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01 September 2010

MEMÓRIAS DA AMÉRICA



The Gaslight Anthem - American Slang




Holly Golightly & The Brokeoffs - Medicine County

Encravada algures nas vísceras da Net, está uma entrevista com Brian Fallon, dos Gaslight Anthem, em que, à pergunta “Como é a sensação de se aperceberem que o Bruce Springsteen vos roubou a vossa sonoridade?”, ele, com absoluta candura, primeiro ri à gargalhada e, depois, responde “Mas fomos nós quem o roubou desavergonhadamente!...”. Tratava-se, claro de uma interrogação ironicamente armadilhada mas Fallon não só entrou no jogo sem pestanejar como, logo de seguida, se lançou num extenso elogio das imensas qualidades de Bruce como "everyday man" e vizinho de New Jersey nada difícil de encontrar nos bares e clubes da cidade, sempre à espreita de revelações locais. Estas coisas têm, evidentemente, consequências. Não foi também, por isso, uma daquelas manobras promocionais cozinhadas nos departamentos de marketing editoriais o facto de, em 2009, no concerto de Glastonbury dos Gaslight, Springsteen ter participado enquanto guest-star em "The '59 Sound", tendo repetido a visita em Hyde Park, pouco antes do seu London Calling (já publicado em DVD).



Serão, então, os Gaslight Anthem apenas mais uma das inúmeras bandas que fazem carreira à custa da clonagem de obra alheia? Considerem esta hipótese: muito mais legitimamente do que, por exemplo, os Arcade Fire – cuja dívida colateral ao mais célebre residente da E Street se limita a uma rígida simulação formal dos sinais exteriores da cinemática dimensão bigger than life da sua música –, os autores de American Slang trabalham, sim, sobre a mesma matéria que deu origem a clássicos como Darkness On The Edge Of Town, Born To Run ou The River. Por outras palavras, enquanto uns (ainda que não seja essa a sua matriz essencial) tomam de empréstimo o guarda-roupa, os cenários e os adereços de Springsteen, Fallon e cúmplices concentram-se na escrita dos episódios e na invenção das personagens que não chegaram a figurar no gigantesco painel da história americana contemporânea iniciado em Greetings From Asbury Park N.J.



Se lhes desejássemos encontrar genealogia diferente, poderíamos pensar, igualmente, nos Replacements, no ilustríssimo e ignorado Willy de Ville, no Van Morrison de “Domino” ou nos actuais Richmond Fontaine e Dropkick Murphys mas, eles próprios, quando inquiridos, tanto referem os Clash quanto Tom Petty, os Joy Division ou os Smiths. A espinha dorsal do argumento, essa, mantém-se fidelíssima à memória mítica de uma América (privada e colectiva) ancorada naquele tempo “when we were lions, lovers in combat, faded like your name on those jeans I burned”, povoada de “queens of the Bronx, blue eyes and spitfire”, “orphans before we were ever your sons of regret”, mesmo ali ao lado do "Andy Diamond’s Choir (...) who’ll sing the rhythm and the blues so sad and so slow”.



De fora para dentro – isto é, de Londres para a Georgia onde, actualmente, vive –, Holly Golightly procura outro ângulo para a reinvenção da mesma lendária narrativa (a da country, dos blues, do rockabilly, do bluegrass), em registo eruditamente noir e, pela terceira vez, na companhia do guitarrista e baterista Lawyer Dave. O pequeno milagre que ambos concretizam em Medicine County (gravado numa igreja abandonada) assenta, essencialmente, numa dupla e sábia fuga: ao diletantismo "new weird America" dos pretensos hillbillies de fim-de-semana – felizmente, em curva descendente – e ao pastiche cerimoniosamente respeitador da tradição. Aqui o modelo é o de uns Cramps algo menos psicadélicos filmados por Terrence Malick, com argumento co-escrito por David Lynch e Nick Cave e a "final cut" não poderia assentar-lhes melhor.

(2010)