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17 December 2011

VINTAGE (LIII)

Sam Phillips - "Love & Kisses"


Pictures steal our memories
Turn our minds to salt
History is written to say it wasn't our fault, wasn't our fault
Send us all your love and kisses
Come and join the dream that never ends
God will grant us all our wishes
Martinis and bikinis for our friends


(2011)

16 November 2008

PERDÃO E SALVAÇÃO



Micah P. Hinson - Micah P. Hinson & The Red Empire Orchestra



Micah P. Hinson - The Surrendering EP

Aos 19 anos, Micah P. Hinson estava na cadeia, dependente de tranquilizantes, a caminho da condição de “homeless”, sem um tostão e nenhum futuro. A sua “experiência-Mrs. Robinson” não poderia ter corrido pior: Melissa Berggren, uma ex-modelo da “Vogue” consideravelmente mais velha do que ele, apossara-se do seu coração imberbe, iniciara-o no abuso de comprimidos vários e, na ausência de fundos e de receitas médicas, daí à falsificação e ao desastre – com internamento psiquiátrico pelo meio – fora um pequeno trajecto. Oito anos mais tarde, em Dezembro de 2007, perante o público que o aplaudia na Union Chapel de Londres, Micah chamou a namorada, Ashley, ao palco, ajoelhou-se diante dela e pediu-a em casamento. Tudo isto poderia e deveria ser remetido para a categoria das coscuvilhices com que se entretém a imprensa “del corazón” se não tivesse muito (na verdade, se não tivesse tudo) a ver com as canções que Hinson escreve. Mais, muito mais do que a Laura, de Petrarca, ou a Beatriz, de Dante, mais até do que – para referir um exemplo próximo e de contornos idênticas – a Cassie, de David Berman (Silver Jews), Ashley não foi apenas musa inspiradora mas, sobretudo, anjo redentor.



A expressão bíblica não é excessiva: criado numa família cristã fundamentalista, na biografia (e na música) de Micah P. Hinson há feridas irremediavelmente abertas pelos demónios da culpa e do pecado (é ele mesmo quem fala de “salvation and forgiveness”) e pelo enfrentamento da figura do pai, professor na Abilene Christian University. Abilene, Texas: cem mil criaturas – 80% caucasianas –, 15% abaixo do limiar de pobreza, uma base da força aérea (o maior empregador local) e, aparentemente, a 17ª melhor cidade no sistema de ensino público norte-americano. Que não chegou, porém, para evitar que Micah, em poucos anos, estivesse inteiramente à altura de exceder largamente as condições que Sam Phillips, em 1954, impusera a Johnny Cash para aceitar gravá-lo: “Volta para casa, peca muito, e traz-me, depois, uma canção que valha a pena”. Hinson tinha (e continua a ter) uma figura de Elvis Costello pré-púbere mas, nas canções que escreve e na voz de sexagenário corroído pela nicotina, não há menos vida vivida do que nas de Cash ou Hank Williams.



E é exactamente aqui que se torna obrigatório desmontar o lugar-comum: “alt.country”, “americana”, “gothic-folk” são categorias a que a sua música, definitivamente, nunca se ajustará. No álbum de estreia, Micah P. Hinson & The Gospel Of Progress (2004), no seguinte, Micah P. Hinson & The Opera Circuit (2006), e no actual Micah P. Hinson & The Red Empire Orchestra (acrescido do EP de esboços e fragmentos, The Surrendering), se se adivinha a presença de alguns desses espectros, não só não são eles quem comanda as operações como o tempo e o lugar são irrelevantes. Porque também os de um Cohen mais rude, de um John Cale menos erudito ou (em particular, no último disco) do Scott Walker dos arrebatamentos orquestrais por aqui pairam. Não se procure nele o primeiro ou o último da interminável fila de novos candidatos a Townes Van Zandt com alma murcha de James Taylor. Micah P. é da estirpe dos maiores, dos duros e autênticos. E que, mesmo agora supostamente apaziguado, em equilíbrio instável sobre espirais de violino, frágeis valsas ébrias e incêndios de guitarra, continua sobressaltado por visões (“the flood came down to my knee and you were there drowning below”) e longe da beatitude (“I’m not afraid of the suffering or the pain, I’m just afraid of dying alone”).

(2008)

04 July 2008

DESENCONTRO



T-Bone Burnett - Tooth Of Crime

T-Bone Burnett tem um daqueles currículos capazes de colocar instantaneamente em sentido o mais pintado: companheiro de Bob Dylan na “Rolling Thunder Revue”, criou, depois, a óptima Alpha Band e publicou diversos álbuns a solo; enquanto produtor, foi responsável por gravações de Los Lobos, Elvis Costello, Gillian Welch, Leo Kotke, Joe Henry, Roy Orbison, Jackson Browne, Joseph Arthur, Tony Bennett, k. d. lang, Cassandra Wilson, Peter Case, Emmylou Harris, todos os álbuns da ex-mulher, Sam Phillips, e pelas bandas sonoras de The Big Lebowski, O Brother Where Art Thou? e The Ladykillers (dos irmãos Coen). Tooth of Crime, por outro lado, parecia alinhar do modo mais favorável todas as peças no tabuleiro: criado a partir de canções escritas para a peça homónima de Sam Shepard (descrita como “high noon at the OK Corral in a jukebox universe”), contava com as participações de Marc Ribot, Jim Keltner, Jon Brion e Sam Phillips. A desesperante verdade, porém, é que todo o álbum parece um constante desencontro perfidamente planificado de vozes, textos, ritmos, melodias e harmonias, sob um alinhamento astral particularmente nefasto.

(2006)

11 June 2007

É A CANÇÃO, ESTÚPIDO!



The Go-Betweens - Oceans Apart




Andrew Bird - The Mysterious Production Of Eggs




Laura Veirs - Year Of Meteors

Cai um aguaceiro fino de guitarras e, por entre as gotas, escuta-se a voz de Grant McLennan que canta "What would you do if you turned around and saw me beside you, not in a dream but in a song? Would you float like a phantom or would you sing along?". Entra um sinuoso arranjo de cordas e um assobio morriconiano e Andrew Bird explica-nos "Turn on the history channel and ask our esteemed panel why are we alive and here's how they replied: you're what happens when two substances collide and, by all accounts, you really should've died". Laura Veirs sugere "To dress up your wounds, wash off the salt, freshen the blooms at your sea-rusted altar" e a melodia dissolve-se pelo meio de um motivo de violino hipnótico e de fortuitos vapores electrónicos. Oceans Apart mergulha em tons de cobalto no poço da memória, The Mysterious Production Of Eggs ensaia a estética mil-folhas de um Kafka sorridente, Year Of Meteors inventa a impossível bissectriz entre Suzanne Vega, Walt Whitman e meia dúzia de resíduos da vanguarda nova-iorquina.



E, generosamente distribuida pelos três — intacta, barroca, esquartejada, luminosamente polida —, aquilo de que sempre se fez a quintessência da matéria-pop: canções, isto é, literatura em solução homeopática, a história toda da música no rectângulo de um telegrama, o universo inteiro em três minutos. Sabe-se o que é necessário (limpar, excluir, desbastar tudo o que não é imprescindível, inverter o processo, recomeçar de novo) mas a excelência na aplicação do método não está ao alcance de todos. Até porque existe um método e mil formas de o executar.



Robert Forster e Grant McLennan praticam a a arte da marcenaria rústica, a melodia enxuta, a geometria simples das guitarras e a ginástica do epigrama ("Why do people who read Dostoievsky always look like Dostoievsky?"), só de vez em quando se aventuram no fogo de artifício beatleano ("Darlinghurst Nights"), mas, em cada álbum, autorizam-nos sempre o privilégio sem preço de, à meia-luz, espreitar, para três ou quatro páginas privadas onde alguém, por algum motivo, confessa "I need the touch of fingers on my skin, then the sunrise seeks you through a maze of dragons and drops its touch on the fir trees in the wind". Andrew Bird é o "jongleur" de enigmas consumado: numa mão, equilibra as partituras de Brian Wilson, da Disney-pop, de Jobim, na outra, desenha círculos com as de Paul Simon, George Martin, Jim O'Rourke. E, saltando através do aro em chamas, no interior de uma melodia violeta, interroga-nos "I just can't remember which way the east wind blows, does it matter? If we're all matter, what's it matter, does it matter, if we're all matter when we're done?". Aí, reparamos que há muito ninguém nos oferecera nada semelhante.



Laura Veirs, essa, tem ascendência. Ilustre: a das meteóricas Brenda Kahn (de Epiphany In Brooklyn) e Barbara Gosza (de Beckett & Buddha), a da Suzanne Vega de 99.9Fº, alguma coisa de Cat Power ou de Sam Phillips. Tudo isso, porém, decantado e destilado para uma pop translúcida que se transforma com facilidade em folk assimétrica e se deixa rasgar de bom grado por aquele tipo de abstracções e labaredas sonoras onde se refugiam iluminações como "slain by your zirconium smile, I was slain by your olivine eyes, slain I was lying in piles, hoping shovels would cast me, furnaces burn everlasting, black tattoos of you unto me". (2006)