30 May 2024


(ler aqui)
 
(sequência daqui) À "Mojo", explicar-se-ia ainda com mais detalhe: "Senti a necessidade de ir mais longe na descoberta do meu vocabulário sonoro. Gosto de pensar neste álbum como pop-depois-da-peste. Tem muito de inferno e de paraíso. Como se fosse escrito do ponto de vista de uma profunda ferida narcísica, com a sensação de se ser um barril de pólvora: se alguém nos olhar do modo errado, podemos facilmente explodir. É o meu disco mais intenso. É urgente e psicótico. Não tem nada de bonitinho". Puríssima verdade. "Reckless" (“Stranger come in my path, I’ll eat you up, tear you limb from limb, or I’ll fall in love”) abre como uma marcha fúnebre antes de estoirar em jorros de lava electrica; "Flea" (“Once I’m in you can’t get rid of me") é PJ Harvey esquartejada; "Violent Times" ("I fell down the well, waking up in hell") imobiliza um proto-tema bondiano de John Barry sobre o abismo; "The Power's Out" ("Ladies and gentleman, it seems we’ve got a problem, the man on my screen said, just as somebody shot him") é um suave pesadelo urbano que paira como um fantasma. Mas é, provavelmente, no reggae byrniano de "So Many Planets" que, logo nas duas primeiras linhas, tudo se deixa decifrar: “Misfiring chemicals and scary ideas, this revolution isn't fun, ma”.

27 May 2024

Tradução: a pátria precisa de mão-de-obra escrava e de fêmeas férteis e parideiras (por causa da demografia)
 
(sequência daqui) Tal como Bowie, adoptando sempre um ponto exterior na observação do mundo, desta vez, contudo, All Born Screaming apresenta-se sem máscaras nem maquilhagem: "Neste álbum não há nenhuma persona. Sou apenas eu e o som dentro da minha cabeça. Interessa-me mais o que é cru e essencial". E, como que ecoando as palavras de Frank Sinatra em The Man With The Golden Arm (1955), de Otto Preminger - "Here we go, down and dirty" -, acrescenta que, no momento em que o gravava, "tive de lidar, literalmente, com a vida e a morte. A morte é muito clarificadora porque nos obriga a comprender o que importa e o que não importa. A primeira metade do disco é uma base - trate-se de morte, destruição ou do nosso próprio monólogo interior de brutal auto-repugnância, quando olhamos o abismo e sentimos que a vida é impossível - e, depois, a segunda parte admite que ''Se temos de aguentar a merda da vida, agarremo-la, então, pela jugular!'" Em Madrid, no Prado, viu uma das Pinturas Negras, de Goya - Saturno Devorando o Filho -, e interrogou-se sobre os limites do Mal. O álbum iria ser severo, brutal, "a preto, branco e com as cores do fogo". (segue para aqui)
"Serviço público"
na junção das 2 peçonhas

20 minutos de directo em 4 canais de televisão - interrompendo a análise das eleições na Madeira - para acompanhar a visita do gang do FC Porto ao santuário de Fátima, num agradecimento à catraia do imaculado pipi pela conquista da taça

26 May 2024

LIMPAR O PÓ AOS ARQUIVOS (XCV)

(com a indispensável colaboração do R & R)
 

(clicar na imagem para ampliar)
 
The Lady Or The Tiger (álbum integral)

Age Of Chance - "Motor City" (de NME C86, na íntegra aqui)

"Grass" (de Skylarking, na íntegra aqui; ver também aqui)

24 May 2024

 
Não é certo que ela vá salvar o mundo mas, pelo menos, já fez alguma coisa pelo aeroporto de Beja
"Flea"
 
(sequência daqui) Claro que St. Vincent não só não ignora como voluntariamente admite que, no seu processo de permanente reinvenção, o exemplo de Bowie foi determinante: "Sempre que gravamos um disco, estamos a subir a fasquia. Olho para os meus heróis e penso: será que o meu trabalho está à altura do deles? Tenho a minha matemática interior para avaliar o que penso ser excelente e o que não é suficientemente bom. Essas fasquias estão constantemente a elevar-se. Quem são esses heróis? É óbvio, Bowie, em termos de inúmeras coisas... como, por exemplo, ser um daqueles artistas capazes de publicar um dos seus álbuns mais absolutamente geniais pouco antes de morrer!" confessou à "Uncut". Não precisou, porém, de multiplicar as assinaturas para que, ao longo dos 6 álbuns anteriores, as diversas personagens emergissem claras e distintas: da (autoclassificada) "Pollyana assexual" de Marry Me (2007) e Actor (2009) à "cult leader" de St. Vincent (2014), à “dominatrix num asilo de loucos” de Masseduction (2017) ou à "besta grotesca" prosteticamente desfigurada de Love This Giant, o álbum que gravou a meias com David Byrne, em 2012. No anterior Daddy's Home (2021), no entanto, em "The Melting Of The Sun", aludindo cripticamente a Joni Mitchell, Tori Amos e Nina Simone, já se interrogava: "Saint Joni ain't no phony (...) Brave Tori told her story (...) Proud Nina got subpoenaed, singing 'Mississippi good goddamn', but me, I never cried, to tell the truth, I lied". (segue para aqui)

21 May 2024

 COM AS CORES DO FOGO


David Robert Jones transmutar-se-ia em David Bowie (por anexação do apelido do pioneiro norte-americano, Jim Bowie, ou, em rigor, do punhal que o celebrizou).  Seria depois Major Tom, Ziggy Stardust, Aladdin Sane, Halloween Jack, The Thin White Duke e Nathan Adler. No final da maratona heteronímica, dar-se-ia conta de que "nos últimos 20 anos, para muita gente, a realidade transformou-se numa abstracção. Coisas que eram vistas como verdades extinguiram-se e é como se agora pensássemos pós-filosoficamente. Não há conhecimento, apenas a interpretação dos factos com que nos inundam diariamente, sentimo-nos como que à deriva no mar". Anne Erin Clark (ou Annie Clark), viria a ser St. Vincent por via de Nick Cave (e interpolado Dylan Thomas). Em Abattoir Blues/The Lyre of Orpheus (2004), na 5ª faixa do primeiro CD, "There She Goes My Beautiful World", Cave canta  "Karl Marx squeezed his carbuncles, while writing Das Kapital, and Gauguin, he buggered off, man, and went all tropical, while Philip Larkin stuck it out in a library in Hull, and Dylan Thomas died drunk in St. Vincent’s hospital". Em conversa com o "Sydney Morning Herald ", há 6 anos, Clark contaria a bizarra experiência que fora estar presente num jantar ao lado de Nick Cave: "Sentia-me tão intimidada que fui tremendamente aborrecida. Queria tanto ser interessante que só me imaginava a dizer coisas idiotas como 'Passas-me o pão, por favor? Tudo o que criei foram referências a ti'". (daqui; segue para aqui)

Insisto: afirmar que "uma nacionalidade é preguiçosa" não é insulto, é elogio! Que dizer, então, acerca destes jovens heróis chineses?

19 May 2024

Vera Sola - "Get Wise"

(daqui; álbum integral aqui)
Verdadeiramente ofensivo é insinuar (ainda por cima, com exemplo errado) que "não trabalhar" é defeito... 

 
(sequência daqui) Após No Regerts (2013), Time to Go Home (2015), I Used to Spend So Much Time Alone (2017) e Chastity Belt (2019), o ponto de partida para o 5º álbum situou-se-se, justamente, no título, Live Laugh Love, irritante slogan motivacional de "auto-ajuda" que, apesar de se reivindicar de origens respeitáveis - do Finnegans Wake, de Joyce, a um discurso de Franklin D. Roosevelt - se limitou à carreira habitual por posters, canecas e almofadas. "Nunca faria parte de uma banda que se levasse completamente a sério. Várias das nossas canções exigem que compensemos o lado emocional com videos ou sessões de fotografia idiotas", diz Shapiro, explicando por que motivo, por exemplo, o video de "Hollow" ("There's a lie that we all tell, I don't mind trading comfort for a change, freewill doesn't feel free anymore") parodia a cultura "influencer" e outro lixo afim. O banho sonoro de R.E.M. pré-púbere não poderia assentar-lhes melhor.

17 May 2024

O tipo de meliantes ("mercenários, neonazis e cadastrados, alguns com treino paramilitar, formação em artes marciais e acesso a armas ilegais") cuja única missão é passar a ideia de que o neo-facho até é um moço irreverente mas muito, muito, muitíssimo diferente desta malandragem marginalóide
A SÉRIO? NÃO
Na imensa lista de malfeitorias imputáveis, ao longo dos séculos, à masculinidade tóxica, uma lenda deverá, contudo, ser eliminada: não, o cinto de castidade não foi inventado durante a Idade Média para evitar que a virtude das damas cujos consortes se ausentavam durante meses no caminho das Cruzadas pudesse ser profanada. Na verdade, nenhuma prova da sua existência anterior ao século XVI foi encontrada. Evidentemente, nada disso absolve a sua comprovada utilização posterior (e contemporânea) salpicada até de episódios pitorescos como o da oferta, em 1981, pela advogada Gloria Allred - defensora dos direitos das mulheres nos EUA - de um desses malignos instrumentos ao senador republicano e militante anti-aborto John G. Schmitz. Ou, actualmente, por outra via, a escolha de Chastity Belt para nome da banda de Julia Shapiro (voz e guitarra), Lydia Lund (voz e guitarra), Annie Truscott (voz e baixo), e Gretchen Grimm (voz e bateria), quarteto desalinhadamente feminista e ironicamente existencialista, de Seattle. (daqui; segue para aqui)
 

14 May 2024


Julia Holter - "Meyou" (feat. Jenny Hval)
 
(sequência daqui) Toque então a campaínha para o início da aula da professora Holter: "Ok, pode ser isso. Mas podemos ver a questão sob vários aspectos. Basta pensarmos, por exemplo, em algumas canções de Bob Dylan... Ou nas canções do Woody Guthrie - que o meu pai Darryl Holter, [historiador do movimento operário norte-americano e "folk singer", que publicou o álbum Radio Songs: Woody Guthrie in Los Angeles 1937-1939] canta - que, sendo tão clássicas, tanto influenciaram o Dylan, sem que isso o tenha impedido de se aventurar em muitas outras direcções. No caso do Woody, aos textos é atribuido o primeiro plano e as considerações propriamente musicais ficam em segundo plano. Mas, se pensarmos na Alice Coltrane ou na Joni Mitchell, são tudo casos e circunstâncias únicos. Podemos sempre abordar a questão de modos diferentes, reflectirmos sobre os vários géneros, formas e estruturas musicais e como isso influencia o caracter da música. Há quem prefira trabalhar no interior de uma estrutura musical pré-estabelecida e quem procure uma total liberdade de movimentos. Mas, em qualquer dos casos, decisiva é a importância de permanecermos criativos, de nos divertirmos enquanto nos debruçamos sobre a música. Tenho consciência de todos estes aspectos mas, quando estou a trabalhar, não penso realmente neles. Encorajo também os meus alunos a reflectirem mas não a fazerem-no interminavelmente". Quase, quase em cima do toque de saída, uma última pergunta para a professora Julia: entre Aviary e Something in the Room She Moves, existe mais contraste ou continuidade? Previsivelmente, a resposta vem com TPC incluído: "Neste último álbum, encontro semelhanças com todos os meus discos anteriores, não penso que se trate de algo radicalmente diferente. Mas esse é exactamente o tipo de assunto que prefiro deixar nas mãos dos críticos de música". (risos)

11 May 2024

 
(sequência daqui) Inabitualmente longas, estilisticamente diversas, alojando no mesmo espaço várias secções contrastantes - da improvisação livre à arquitectura rigidamente estruturada ou ao canto gregoriano em processo de deliquescência harmónica -, será que ainda é legítimo continuar a chamar-lhes canções? Julia Holter não tem tantas dúvidas: "Não sei como poderia definir o que é ou não uma canção, não tenho exactamente uma definição pronta a usar. Satisfaz-me completamente chamar-lhes canções, tenham elas a configuração que tiverem. Não penso que seja necessário inventar outras designações para elas. O que é uma canção? Uma melodia cantada por uma voz?..." Contudo, abordando a questão por outro ângulo - a sua vida paralela de professora de composição -, outras pistas poderão surgir. O que lhe parecerá mais importante abordar quando tem uma turma à frente? Pegar em questões mais práticas ou levar os alunos a reflectir sobre assuntos como, por exemplo... o que é uma canção? Primeira reacção: "Esse poderia, sem dúvida, ser um bom topico... Deixou-me muito curiosa acerca do que poderíamos considerar o que é e não é uma canção... Diga-me lá, então: o que é, para si, uma canção?" (risos) Reduzindo o assunto ao osso, procuro a definição mais convencional de uma canção ser uma forma musical relativamente curta (embora de duração variável), com uma parte A, uma parte B, um refrão e uma ponte. E observo que, no caso dela, poderá ser uma imensa combinação dos mais diversos elementos... melódicos, ruidosos, estruturados, completamente livres... (segue para aqui)

09 May 2024

Tem toda a razão o Ministro da Defesa em recusar-se a falar de algo que não existe (ou, quando parece que existe, antes não existisse mesmo): o pensamento do líder do CDS, aliás, Florimelo, ex-deputado europeu
Vanishing Twin - In Piscina!
01 Spice Level 7

02 In Piscina

03 Gunky

04 The Third Door

08 May 2024

 
(sequência daqui) Se Tragedy (2011) e Loud City Song (2013) foram álbuns orientados, desde o início, por um estímulo temático - Hippolytus, de Euripides, e Gigi, a novela de Colette convertida em musical por Alan Jay Lerner e Frederick Loewe -, Something..., como todos os outros, foi descobrindo o seu sentido â medida que as canções iam surgindo e ficando gravadas. Não sendo, de todo, imune ao que, no mundo - e no seu mundo interior - ia ocorrendo ("Sim, a música é, definitivamente, um reflexo de tudo isso. A vida, a morte, o isolamento, as transformações do corpo, acabaram por influenciar o que gravei"), a tradução disso para o universo das palavras foi tudo menos linear: os textos têm quase um certo ar de "cut-ups", de poesia dadaista, colando segmentos de frases e extraindo daí diferentes significados... Cautelosamente, Julia discorda: "Não sei... mas neste álbum, na verdade, não me parece que existam canções em que tenha recorrido a essa estratégia embora já o tenha feito no passado. Essa abordagem do processo de escrita, no entanto é algo que me fascina e me interessa bastante". (segue para aqui)

LIMPAR O PÓ AOS ARQUIVOS (XCIV)

(com a indispensável colaboração do R & R)

(clicar na imagem para ampliar)
Adrian Borland and The Citizens - "Crystalline" (do álbum Alexandria, na íntegra aqui)

06 May 2024

OS ENIGMAS DE JULIA
Da última vez que, por ocasião da publicação de Aviary (2018), falei com Julia Holter, ela insistira muito na forma como encarava a relação entre música e palavras, considerando que a sonoridade destas era um ponto de partida mais decisivo do que o seu significado: "Tenho sempre presente a ideia de que, quando colocamos palavras numa música elas deixam de ser realmente palavras, linguagem, e transformam-se em puro som. Por vezes, quando se sofre um AVC, as pessoas esquecem as palavras, mas continuam a ser capazes de cantar uma canção e recordam-se das palavras dela. Isto é, o nosso cérebro processa a linguagem de forma diferente se for cantada". Agora que, seis anos, uma gravidez, um parto, o confinamento pandémico e a morte de vários familiares depois, lhe volto a falar do assunto a propósito do novo e belíssimo Something in the Room She Moves, nada parece ter-se alterado: "Quando chego ao momento em que começo a compor, concentro-me apenas nos sons e só mais tarde me preocupo em prestar atenção ao que o subconsciente me dita, sem reflectir demasiado nisso e sem nenhuma aitude crítica. Mas estou sempre a trabalhar esse aspecto, é um ponto especialmente interessante para mim. essa relação entre o som das palavras e o significado delas. É um enigma particularmente difícil de resolver, um enorme desafio que me entusiasma imenso". (daqui; segue para aqui)

03 May 2024

O Länk FC Vilaverdense - provavelmente, o único clube de futebol em Portugal com um trema no nome -, exemplo acabado de como, até no nível da triste pobreza, o ludopédio é território aberto para a malandragem