29 November 2020
27 November 2020
26 November 2020
25 November 2020
* Acta est fabula é um termo da antiga língua latina do Império Romano, traduzível literalmente por: "A peça está representada", palavras com que os Romanos anunciavam o fim dos espectáculos.
24 November 2020
Because they are happy. Wanting to improve the world is a displacement of the impulse to improve yourself. But cats are not inwardly divided as humans tend to be, and don’t want to be anything other than what they already are, so the idea of improving the world doesn’t occur to them. If it did, I suspect they would dismiss it as an uninteresting fantasy" (daqui, a propósito de Feline Philosophy: Cats and the Meaning of Life de John Gray)
23 November 2020
ESCUTAR O MUNDO
“Interessa-me muito perceber por que tocamos a música que tocamos. Sinto que a forma como desejo tocar não está presa a nenhum lugar tradicional em particular. Tenho necessidade de cantar e tocar e os sotaques, os dialectos, e o modo como tudo me sai tem a ver com o caminho que vou percorrendo, os lugares para onde levo o meu violino e onde conheço gente”, diz Rowan Rheingans à “fRoots”. Será mesmo muito interessante compreender como Anna e Rowan Rheingans – as Rheingans Sisters –, duas moças de Grindleford, uma terreola de menos de 1000 almas, no Derbyshire, chegaram a tão assombroso lugar como aquele que descobrimos em Receiver, o seu quarto álbum. E ele situa-se algures entre Sheffield (refúgio de Rowan) e Toulouse, a Suécia e a Noruega (paragens de abrigo e deambulação de Anna), coordenadas de uma música que ignora fronteiras mas conhece bem as suas origens: “Temos uma noção muito precisa da atmosfera que pretendemos criar – as cores, as texturas, a igual importância dos textos, da melodia, dos arranjos. A qualidade encantatória de muita música de dança tradicional tal como a repetição de motivos do minimalismo clássico sempre nos atrairam muito”.
(álbum integral aqui)
Tão aparentemente rude quanto sofisticado, entre o forno de lenha e o conservatório, espécie de "avant-folk scandi noir", Receiver é um "travelogue" occitano-escandinavo com um polo britânico, que vai registando encontros e intimidades de "bourrées", "rondeaux", polcas e mazurkas com "hardanger fiddles" nórdicos, imagina que Trondheim fica mesmo ali nas montanhas do Béarn, à beira das Apalaches e logo a seguir ao Leicestershire, e que esse é o local mais propício para evocar rituais magrebinos e o Bloody Sunday irlandês. Inspiradas pelos transparentes “solargraphs” (fotografias "pinhole") de Pierre-Olivier Boulant – e armadas de vozes, violino, viola de arco, banjo, flabuta, sinos, Hammond, guitarras, "pocket piano" e sintetizador –, as Rheingans inventaram a maravilha a que chamam “um artesanato de frequências” e cujo único segredo é “esperar e escutar o mundo”.
22 November 2020
21 November 2020
20 November 2020
19 November 2020
O PAÍS (TROPICAL) DOS ZEZÉS (LXIV)
"Outra especificidade das eleições [municipais do Brasil] é a multiplicação de candidatos exóticos com nomes de guerra como Gato Preto, Cachorro Quente, Gordinho da Usina, Tadeu Tô Contigo, Sallim Solução Amor no Coração, Professor Goiaba, Capitã Cloroquina.
Há ainda 26 Hulks e oito Batman. E três Trumps, para quem, como para o outro, a eleição ainda não acabou.
E os slogans arrasadores, como o de Tia Carmen, ex-dona da boite Carmen Club, de Porto Alegre: 'Tia Carmen, Dona do Puteiro: Vote em mim ou eu conto'. Um dos slogans que mais vem viralizando é de um candidato, de Matinhos, Santa Catarina, que nem participa nas municipais deste ano. No entanto, o lema de Cassiano Piccoli, que nasceu com deficiência de crescimento, ficou na memória: 'Vota Anão, dos males o menor'". (daqui, via M)
18 November 2020
17 November 2020
ANARQUITECTURA
“O cérebro dos bebés tem centenas de milhões de ligações neuronais, muito mais do que as que possuimos quando adultos. Que significa isto? Que os bebés são mais inteligentes do que nós? Que, à medida que crescemos, nos tornamos cada vez mais estúpidos até atingirmos um determinado patamar de estupidez que é aquele em que a maioria de nós se encontra? Mantemos as ligações que nos são úteis e, através de um processo de desbaste e eliminação, desfazemo-nos de todas as outras até que aquelas que restam definem o que somos enquanto pessoas, como vemos o mundo e este, aparentemente, faz algum sentido para nós. É por essa altura que começamos a fazer perguntas como ‘quem sou eu?’, ‘o que desejo?’, ‘como fiz isto?’, ‘o que estão aquelas pessoas ali a fazer?’, ’estão a olhar para mim?’, ‘são como eu?’, ‘deveria ir falar com elas?’...” Minutos antes, David Byrne tinha-nos conduzido numa visita guiada pelas circunvoluções, recessos e interstícios do cérebro humano – com modelo tridimensional em exibição – tal como a planeara em "Here", a última faixa de American Utopia (2018), o álbum que, concebera, a quatro mãos, com Brian Eno.
Mais à frente, por altura de "Lazy" (“Now some folks they got money and some folks lives are sweet, and some folks make decisions and some folks clean the streets, imagine what it feels like, imagine how it sounds, if everything were perfect and everything works out”), observará: “Objectivamente, nunca consegui entender por que razão olhar para uma pessoa deveria ser mais interessante do que olhar para qualquer outra coisa, por exemplo, uma bicicleta, um belo pôr-do-sol ou um pacote de batatas fritas. Mas... é verdade, observar as pessoas é o melhor”. E, durante 1 hora e 45 minutos, é exactamente isso que Byrne e as 11 câmaras comandadas por Spike Lee nos desafiam a fazer, a partir das imagens e sons captados no palco do Hudson Theater, da Broadway, em Nova Iorque.
Seria aí que – após a digressão que se seguiria à publicação do álbum –, com a colaboração da coreógrafa Annie-B Parson (que, desde Here Lies Love, o "musical" sobre Imelda Marcos, de 2010, trabalha com Byrne), ele reconfiguraria o espectáculo enquanto "stage show", em cena de Outubro de 2019 a Fevereiro deste ano, quando foi, subitamente, interrompido pela pandemia. Milagrosamente, tinha havido ainda tempo para que Spike Lee e a directora de fotografia, Ellen Kuras (braço armado de Jim Jarmusch, Martin Scorsese, Michel Gondry ou Sam Mendes) pudessem filmar duas noites. “A cãmara tinha de dançar, acompanhar os músicos/bailarinos e compreender a coreografia”, explicou David Byrne ao “New York Times”, a propósito do modo como Spike Lee se concentrou no objectivo de “derrubar a quarta parede”.
Filmando dos bastidores, no interior do próprio palco como quem observa de perto os detalhes de um quadro, em inesperados "freeze frames", ou em vertiginosos planos picados verticais, Lee e Kuras deixam-se capturar pela exultante anarquitectura coreográfica – radical exuberância gestual sob rigorosa disciplina militar colectiva – que, num palco totalmente despido de microfones, colunas e cabos, os 12 músicos (americanos, canadianos, brasileiros e franceses), carregando consigo guitarras, teclados e percussões, interpretam em explosivo contraponto visual das 22 músicas – de American Utopia mas também de Rei Momo (1989), Grown Backwards (2004), Everything That Happens Will Happen Today (2008, com Brian Eno), Love This Giant (2012, com St. Vincent), e dos Talking Heads. A pretexto de "I Zimbra", sobre poema de Hugo Ball, recorda como os dadaistas usavam o "nonsense" para procurar fazer sentido de um mundo sem sentido. Exactamente o mesmo mundo que, hoje, em "Hell You Talmbout", de Janelle Monáe, reemerge numa lista de 20 nomes de vítimas negras da violência policial (“Say his name!”), em ardente expressão comunitária coral-percussiva. Como se tudo pudesse vir a ser perfeito e funcionar em harmonia. (No Porto/Post/Doc, Rivoli, Porto, sexta-feira 20,19h, e 27, 14.30h)
16 November 2020
14 November 2020
13 November 2020
12 November 2020
11 November 2020
10 November 2020
09 November 2020
BEAUTIFUL LOSERS
Judy Dyble, a antecessora de Sandy Denny nos Fairport Convention, durante as canções nas quais, em concerto, não intervinha, sentava-se à boca de cena, a tricotar. Celia Humphris, cantora dos Trees, aconselhada a não se movimentar de modo demasiado exuberante no decurso das longas passagens instrumentais, optava por se deitar no palco. Uma vez, adormeceu. As peculiaridades das suas divas não são o único ponto comum entre as duas bandas. De facto, não disparatando demasiado, quase poderia dizer-se que uma foi a continuação da outra que ainda não desaparecera (nem, com as mais diversas formações, até hoje, desapareceria). Em 1969, enquanto os Fairports publicavam a trilogia de ouro What We Did In Our Holidays, Unhalfbricking e Liege & Lief e, de caminho, inventavam o folk.rock britânico, os guitarristas David Costa e Barry Clarke convidavam o baixista Bias Boshell ("housemate" de Clark), o baterista Unwin Brown (amigo de escola de Boshell) e Celia Humphris (irmã de um colega de trabalho de Costa), para formarem uma banda. Uma coisa assim bastante caseirinha.
Meio século depois, Boshell define-os, á “Uncut”, como “o grupo de pessoas menos ambicioso que alguma vez existiu”. Sonhavam com os Byrds, Jefferson Airplane, Buffalo Springfield e Quicksilver Messenger Service mas, porque Costa fora iniciado na tradição folk através da amizade com Martin Carthy, e "Meet On The Ledge", dos Fairports, era matéria de estudo obrigatória, os dois únicos álbuns dos Trees – The Garden Of Jane Delawney (1970) e On The Shore (1971), agora republicados em "boxset" de 4 CD – acabariam integralmente contagiados pelas marcas do género emergente. Clark era um Richard Thompson em embrião que urdia belíssimos contrapontos eléctricos com a guitarra de Costa – ainda algo imperfeitamente em "Glasgerion" e "The Great Silkie", do primeiro, e nas extensas e magníficas "Streets Of Derry", "Polly On The Shore" e "Sally Free And Easy", de On The Shore, conduziam o psicadelismo folk-rock a focos de incêndio nunca antes ateados – e Celia era uma candidata pronta a ocupar, em qualquer momento, o lugar de Sandy Denny. Havia aproximações aos (então nascentes) Steeleye Span ("Soldiers Three"), evocações medievais ("Adam’s Toon") e hinos luditas ("While The Iron Is Hot"). Durariam, sem qualquer sucesso, até 1973. Celia, após, durante anos, ter sido a voz que, nas estações do metro de Londres nos alertava “Mind the gap!”, em 2009, participaria como convidada no álbum Talking With Strangers. De Judy Dyble. (ver também aqui)
08 November 2020
Radicais livres (LXXXVI)
Up Against The Wall Motherfucker - We Propose a Culture Exchange (garbage for garbage): leaflet by UAW-MF promoting what is perhaps its most famous and successful intervention. On February 12, 1968, a group of radicals leby by Ben Morea collected garbage on the lower east side, trucked it, then dumped it in front of the Lincoln Center on a gala night. The event coincided with a NYC garbage strike and was meant to express both the group’s contempt for the bourgeois establishment and its support of the strikers
06 November 2020
05 November 2020
"Senhor presidente da República, eminente jurista da Faculdade de Direito de Lisboa: O conceito 'colaborador não existe em Direito Laboral em Portugal. 'Colaborador' é um conceito que não consta do Código do Trabalho nem da jurisprudência judicial relativa aos contratos de trabalho por conta de outrem. Pior: encaixa na tentativa ilegal e fraudulenta de 'transformar' trabalhadores em falsos prestadores de serviços.
Legalmente, não há, pois, 'colaboradores': há trabalhadores, assalariados, funcionários (se o forem), operários (se o forem), ou outra expressão. Não há contratos de 'colaboração': há contratos de trabalho. Trabalhador não é um conceito marxista: é uma realidade, prevista na lei.
E que, por isso, senhor presidente da República, agradece-se que corrija esse erro no borrão de decreto presidencial, sob pena dessa disposição não se aplicar a ninguém, senão aos 'bufos', 'sabujos', 'colaboracionistas' e outras pessoas menos rectas, que não os trabalhadores.
Como vê, ele há erros que vêm por bem e há quem escreva direito por linhas tortas e nem é Deus" (daqui)
04 November 2020
03 November 2020
O TEMPO EM QUE VIVEMOS
Num momento, Elvis Costello estava num estúdio de Helsinquia, sozinho com a guitarra, a gravar os esboços de três canções, e, no momento seguinte, descobria-se de regresso a casa, em Vancouver, no Canadá. Tudo se passou entre o início do passado mês de Fevereiro e o meio de Março, quando o mundo que conhecíamos começou a desaparecer: “Depois de Helsinquia, fui a Paris onde trabalhei com o Steve Nieve e um grupo de óptimos músicos franceses que ele reuniu. Não tinha nenhuma música escrita, apenas as sequências de acordes. Eles tocaram maravilhosamente e avançámos imenso. Durante cerca de um mês não cheguei a ouvir o resultado final porque viajei para Liverpool onde ia começar uma digressão com os Imposters. Estava a correr tudo muito bem quando, de repente, por causa do vírus, as pessoas começaram a deixar de aparecer nos concertos e compreendi que estava na altura de cancelar tudo e voltar para o Canadá para ir ter com a minha família antes que fechassem as fronteiras”, conta ele, ao telefone, a partir da costa ocidental canadiana. “E ali estava eu, na ilha de Vancouver, a olhar para aquele imenso mar e a tentar perceber onde tudo isto iria parar...”
Não ficou muito tempo assim. Poder ter todo o tempo para estar com a mulher, Diana Krall, e os filhos gémeos terá sido uma benção mas é difícil imaginá-lo parado. Estava já em curso a operação da iminente mega-republicação – em 9 vinis e muito outro “material de apoio” – de Armed Forces (1979) e o novo álbum, Hey Clockface, tinha ficado suspenso: “Foi nessa altura que o Michael Leonhart me enviou duas músicas que viriam a ser ‘Radio Is Everything’ e ‘Newspaper Pane’. Posso dizer que essas duas músicas foram o que me permitiu ter uma visão do que, poderia ser um álbum coerente. Apesar de ser um disco de enormes contrastes, a mistura do Sebastian Krys – com quem já tinha trabalhado em Look Now – não contribuiu para que as faixas soassem todas semelhantes mas para fazer sobressair a intensidade de cada uma delas: se ‘No Flag’ se situa num extremo e ‘Byline’ no outro, há também momentos de composição espontânea nas peças de 'spoken word' em que procurei descobrir atmosferas musicais que pudessem articular-se bem com aqueles textos. Desejei, realmente, experimentar coisas diferentes. Se não fosse assim, teria simplesmente ido com a minha banda para estúdio. O que foi também uma forma de tirar o melhor partido de uma situação que nunca teríamos sido capazes de imaginar”.
A coerência estética e sonora estava assegurada e, para isso, não foi necessário nenhum tema recorrente, ainda que, para quem desejar escutá-lo à lupa, possam surgir pistas de investigação; “É sempre possível descobrir relações entre algumas canções mas não gosto de deixar as pontas soltas demasiado à vista. Só reparo nessas possíveis ligações depois de as ter gravado. Há certas ideias que podem destacar-se, a forma como observamos e comentamos pode ter uma raiz comum – ‘Newspaper Pane’ e ‘ Byline’, por exemplo, são ambas sobre a escrita jornalística –, se procurarmos, acabaremos sempre por encontrar alguma coisa. Mas isso não foi nada que eu tivesse planeado, não existiu uma matriz previamente pensada. Permiti apenas que as músicas se fossem acumulando. O momento em que procuramos encontrar uma estrutura para um álbum é quando pensamos na sequência das canções, como jogar com os contrastes entre textos, andamentos e tonalidades – podemos nem ter consciência de que duas canções estão no mesmo tom, mas, ao ouvi-las, sentimos isso –, há imensas razões para que as canções surjam numa determinada ordem e os temas emergem a partir desses contrastes”.
“No Flag”, por exemplo, que a intriga crítica quis ver como uma “canção de protesto” – embora recorde muito mais um verso (“Apenas o mastro em que a bandeira é hasteada e o vento. Nenhuma bandeira”) do poeta persa medieval, Rumi, tão amado por Leonard Cohen – é, afinal, apenas um equívoco interpretativo de algo que comenta a fragilidade fundamental dos tribalismos identitários: “Nunca seria uma canção de protesto porque isso implica colocarmo-nos de um lado contra outro. O dia em que acordamos para o facto de que a lealdade a crenças ou a religiões não nos traz nenhum consolo é um dia difícil. Porque, se removemos as bandeiras, temos de nos confrontar com os valores essenciais. ‘We’re All Cowards Now’ é também acerca desse relexo de nos irarmos tanto com algumas coisas que vão acontecendo no mundo que tudo se torna conflitual. Apetece dizer: 'Pensas que és muito corajoso com essa arma na mão. Que tal se a atirasses ao chão? Serias exactamente igual a mim”. Escrevi-a há dois anos mas, pelo que vemos hoje à volta, só posso dizer que, desgraçadamente, tudo se confirmou. E, pelo título, pode reparar que não é uma canção de acusação, não excluo ninguém, incluo-me a mim mesmo. Ninguém está imune a ser sugado por este dilúvio de desinformação, estupidez e superstição. Não as vejo, de facto, como canções de protesto mas como reflexões acerca do tempo em que vivemos”.
O que poderá servir como óptimo pretexto para reavaliar uma canção como "Tramp The Dirt Down" (1989), na qual Costello expelia fel sonhando com o dia em que o túmulo de Margaret Thatcher desceria, enfim, à terra: “Mesmo essa era muito mais acerca do que Margaret Thatcher representava, daquilo que personificava em matéria de filosofia e dogma político, do que sobre ela enquanto pessoa. Foi uma canção que, então, naquelas circunstâncias, eu escrevi, e estas são as canções que agora escrevo. Tento arrumar todas as canções que escrevi como reacção a alguma coisa num canto do cérebro onde não se transformem numa força estática. A vida e as circunstâncias mudam. Sou capaz de pensar no tipo de canção que poderia escrever acerca do nosso primeiro-ministro: seria uma canção cómica ou sonsa. É muito fácil escrever canções puramente confrontacionais. É possível que, dos tempos actuais, surjam canções que, no futuro, reconheceremos como marcas desta época. Mas não há nenhuma regra que diga que tenho de ser eu a escrevê-las”.
A reedição de Armed Forces – que poderá ser ou não o início de um processo a estender a toda a restante discografia – acompanha a tendência crescente para o ressurgimento contemporâneo do vinil e também a revalorização do álbum face à molecularização do "streaming". Mas será algo para ficar ou somente uma moda temporária? “Todas as coisas são temporárias. Os meus três primeiros álbuns foram registados num gravador de 8 pistas. Mas a minha vida organizava-se à volta das cassetes: gravava as canções novas em cassetes e entregava-os a amigos ou a outros músicos para que as aprendessem e também as trocávamos com música gravada do vinil ou da rádio. Quando o digital se tornou dominante, o CD era aquela coisa mágica, praticamente indestrutível, que podia acolher imensa música. Com o tempo, fomos compreendendo que não era assim tão melhor. Finalmente, com o mp3 e o 'streaming', temos acesso a praticamente toda a música mas não temos aquele objecto, o disco. Nunca gostei de CD, o 'artwork' perdeu a dimensão indispensável. Mas não tenho poder para definir as regras. Se me perguntarem o que é um disco, eu respondo que é uma rodela de vinil de 12 polegadas. O CD deu-nos a possibilidade de termos música portátil que podíamos ouvir em qualquer lado, em casa ou no carro, o que é óptimo. O 'streaming', para mim, é como a rádio sem conversa, podemos escolher o que ouvir ou escutar aleatoriamente. O que não tem nada de mal, podemos tropeçar em meia dúzia de canções que nunca tínhamos ouvido antes. Não me apetece fazer um manual de instruções acerca de “como devemos ouvir música”, tudo é possível e nada é permanente. No futuro, outras coisas existirão”.
Uma das coisas que, inexplicavelmente, continuam a existir é a OBE (Ordem do Império Britânico), condecoração atribuida pela rainha de Inglaterra a súbditos notáveis nas artes, ciências e actividades de caracter social. Que muitos recusam e Elvis Costello, surpreendentemente, aceitou. Na realidade, pelos melhores motivos: “Inicialmente, pensei recusá-la. A atribuição das OBE é como aquelas vendas por liquidação total... (risos) atribuiram-ma mas tenho a certeza de que nunca ouviram uma palavra das minhas canções!... O meu pai cantou em Buckingham, em 1958 e 1962, quando estava na Joe Loss Orchestra, para o pessoal do palácio. Desempenhou o papel de empregado dos empregados, cantou para os criados da rainha. Por isso, não entrou no palácio pelo portão principal. Sabe quem o fez? Eu!... (risos) Tudo aquilo que o império representa é, sem dúvida, absolutamente errado. Mas, na verdade, já não existe, literalmente, nenhum império nem eu preciso de qualquer certificação real acerca do valor daquilo que faço. No entanto, tinha curiosidade de, um dia, ali entrar e ver o que lá se passava. Afinal, desde há muito que pago impostos para sustentar a família que ali vive!”