 5 álbuns com os Fairport Convention - entre os quais a trilogia de ouro de 1969, What We Did On Our Holidays, Unhalfbricking e Liege & Leaf -, o primeiro álbum a solo, Henry The Human Fly (1972), No Roses (1971), com Shirley Collins e a Albion Country Band, Rock On (1972), integrado em The Bunch, selecção de notáveis do emergente folk-rock na hora do recreio à volta de canções de (entre outros) Elvis Presley, Buddy Holly e Everly Brothers, e Morris On (1972), espécie de derivação do anterior com a tradição das "morris dances" como eixo. Faltava, porém, ainda muito (nunca menos do que brilhante) caminho até se atingir o bonito total actual de 24 álbuns a solo, 18 "live" (a solo e com os Fairports), 10 compilações, 5 bandas sonoras para televisão e cinema, e dispersas pelas esquinas do universo sonoro, literalmente incontáveis colaborações mais ou menos notórias. Mas, desde o agora cinquentenário, a atmosfera na qual tudo o que viria a seguir se instalaria ficava definitivamente estabelecida na canção de embalar "The End Of The Rainbow" dedicada a Muna, a filha recém-nascida: "I feel for you, you little horror, safe at your mother's breast, no lucky break for you around the corner, 'cos your father is a bully and he thinks that you're a pest, and your sister, she's no better than a whore, life seems so rosy in the cradle, but I'll be a friend I'll tell you what's in store, there's nothing at the end of the rainbow, there's nothing to grow up for anymore". (daqui; segue para aqui)


Continua em curso a "conspiração mundial esquerdosa-satânica-pedófila"! (mas expliquem aos moços da Lusa que é "um monolito" e não "um monolítico")

17 June 2024

 
(sequência daqui) Em "Beyond The Sun", viaja-se da medina moura à inssureição free, "Floating On A Moment", a uma morosa litania ("All we have is here and now"), justapõe um coral infantil sem horizonte ("All going to nowhere, to nowhere"), "Rewind" serpenteia entre ordem, caos e os ruídos do mundo, e "Burden Of Life" é uma lenta caminhada de Sísifo sobre estilhaços de vidro. "As pessoas começaram a morrer-me. Quando somos jovens, nunca conhecemos os fins. não sabemos como tudo se resolverá. Pensamos: vamos ultrapassar isto. Tudo há-de correr bem. Mas alguns fins custam a engolir. Compreendi o que é a vida destituida de qualquer esperança. E senti uma tristeza como antes nunca sentira. Antes tinha a capacidade de modificar o meu futuro mas, quando lutamos contra o nosso corpo, é impossível obrigá-lo fazer uma coisa que ele não deseja" é a forma sempre quase telegráfica (nem mais uma só palavra) como Beth Gibbons se refere a Lives Outgrown. Tudo o mais apenas poderá saber-se escutando o disco.
O absurdo absolutamente irrespeitável de todas as religiões

14 June 2024

O CEO da Vaticano S.A. não só não leu o livro do Frédéric Martel como, aparentemente, não se recorda que O Nome da Rosa, de Umberto Eco - sobre o tema que, agora, o leva a ser tão fofinho e divertido -, foi considerado pelo Vaticano como "a narrative calamity that deforms, desecrates and offends the meaning of faith"
 
 
Edit (15/06/2024) - O riso
A "Santa" Casa, como a Terra "Santa", contribui para se perceber por que motivo "santa" é, de facto, um insulto

("Expresso")

13 June 2024

"Floating On A Moment" (ver aqui também)
 
(sequência daqui) Verdadeiramente importante, porém, foi a obsessão pelo trabalho de invenção de um universo sonoro único que terá começado quando, ainda um pouco perdidos acerca do que realmente buscavam, Beth tropeçou numa caixa onde guardava cortinados e declarou "Gosto deste som!" Daí, resultaria o timbre de baixo a utilizar a que se seguiriam, entre outras fontes sonoras pouco ortodoxas, Tupperwares, cordas de guitarra muito fora de prazo, cabaças percutidas debaixo de água, frigideiras de paella, cantis de couro, cordas de juta, secções de sopros com flautas de bisel e clarinetes, e "uma coisa de que ninguém sabe o nome mas que soa como um contrabaixo, é parecido com um ukulele sem trastos e com cordas de borracha que é um pesadelo para afinar". Ao contrário do que poderia supôr-se, nada disto visou alguma vez criar uma atmosfera "exótica" ou bizarra mas sim ajustar-se o mais perfeitamente possível ao surdo desespero que a voz e os textos de Beth Gibbons carregam (“Smiling with white teeth, the taste of ammonia, the need a delusion, a choice made to fail, ‘cos the dreams are for sale from afar”, canta em "For Sale" sobre fundo médio-oriental desfocado), enquanto os arranjos de James Ford sobrepõem sucessivos planos sonoros, multiplicam contrapontos e desarrumam os lugares de repouso habituais. Beth Gibbons é, alternadamente Billie Holiday, Eartha Kitt, Shirley Bassey, Janis Joplin, Björk, Nico, Beth Gibbons até. (segue para aqui)

12 June 2024

Voltando a recomendar ao CEO da Vaticano S.A. a leitura do livro de Frédéric Martel, impõe-se, no entanto, algum rigor na linguagem: trata-se de "paneleirice" ou de "bichice"?

Edit (13/06/2024) - ... e não esquecer a regra dos 8 minutos!... mais do que isso e o pessoal desconcentra-se e começa a pensar só em badalhoquices...

Sempre a aprender: 1) a reciprocidade é um sentimento; 2) a reciprocidade é um sentimento português.

10 June 2024

St. Vincent - "Broken Man"

(ver aqui também)
 
(sequência daqui) O outro dado cronológico que importa, agora, referir é que a 28 de Outubro, se cumprirão 22 anos sobre a publicação de Out Of Season, primeiro álbum pós-Portishead de Beth Gibbons, a meias com Paul Webb (aka Rustin Man), ex-Talk Talk. Deliberadamente "beats free", se, para Gibbons, nesse momento, o essencial era "a filosofia da música, as surpresas, os acidentes, a sonoridade das palavras e a tentativa de as exprimir de uma forma pela qual a totalidade das emoções seja revelada", para Webb, "os arranjos e o espírito geral destas canções poderiam perfeitamente pertencer aos anos 40". Objectivos integralmente atingidos e ultrapassados que, mais de duas décadas percorridas, em Lives Outgrown, reemergem sob nova configuração e com outros co-protagonistas. A saber, outro ex-Talk Talk, Lee Harris, e o produtor James Ford que, ao longo de 10 anos acompanharam Beth Gibbons na concepção e concretização do álbum. Pelo caminho, foram acontecendo colaborações com Jane Birkin, Annie Lennox, .O.rang, Rodrigo Leão, Gonga, Gonjasufi, Kendrick Lamar, e diversas bandas sonoras para cinema, além da participação na interpretação da Sinfonia nº3 de Henryk Górecki, dirigida por Krzysztof Penderecki. (segue para aqui)
Tiny Hands
(via DT; ouvir aqui)
Serviços municipais de desinfestação 
chamados de urgência a Gondoriz!

... e a pérfida social-facha Ždanoka logrou ver-se livre da concorrência 
da maravilhosa social-facha lusa Sandra... (mas disto ninguém fala!)

08 June 2024

Sandra, nada de vacilações: se a Ždanoka tem bons apoios, porque não hás-de tê-los tu também?
 
Edit (09/06/2024) - TPC: estudar atentamente as directivas dos chefes, a começar, por exemplo, aqui: "Comunistas de China, Vietnam, Cuba, República Popular Democrática de Corea, Laos siguen siendo un ejemplo de lealtad a la causa del socialismo"
a Nakba outra vez

(com a colaboração do correspondente do PdC em Pequim)
(ler aqui)


(ver aqui)

07 June 2024

Na modalidade social-facha "Quem é o melhor amigo do Putin?", todo o apoio à lusa Sandra Pereira na disputa do título contra a vil letã Tatjana Ždanoka!!!

 
(sequência daqui) Parcialmente chocado nos tempos mortos de estúdio que os Massive Attack lhes iam oferecendo durante a gravação do seu Blue Lines, foi ainda preciso alguma persistência até que os universos de Beth e Geoff se sobrepusessem exactamente e a miúda que, pelos pubs de Bristol, cantava Nina Simone, Otis Redding, Jimmy Cliff e as duas Janis (Joplin e Ian) mostrasse "It Could Be Sweet" ao alquimista sonoro. Seria esse o momento em que, historicamente, os Portihead eclodiram. O sucesso, porém, foi acridoce: "Não quero armar-me em polícia e pôr-me a dizer às pessoas como devem escutar a nossa música. Mas a forma como Dummy acabou sendo absorvido pelo ‘mainstream’ foi muito peculiar. A ideia de que teve o destino de banda sonora para ‘dinner-parties’ significa que o que era a essência desse álbum não foi, realmente, compreendida. E isso não nos pareceu uma coisa muito simpática”, declararia Geoff Barrow â “Uncut”. Seguir-se-iam Portishead (1997) - "Foram 13 meses de completa confusão mental... como adivinhar o que tinha gerado o sucesso de Dummy?", diria Barrow - e, 11 anos depois, Third, com Roseland NYC Live (1998) de permeio. (segue para aqui)
A.C. Marias - "Just Talk"



(ver aqui)

03 June 2024

LIMPAR O PÓ AOS ARQUIVOS (XCVI)

(com a indispensável colaboração do R & R)
(clicar na imagem para ampliar)
 
"To Sleep" (do álbum One Of Our Girls Has Gone Missing, na íntegra aqui; ver aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui também)
 
"Bound By The Beauty" (do álbum homónimo, na íntegra aqui)
 
"Think Too Hard" (do álbum Surprise, na íntegra aqui)

ORDEM, CAOS E OS RUÍDOS DO MUNDO


A 22 do próximo mês de Agosto, celebram-se os 30 anos da publicação de Dummy, álbum de estreia dos Portishead, trio de Bristol constituído por Beth Gibbons (voz), Geoff Barrow (produção e multi-instrumentista) e Adrian Utley (guitarra). Oriundos do que ficaria conhecido como "The Bristol Scene", agregação informal de músicos e artistas do panorama alternativo local - Tricky, Massive Attack, Alpha, o "street artist" Banksy -, seria, essencialmente, a eles que ficaríamos a dever o que veio a designar-se como "trip-hop": uma tapeçaria sonora na qual, em doses infinitesimais, funk, jazz, hip-hop, bandas sonoras (John Barry, Lalo Schifrin, Ennio Morricone), soul, electrónica e experimentalismos vários se articulariam numa descendência contemporânea da "torch song" em registo "neo-noir" e de ressonâncias lynchianas. Beth escrevia textos dilacerantemente íntimos que Geoff não se esforçava por compreender ("Ele não faz a menor ideia do que eu estou a cantar. Não lhe interessa e admite-o sem problemas", confessaria, então, Beth) mas que, na sua missão de "sound designer" e garimpeiro de "beats", com a contribuição de Utley, reconfigurava como estojos sonoros ideais. (daqui; segue)