22 September 2020

A NOITE E A CHUVA

 

No poema “Old Marx”, o polaco Adam Zagajewski escreveu: “He couldn’t concentrate, rewrote old work, reread young Marx for days on end, and secretly admired that ambitious author. He still had faith in his fantastic vision, but in moments of doubt, he worried that he’d given the world only a new version of despair; then he’d close his eyes and see nothing but the scarlet darkness of his lids”. Foi a frase “in moments of doubt, he worried that he’d given the world only a new version of despair” que, há cinco anos, por pouco não impediu Peter Milton Walsh de publicar No Song, No Spell, No Madrigal, o sublime álbum de regresso dos Apartments, após quase duas décadas de ausência. “Esse poema assombrou-me durante imenso tempo. As canções são como janelas – às vezes, alçapões –, as memórias entram a galope e temos de ser capazes de lidar com elas”, disse ele, na altura, a propósito dessa gravação consagrada ao luto pelo filho, Riley.

 

As “new versions of despair” de Peter Milton Walsh não eram coisa nova. Robert Forster descrevia-o como “um homem que deixa suspiros e queixas no seu rasto” e Grant McLennan (o outro Go-Between, banda da qual, fugazmente, Walsh também fez parte) comparava: “Ele é a noite, nós somos o dia. Nós somos o sol, ele é a chuva”. Poucos soldados do escasso exército de sombras que é a sua rede de seguidores dispersos pelo planeta esperariam já esse ressurgimento. E menos ainda apostariam que fossem necessários apenas cinco anos para que Peter Milton Walsh – ele que assegura dedicar grande esforço ao desenvolvimento dos seus “sitting still and keeping quiet talents”, algo que lhe parece “demasiado menosprezado neste mundo” – voltasse a reanimar o tresmalhado ensemble de câmara que lhe serve de alter ego. E, no entanto, com epicentro em Sydney e ramificações em Paris e Londres, eis In And Out Of The Light, belíssimos oito quadros de impressionismo "noir", ensaio de fuga (“Write your way out of town, write your way out of sorrow”) e exercício de aproximação audeniana (“Oh you were so unlike the rest, my North, my South, my East and West, you were so unlike the rest”), que, se, confessadamente, se abeira daqueles “sobre quem toda a vida desabou”, não resiste a cuspir o veneno que tanto intoxica quem o expele como aqueles que atinge: “I like living without you, can’t you see I’m getting by? Except when I’m dreaming or drinking, breathing or sleeping, walking or talking, I don’t give a fuck about you anymore”.

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