30 November 2016
(trata-se, certamente, de uma desesperada manobra de pressão com o objectivo da marcar pontos para o Prémio "Lenny, pela tua saúde, não leias agora..."; preciosa oferenda nesta caixa de comentários)
29 November 2016
"Lembro agora que talvez nunca tenha amado alguém que não gostasse de Leonard Cohen. Seria um absurdo sequer tentar. Defendo até que o amor devia ser proibido para aqueles que não gostam de Cohen por não estarem criadas condições para maturidade alguma. O exercício do amor sem Cohen seria leviano, irresponsável, votado ao fracasso, uma fraude, uma imitação do amor, um engodo, uma espertice para fins dúbios, uma perda de tempo" (Valter Hugo Mãe, "JL" 23.11.2016)
“Repent, repent, sweet England, for dreadful days are near”, escreveu, em 1580, Thomas Deloney por ocasião do grande terramoto que então sacudiu Londres. Ralph Vaughan Williams recolheu-a, em 1909, e, agora, aos 82 anos, Shirley Collins escolheu-a para abertura de Lodestar, improvável regresso aos discos após quase quatro décadas de ausência. O álbum de homenagem, Shirley Inspired..., de 2015 –, no qual intervinha gente de tão diversas proveniências como Lee Ranaldo, Meg Baird, Rozi Plain, Bonnie Prince Billy ou Graham Coxon – oferecia uma esclarecedora visão da imensa ressonância que, mesmo após tão prolongada ausência, Collins continuava a possuir. Ela que, em 1959, nos primórdios do "folk revival", viajara com o folclorista Alan Lomax até ao Sul dos EUA para o registo de espécimes musicais de blues, bluegrass e folk, e que, a seguir, com a Albion Band, Watersons, Young Tradition, o Early Music Consort, de David Munrow, foragidos dos Fairports e Steeleye Span, e a irmã, Dolly, publicaria preciosidades da dimensão de Anthems In Eden (1969) Love, Death And The Lady (1970), No Roses (1971), ou o colectivíssimo Son Of Morris On (1976), descobriu-se emudecida, desde 1978, em consequência de uma disfonia.
Agradeçamos, pois, os bons ofícios de David Tibet (Current 93) que a persuadiu a não desistir e, inesperadamente, a aceder em gravar Lodestar. Produzido por Ian Kearey, da Oysterband, pode dizer-se que se trata da matriz, em estado de natureza, das Murder Ballads, de Nick Cave: reunindo peças do século XVI ao XX, num tremendo painel gótico de uma "olde weird England" – com desvio cajun pela América – onde até uma festiva e pagã cantiga de Maio não abdica de encerrar com a ameaça “and when you are dead and you're in your grave, you're covered in the cold, cold clay, the worms they will eat your flesh, good man, and your bones they will waste away”, imperial, por entre sanfonas, concertinas, dulcimers, violoncelos, rabecas e orgãos de tubos, a voz de pergaminho de Shirley Collins, faz desfilar personagens e cenas de horror, vingança, negríssimo humor e inquietante "nonsense", com a deliciosa ligeireza amoral da tradição capaz até de tornar cativantes palavras como “There was blood in the kitchen, there was blood in the hall, there was blood in the parlor where the lady did fall”.
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27 November 2016
E, principalmente agora, não será absolutamente legítimo exigir que se conheça o que havia de tão importante ou de tão grave a esconder?
Antecipando o espírito da quadra, eis um número considerável de pessoas adultas falando (quase) sem se rirem sobre o marsápio do filho do Panthera
26 November 2016
25 November 2016
vhm humilhado e impotente
"No pequeno largo, o jardim imberbe, quase nenhum, diante da porta cinzenta, ficava vazio. Montreal avisava-se da presença e da ausência do cantor. Sorriam as pessoas cúmplices por saberem o que eu perguntava. Era como se tivessem ouvido mais canções do que eu. Dava-me uma certa raiva. Respondiam-me como se tivessem acesso a discos que não se vendessem em Portugal. E eu respondia: gosto muito dele. Humilhado e impotente. Gosto muito dele. Era o que todos imaginavam. Como eu, iam aos milhares por Montreal à procura da simplicidade canadiana, da simpatia e de Leonard Cohen, o belo homem" (Valter Hugo Mãe, "JL" 23.11.2016)
Todos em côro: queremos o gajo que tem ligação directa com Kolob (e não o fã dos sociólogos de Palo Alto)!
24 November 2016
Short list para o Prémio "Lenny, pela tua saúde, não leias agora..." (III)
"Alguns carros passaram e olharam a ver-me. Tinham todos o ar de quem sabia algo que eu nunca haveria de saber. Igual a haver uma Torre Eiffel para que só os parisienses pudessem ter olhos capazes de ver. Devo admitir que me senti pobre. Era inevitável que me sentisse pobre. Ainda que intenso e grato" (Valter Hugo Mãe, "JL" 23.11.2016, sequência da jóia daqui)
23 November 2016
Short list para o Prémio "Lenny, pela tua saúde, não leias agora..." (II)
"Comprei o meu primeiro disco de Leonard Cohen nos anos 90. Então ouvia-se música em CD. Na verdade, essa ainda era uma relativa novidade. Em Paris, nos Champs-Elysées, à direita de quem sobe na direcção do Arco do Triunfo, havia armazéns com uma oferta de música, filmes e livros que, na época, ainda impressionava. (...) Comprei o meu primeiro disco de Leonard Cohen num desses armazéns dos Champs-Elysées. Termina aí a exuberância da situação" (José Luís Peixoto, "JL" 23.11.2016)
Short list para o Prémio "Lenny, pela tua saúde, não leias agora..." (I)
"Estive, em duas ocasiões distintas, à porta da casa de Cohen em Montreal. O número 28, curiosamente o meu número da sorte (...). A vizinha da porta ao lado contou-me que ele ia mais para a Califórnia. Era por causa do calor. (...) Quase me convidou para um chá. Eu senti que a senhora quase me convidou para um chá" (Valter Hugo Mãe, "JL" 23.11.2016)
Tradução: é verdade que a psicologia não é coisa grandemente científica; mas o que queríamos mesmo era que a Ordem abrisse as portas aos professores Karamba, pessoal da Pessoa, e demais exorcizadores do Demo
Para ser assim uma coisinha mesmo catita, era convidar também a Mariza e o "dentro de mão" (e a Vasconcelos podia criar uma maravilhosa Fatinha gigante feita de latas de atum Tenório)
22 November 2016
SÓ A VOZ E AS PALAVRAS
Na madrugada da sexta-feira de há duas semanas, demo-nos conta de que estávamos há quatro dias sem Leonard Cohen e só nessa altura tínhamos reparado. Quando nos chamaram a atenção para isso, compreendemos rapidamente que terem-no feito antes, em plena tempestade que se desencaderia no dia a seguir a termos deixado de o ver (“Morrer é só não ser visto”, explicou outro poeta), poderia apanhar-nos demasiado desatentos para reparar que o que se passava diante dos nossos olhos já ele o havia visto claramente, muito antes, em 1988: “Everybody knows that the plague is coming, everybody knows that it's moving fast (…) Everybody knows that the dice are loaded, everybody rolls with their fingers crossed, everybody knows that the war is over, everybody knows the good guys lost, everybody knows the fight was fixed, the poor stay poor, the rich get rich, that's how it goes, everybody knows”. Vinte anos antes, imaginara, com caracter de urgência, outro mundo: “Espero que as mulheres se apressem e tomem o poder. Vai acontecer inevitavelmente, por isso será melhor que se despachem. Poderemos, então reconhecer, finalmente, que as mulheres são a mente e a força que sustentam o mundo; os homens são apenas coscuvilheiros e artistas. Nós ficaríamos entregues às nossas tarefas infantis e elas manteriam o mundo a funcionar. Sou realmente a favor do matriarcado”. É possível que isso tenha alguma coisa a ver com uma história que Iggy Pop conta sobre um dia em que ambos – é verdade, eles davam-se – se entretinham a ver anúncios classificados num jornal. Num deles, uma mulher desejava conhecer um homem “com o corpo de Iggy Pop e o espírito e a sensibilidade de Leonard Cohen”. A resposta seguiu por carta, com a assinatura de ambos.
É uma oportuna – ainda que oblíqua – deixa para varrer já do terreno um ou dois obstáculos que sempre obstruiram a porta de entrada para a obra de Cohen, dos quais, só há quatro anos, a propósito de Old Ideas, me apercebi com clareza. Perdoem se me repito: “À excepção da catedral em forma de abismo, Songs Of Love And Hate – e, mesmo aí, por motivos (sérios mas secundários) de ordem exclusivamente cenográfica –, nele, a música não tem a menor importância. Em qualquer dos doze álbuns que, desde 1967, registou, apenas duas coisas contam: os textos e a voz. No limite, poderia até dizer-se que toda a sua discografia é exclusivamente um exercício de "spoken word", musicalmente emoldurado, e isso também nos casos em que o que contém mais possa assemelhar-se a canções. Pelo que, não faz qualquer sentido valorizar ou desvalorizar cada disco de acordo com a sua suposta ‘qualidade’ musical: preferencialmente aconchegadas à austeridade folk ou enquadradas por arranjos de salão de baile pelintra (como se Leonard só soubesse salmodiar – isto é, entoar cânticos de louvor – demolindo a solenidade em atmosferas profanas de lupanar), voz e palavras precisam de pouco mais que um embalo para acharem a cadência exacta. Se possível, amparadas pelo sopro de coros femininos. Não por serem coros mas por serem femininos”.
Por coincidência (ou não, com Leonard Cohen nunca se deve estar demasiado seguro), são também de Old Ideas duas canções que ajudam muito a vê-lo mais de perto. Numa, "Going Home", falando de si para si, em solilóquio ironicamente auto-depreciativo, primeiro apresenta-se: “I love to speak with Leonard, he’s a sportsman and a shepherd, he’s a lazy bastard living in a suit, but he does say what I tell him, even though it isn’t welcome, he just doesn't have the freedom to refuse, he will speak these words of wisdom, like a sage, a man of vision, though he knows he’s really nothing but the brief elaboration of a tube”. E, logo a seguir, desmonta a caricatura: “He wants to write a love song, an anthem of forgiving, a manual for living with defeat, a cry above the suffering, a sacrifice recovering, but that isn’t what I need him to complete, I want him to be certain that he doesn’t have a burden, that he doesn’t need a vision, that he only has permission to do my instant bidding, which is to say what I have told him to repeat”. Na outra canção, "Darkness", antecipava, afinal, aquilo (“I caught the darkness drinking from your cup, I said is this contagious? you said just drink it up, I got no future, I know my days are few, the present's not that pleasant just a lot of things to do. I thought the past would last me but the darkness got that too”) que, quando notou que, para o entendermos, era necessário carregar no traço, reescreveu em forma de provocação: You Want It Darker.
Judeu quase involuntário (“De facto, não me foi oferecida a oportunidade de escolher entre ser franciscano ou judeu. É verdade que essa tradição era muito forte na minha casa. Mas nunca ninguém me disse que existia um deus e, se existia, o que pretendia de mim. Havia uma total ausência de tirania teológica. O que, vivendo eu numa cidade fortemente católica, contrastava imenso com as histórias de horror que os meus amigos me contavam sobre as suas relações com os padres. Cresci sem sentir quaisquer obrigações em relação a nenhum ser supremo”, confessava-me ele, em 1994, à beira de um café, em Madrid), atraído pelos místicismos cristãos, sufis, tântricos, “todos esses processos de união com deus que passam por uma metáfora sexual, por uma embriaguês com o ser amado, a ideia de me render como um ébrio perante esse mistério”, desde o início dos anos 60, tinha uma noção exacta de a quem se dirigia. Numa carta a um editor de poesia, identificava, então, os seus hipotéticos leitores: “inner-directed adolescents, lovers in all degrees of anguish, disappointed platonists, pornography-peepers, hair-handed monks, popists, French-Canadian intellectuals, unpublished writers and curious musicians”. Três anos depois de Madrid, pedi-lhe que explicasse o porquê de, na compilação que, por essa altura, publicava, incluir "The Great Event", um poema em prosa recitado por Victoria (uma voz "text-to-speech" dos MacIntosh da época) no qual anunciava que “o Grande Acontecimento que irá pôr fim ao louco mergulho da humanidade no sofrimento será o momento em que tocarei a ‘Sonata Ao Luar’ do fim para o princípio”. Jikan, o Pouco Convincente, monge zen no mosteiro de Mt. Baldy, aliás, o Fundador da Ordem do Coração Unificado e discípulo de Roshi com quem aprendeu a distinguir correctamente um Rémy Martin de um Courvoisier, respondeu-me “É uma metáfora para a esperança, para uma esperança desesperada e absurda. Uma esperança sem qualquer esperança a que todos temos de nos agarrar e que é tudo o que possuímos”. O também Field Commander Cohen, “patron saint of envy and the grocer of despair”, dizia que “a poesia é só uma prova de vida. Se a vida arde bem, a poesia é apenas as cinzas”. E, amavelmente, punha termo a uma conversa, declarando: “Quando me embrenho na escrita lenta e dolorosa de uma canção, há certas realidades maiores e melhores do que eu que se manifestam e que já não comando. O resto é só a minha vida pessoal, tola e caótica”.
"Credibiliza"?... O CEO da multinacional que explora o negócio jurar que a filial é do caraças, credibiliza-a? E se o Relvas garantir que a Lusófona é melhor que Harvard, credibiliza-a?
21 November 2016
20 November 2016
Não pode dizer-se que a "carinha laroca"-self-made woman, ao passar de "eleitora do Sócrates a blogger Blasfema" tenha, realmente, mudado de lugar
19 November 2016
18 November 2016
Pergunte-se a Ennio Morricone o que gostaria de ter sido se não tivesse devotado toda a sua vida à música e, em particular, à música para o cinema e, sem pestanejar, em italiano (apesar de há décadas a trabalhar com Hollywood, ainda não fala inglês), ele responderá: "Campeão mundial de xadrês!". Não se trata apenas de um pormenor anedótico mas é, na verdade, uma forma de entrever o funcionamento interno do espírito do compositor que, desde 1961 (quando escreveu a sua primeira partitura para Il Federale de Luciano Salce), é responsável por mais de 400 bandas sonoras para cinema, para além de peças orquestrais, música de câmara e canções, produzidas a um ritmo que, por exemplo, só no ano de 1972, o conduziu a escrever para 22 filmes. Curiosamente, a despeito de quatro nomeações para os Óscares (Bugsy, Os Intocáveis, A Missão e Days Of Heaven), dois Globos de Oiro (The Legend Of 1900 e A Missão) e inúmeros outros prémios e nomeações, nunca a sua obra foi consagrada com um galardão da Academia de Hollywood.
Se foi o trabalho nos "western spagghetti" de Sergio Leone, durante os anos 60, que transformou Ennio Morricone num nome conhecido através das suas inovadoras justaposições sonoras de assobios surreais ("o assobio provém do corpo humano, é como uma voz, não é um efeito especial. É um som entre a voz e a flauta ou, talvez, o piccolo. E, uma vez que é humano, é natural. Não penso ter alguma vez usado quaisquer instrumentos extravagantes à excepção do orgão de igreja. Como ninguém o utilizava, era considerado um 'efeito especial'"), guitarras eléctricas distorcidas — ambos por Alessandro Alessandroni — ou a fantasmagórica voz de soprano de Edda Dell'Orso, este acabou por se tornar parte inseparável da febril recriação por Leone do género do "western" em filmes como O Bom, O Mau E O Vilão, Aconteceu No Oeste ou Por Um Punhado De Dólares. Porque Morricone nunca concebeu as suas partituras como algo que apenas se sobrepõe ou sublinha as imagens mas como música que se desenvolve organicamente a partir da narrativa do próprio filme, pegando em sons do quotidiano e carregando-os de simbolismo (o motivo de O Bom, O Mau E O Vilão inspirado no uivo do coiote, o ensurdecedor tique-taque do relógio na contagem descendente para o duelo em Por Um Punhado De Dólares) ou inserindo literalmente a banda sonora no corpo da narrativa quase enquanto uma outra personagem de parte inteira, caso do célebre "leitmotiv" de harmónica obsessivamente tocado por Charles Bronson (na verdade, Franco De Gemini) em Aconteceu No Oeste, de facto, todo rodado sobre a partitura de Morricone completada muito antes do início das filmagens. Porém, como ele próprio invariavelmente recorda, "dizer que apenas escrevi para 'westerns' é um erro crasso. Compus para cerca de 400 filmes e apenas 8% são 'westerns'".
Essa "especialização" começou em 1938 quando, aos dez anos, entrou para o Conservatório de Santa Cecília, em Roma, na classe de trompete de Umberto Semproni. Cinco anos depois, em seis meses, completaria um curso de Harmonia que tinha a duração normal de três anos e, numa fulgurante trajectória académica, estudaria composição, música e direcção coral, instrumentação e direcção de orquestra, acabando por se graduar em Composição na classe de Goffredo Petrassi com a classificação de 9,5/10. Após "fazer a mão" em diversas peças de câmara, ter passado pelo grupo de música experimental improvisada "Nuova Consonanza", pela música para teatro e pela orquestra da RAI, apareceram as primeiras solicitações para o cinema na época do pós-guerra, quando "a indústria cinematográfica era muito forte em Itália e o neo-realismo no cinema italiano era maravilhoso. Mas a música não era muito boa. Eu precisava de dinheiro e pensava que seria optimo escrever partituras para cinema mas nunca pedi trabalho a ninguém na indústria cinematográfica. Aconteceu então que um realizador me convidou e voltou a convidar muitas outras vezes. Por fim, as pessoas compreenderam que eu era bom e a minha carreira começou a desenvolver-se". A verdade é que, ironicamente, apesar de ele e Sergio Leone terem sido colegas na mesma escola aos 8 anos, só 25 anos depois, com Por Um Punhado De Dólares, a sua colaboração se iniciaria pouco depois de Morricone (que ia escrevendo sob pseudónimos como Dan Savio ou Leo Nichols), haver começado o seu percurso articulando o gosto pelo jazz e pela música popular com o rigor da vanguarda bebido nas raizes académicas.
Foi justamente a partir daí que, como confessa, a sua personalidade musical se desenvolveria: "Venho de uma escola de música experimental que combinava sons 'reais' com sons 'musicais'. Por isso, utilizei sons 'reais' para conferir um certo tipo de nostalgia que os filmes deveriam comunicar bem como de um ponto de vista psicológico. Não sei bem de onde me vieram essas ideias. Se calhar, foi só uma questão de aprender com a experiência e estar atento à vanguarda musical. Acabei por consolidar as minhas primeiras convicções acerca da música experimental e de vanguarda numa forma diferente de compor que leva em conta o que aconteceu na música dos últimos cinquenta anos e que procura comunicar com o público. De resto, tenho antigos amores e paixões musicais como Frescobaldi, Bach, Palestrina, o meu mestre Petrassi, Stravinsky, Boulez, Luciano Berio, Luigi Nono, Stockhausen... Comi-os, bebi-os, digeri-os e, evidentemente, entraram para o meu sistema, tornaram-se parte de mim, a minha carne e o meu sangue. Claro que ninguém dirá que a minha música se assemelha à de Stravinsky ou Bach. Mas também, se comermos frango, ninguém se lembra de dizer que nos transformámos em frango, pois não?".
É nesse desejo de comunicação e de procurar ser comprensível que se tem centrado a sua procura de um equilíbrio entre duas componentes "uma que não é banal nem trivial e outra que não procura ser excessivamente refinada", que é ainda uma outra forma de conciliação entre a natural ambição do compositor, os constrangimentos da indústria e as exigências do público: "O público e, muitas vezes, o realizador, exigem uma melodia, especialmente quando existem cenas muito expressivas que a requerem. Isso não significa que não possamos fazer um filme sem essa melodia mas o público parece esperar uma linha melódica sempre que surge uma expressão sentimental. Pessoalmente, passo bem sem um tema melódico. Em muitos casos, tenho tentado disfarçar o tema melódico pelo meio de pausas e silêncios e encorajado o público a identificar essas sensações sentimentais mais com um colorido musical do que com uma melodia. Infelizmente, o público parece insistir na necessidade de uma melodia".
Quarenta anos de experiência a escrever bandas sonoras para o cinema europeu e norte-americano conferem ainda a Ennio Morricone (um dos membros do seleccionadíssimo clube dos raros autores de "film music") a autoridade para dissertar e distribuir conselhos acerca do seu ofício: "Num filme, o trabalho tem de ser preciso e dirigido ao espectador. Demasiada meditação de natureza científica ou matemática na composição pode ser negativa. Com tempo excessivo, o compositor pode-se deixar levar pelo seu gosto e chegar a uma composição talvez a um nível demasiado superior ao de quem vê o filme. Se um realizador concede ao compositor dez segundos, ele não pode ser ouvido e, portanto, não pode colaborar com o realizador. Contudo, se o realizador, lhe concede dez minutos, o compositor pode exprimir-se adequadamente. Se os dez minutos que lhe foram oferecidos puderem ser ouvidos e não forem afogados pelos diálogos ou por efeitos especiais, então a música será apreciada". E, porque — à excepção de Era Uma Vez No Oeste — não é todos os dias que lhe é oferecida a possibilidade de ser a música a condicionar o tempo e o modo da narrativa, é indispensável inverter adequadamente as regras: "Preciso de ver a montagem final de um filme antes de sequer começar a pensar na música e, muito menos, em escrevê-la. Depois de ver o filme, digo ao realizador aquilo que penso e o que gostaria de fazer. Ele aceita o que eu digo, discute-o ou destrói-o. Eventualmente, chegamos a um compromisso. Se o realizador não for musicalmente criativo, imagina sempre alguma coisa que já ouviu e, aí, eu tenho de o convencer a pôr as suas ideias de lado. Preciso de ter confiança no realizador e ele tem de ter confiança em mim".
Naturalmente, esta atitude tem consequências inevitáveis. Tanto de conflito (como quando, em 1975, Pier Paolo Pasolini o convidou para reescrever os arranjos da banda sonora de Saló ou os 120 Dias de Sodoma; Morricone não gostou da música sobre a qual deveria trabalhar e Pasolini não queria mostrar-lhe a totalidade do filme com receio de que ele o detestasse e abandonasse o projecto) como de empatia imediata: "Brian De Palma é extraordinário! Respeita a música e os compositores. Para Os Intocáveis, tudo o que lhe propus estava bem mas, depois, pediu-me uma música com que eu não não concordava de todo. Era algo que não me apetecia escrever — uma peça triunfal para a polícia. Creio ter escrito nove versões diferentes mas disse-lhe 'Por favor, não escolha a sétima' que era a de que eu gostava menos. E foi essa mesma que ele escolheu! Por acaso, até fica muito bem no filme...". (2001)
(ver também aqui e aqui)
Quando uma cidadã preocupada “com o bem-estar geral da comunidade” e “politicamente empenhada”, tal como “deveriam ser todos os cidadãos”, interrompe, durante 42 segundos, os trabalhos da AR para exigir a demissão do primeiro-ministro, fica a saber que o (chamemos-lhe assim) trabalho dos representantes do p.o.v.o. custa 34.2€/segundo - um verdadeiro preçário inflexível
17 November 2016
BREAKING NEWS!!!
Lenita Zhdanov, devidamente lubrificada, ousa ir até onde "angels fear to tread", explorando as perigosas fronteiras da sexualidade alternativa!
1966 x 23
Serve esta crónica para informar que, caso a Columbia/Sony planeie enviar-me um exemplar de The 1966 Live Recordings, de Bob Dylan, não me comprometo a escutá-lo na íntegra, num prazo inferior a, vá lá, um ano. Por um motivo francamente razoável: ninguém, em estado saudável de corpo e mente, seria capaz de, em menos tempo, ouvir, digerir e produzir opinião fiável acerca de 36 (trinta e seis) CD nos quais foi registado, essencialmente, o mesmo concerto apresentado durante quatro meses em diferentes pontos do planeta. O que, por outro lado, desaconselha fortemente que sejam levadas a sério todas as críticas que, nos próximos dias, ousem abordar o tema. Explicando melhor, trata-se das gravações dos 23 concertos realizados (com os Hawks, futura Band) entre 5 de Fevereiro e 29 de Maio de 1966, em Sidney, Melbourne, Copenhaga, Dublin, Belfast, Bristol, Cardiff, Birmingham, Liverpool, Leicester, Sheffield, Manchester, Glasgow, Edimburgo, Newcastle, Paris, Londres, Nova Iorque, Pittsburgh e Estocolmo, no decurso da famigerada digressão em que Dylan – em mal compreendida transição de folkie de protesto para poeta lisérgico – foi tratado pela esquerda jurássica de Judas para baixo.
Já o tínhamos visto e ouvido em Eat The Document (1972), de D. A. Pennebaker, revisto e reouvido em No Direction Home, de Martin Scorsese (2005), capturado a essência do “momento” no Manchester Free Trade Hall, no volume 4 da Bootleg Series (Bob Dylan Live 1966, The ‘Royal Albert Hall’ Concert, 1998) e, para os mais dados a frequentar o "bas fond" da Internet, existia uma legião de "bootlegs" disponível. Nunca, porém – e por algum bom motivo... –, tinha sido antes tudo reunido em tal mega-empreendimento. Nas já surgidas críticas em modo "quickie", fala-se, por exemplo, das prodigiosas mutações, de espectáculo para espectáculo, de "Visions Of Johanna" ou da pitoresca qualidade "no-fi" (e respectiva patine “de época”) de uma parte dos registos. Mas, pelo que me diz respeito, bastar-me-ia um modesto "single" que incluisse apenas dois preciosos intantes: aquele, em Liverpool, quando um ex-fã irado lhe pergunta “O que aconteceu à tua consciência?” e Dylan comenta “Está ali um tipo à procura de um salvador...”; e o outro, de Glasgow, em que o grito “Onde está Dylan?” recebe a resposta “Está nos bastidores. Sentiu-se mal e tive de ser eu a substitui-lo”.
16 November 2016
15 November 2016
LIMPAR O PÓ AOS ARQUIVOS (XXXI)
Mas é exactamente isso: “A Ordem dos Psicólogos Portugueses defende que um católico que aceite os ensinamentos da Igreja em relação à homossexualidade não tem condições para ser psicólogo e deve abandonar de imediato a sua profissão” - ciência é ciência (vá lá, nos melhores exemplos da psicologia...), superstição é superstição, e "os ensinamentos da Igreja" deverão ser cercados por um forte cordão sanitário
Em 1980, a "beautiful agony" era uma sensaboria anátomo-fisiológica sem gracinha nenhuma: "Contractions cloniques réflexes des groupes de muscles pelviques-abdominaux"
SEM RESPOSTAS
Como propôs o jovem Leonard Cohen , no título do primeiro livro de poemas, onze anos antes de publicar o álbum inicial, “comparemos mitologias”. A sua e a de Bob Dylan, por exemplo. Recordam-se da que é, possivelmente, a mais aterradora canção que este escreveu, "Death Is Not The End"? Aquela em que canta “When you're sad and when you're lonely and you haven't got a friend, just remember that death is not the end”? E insistia: “When all that you held sacred falls down and does not mend, just remember that death is not the end”? Sim, caríssimos suicidas em potência, dizia o Dylan apocalíptico e ainda convalescente da enfermidade "born-again", não vos deixeis iludir, a morte não é o fim. Há pior, muito pior para vir. Pois aquele mesmo Cohen que, em 1971, olhando-se, com nojo, ao espelho, pensava em voz alta “If you can manage to get your trembling fingers to behave, why don't you try unwrapping a stainless steel razor blade?”, agora que, aos 82 anos, se confessa pronto para morrer, dirige-se ao mundo e desafia-o: “You want it darker, we kill the flame”. Por outras palavras, “Foi isto que pediram? Então aqui têm”. É verdade, “it's come to this, and wasn't it a long way down?”
O judeu canadiano e transitório monge zen que, há 14 anos, suplicava “Give me back the Berlin wall, give me Stalin and St Paul, I've seen the future, brother: it is murder”, não adoçou o olhar – tinha razão para o fazer? – nem encontrou respostas onde as buscava: “To turn the other cheek, sounded like the truth, seemed the better way, sounded like the truth but it's not the truth today”. No ponto de chegada de um prolongado processo de decantação (You Want It Darker inclui canções com 10, 15 e mais de 20 anos em acabamento), Cohen parece mais próximo de crer que a morte é, sem dúvida, o fim mas quase tudo na vida que a precede é um pesadelo ou um engano. E di-lo sob a forma de uma invectiva disfarçada de prece: “Steer your way past the ruins of the altar and the mall, steer your way through the fables of creation and the fall, steer your heart past the truth that you believed in yesterday, such as fundamental goodness and the wisdom of the way, (...) and please don't make me go there, though there be a god or not”. Improvavelmente ateu (“I'm so sorry for that ghost I made you be, only one of us was real and that was me”), imprevisivelmente agnóstico (“I've seen you change the water into wine, I've seen you change it back to water, too, I sit at your table every night, I try but I just don't get high with you”), mas deixando-se ainda acompanhar pelo coro da congregação Shaar Hashomayim – a sinagoga onde teve lugar o seu "bar mitzvah" – que, com os subliminares arranjos instrumentais do filho, Adam, actua como uma discreta moldura a realçar a arrepiantemente grave recitação, avisa que, por mais fundo que tenhamos batido, haverá sempre mais um degrau para descer: “They're lining up the prisoners and the guards are taking aim, I struggled with some demons, they were middle-class and tame, I didn't know I had permission to murder and to maim”. (texto escrito em 6/11, véspera da morte de Leonard Cohen)
"The elevation of Bannon to a powerful position in the White House is an epochal event in American politics, one that has been condemned by the N.A.A.C.P., the A.D.L., and many Democratic leaders, including Harry Reid, whose spokesman said in a statement, 'President-elect Trump’s choice of Steve Bannon as his top aide signals that White Supremacists will be represented at the highest levels in Trump’s White House'. The Republican consultant John Weaver, who advises Ohio Governor John Kasich, tweeted, 'Just to be clear news media, the next president named a racist, anti-semite as the co-equal of the chief of staff'. Weaver also wrote, 'The racist, fascist extreme right is represented footsteps from the Oval Office. Be very vigilant America'. William Kristol, the editor of the conservative Weekly Standard, asked on Twitter, 'Is there precedent for such a disreputable & unstable extremist in [White House] senior ranks before Bannon?'" (aqui; ver também aqui)
14 November 2016
13 November 2016
Os "trump(a)s" indígenas já começaram a sonhar - seria de toda a conveniência transformar-lhes os sonhos em pesadelos
"It`s going to happen very soon.
The great event which will end the horror.
Which will end the sorrow.
Next Tuesday, when the sun goes down,
I will play the Moonlight Sonata backwards.
This will reverse the effects of the world`s mad plunge into suffering, for the last 200 million years"
12 November 2016
“I love to speak with Leonard, he’s a sportsman and a shepherd, he’s a lazy bastard living in a suit, but he does say what I tell him, even though it isn’t welcome, he just doesn't have the freedom to refuse, he will speak these words of wisdom, like a sage, a man of vision, though he knows he’s really nothing but the brief elaboration of a tube (…) He wants to write a love song, an anthem of forgiving, a manual for living with defeat, a cry above the suffering, a sacrifice recovering, but that isn’t what I need him to complete, I want him to be certain that he doesn’t have a burden, that he doesn’t need a vision, that he only has permission to do my instant bidding, which is to say what I have told him to repeat”
"A única seta do tempo que conheço existe na física e é a da segunda lei da termodinâmica, que explica a entropia, bem pouco amável para os humanos, porque mostra a inevitabilidade da morte, da usura das coisas, e é uma teoria mais de perda do que ganho. Na história não conheço seta nenhuma, nem o passado é repetível, nem o futuro é previsível, a única parte da história que é vivível é o presente, ou seja, a parte que não é história" (JPP)
11 November 2016
De Viva Voz: quarenta mulheres divididas desigualmente por quatro grupos: Cramol, Maria Monda, Segue-me à Capela e Sopa de Pedra. O plano, nascido de um desafio de Amélia Muge, consistirá de “uma viagem musical aos confins do tempo, antecipando o futuro hoje”, assente na sábia concepção que deveria sempre servir de bússola para tal tipo de explorações: “A tradição já não era o que é nem será o que foi e nunca foi o que pensávamos que era”. A matéria-prima: o canto de mulheres e, em particular, as polifonias tradicionais oriundas das Beiras, Entre Douro e Minho, Douro Litoral e Minho, transportadas por vozes chegadas de Oeiras (Cramol), Lisboa (Maria Monda), Coimbra (Segue-me à Capela) e Porto (Sopa de Pedra).
Nas palavras de Amélia, “são cantos que trazem a sabedoria dos tempos, que encontram sempre um modo de repor continuamente o que de essencial permanece, como característica do humano, cantos despojados que contam apenas com a voz e o corpo de quem os canta. Mas vão buscar a sua riqueza a esse despojamento - prolongam os sons das vozes de origem, das vozes rituais, encomendam cantos aos deuses e aos santos, celebram colheitas, espantam medos nos embalos, apoiam gestos de trabalho, dão mote aos tempos de luto ou de folia, celebrando os amores, a casa e o mundo”. Cruzando a maior experiência do Cramol – desde 1979, apresentou-se em Portugal, Inglaterra, Alemanha, França, Áustria e Malawi e colaborou com a Comuna, Bando, José Mário Branco, Urban Sax, Uxia, Chullage, Danças Ocultas, Camané ou Gaiteiros de Lisboa – com os embalos, encomendações de almas e folias galaico-portuguesas, árabes e judaicas das sete Segue-me à Capela, as mais recentes “sedas suaves e mantas rudes” do trio Maria Monda, e as dez vozes da Sopa de Pedra, cozinhada desde 2012 a partir de uma receita do Bando dos Gambozinos. (Teatro Tivoli, 12 de Novembro, 21.30)
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