Concret PH - a musique concrète piece by Iannis Xenakis, originally created for the Philips Pavilion (designed by Xenakis as Le Corbusier's assistant) at the Expo 58
(sequência daqui) Enquanto colaborava com Le Corbusier, estudava harmonia e contraponto e, em pleno palco dos grandes confrontos entre as luminárias da música da época, ia procurando quem lhe pudesse servir de ponto de apoio na descoberta da sua própria via. Nadia Boulanger rejeitou-o, Arthur Honegger franziu o nariz ao reparar no seu uso de oitavas e quintas paralelas, apenas Olivier Messiaen o acolheu. Como este recordaria depois “Apercebi-me imediatamente que ele não era como os outros. Tinha uma inteligência superior. Fiz com ele uma coisa horrível que não deverei fazer com mais nenhum outro aluno pois penso que é necessário estudar harmonia e contraponto. Mas este era um homem tão fora do vulgar que eu disse-lhe ‘Você tem quase 30 anos, tem a grande sorte de ser grego, de ser arquitecto e de ter estudado matemática. Tire partido destas coisas. Use-as na sua música’”.
Para Xenakis que se lamentava de “ter nascido demasiado tarde e ter perdido dois milénios”, isso foi como um livre-trânsito que o autorizou a investigar (sem o adoptar) o serialismo, mas também a estudar a utilização de modelos matemáticos em música: processos estocásticos, teoria dos jogos, a teoria cinética dos gazes de Maxwell-Boltzmann, a distribuição dos pontos num plano, a álgebra de Boole, a distribuição Gaussiana, as cadeias de Markov, o movimento Browniano das partículas e a sequência de Fibonacci, assim como a música electrónica. Desenhou espaços para acolher músicas específicas e música para espaços pré-determinados. E, se recusou a ideia que nele apenas via um matemático que se envolvera com a música, também punha reticências a interpretações descabidamente políticas da sua música: quando, durante os motins do Maio de 68, em Paris, uma faixa onde se lia “Abaixo Gounod! Viva Xenakis!” foi dependurada nas janelas do conservatório, numa entrevista televisiva, fez questão de afirmar “Não se trata apenas de sons e música, é necessária uma transformação das pessoas também”. (Révolutions Xenakis - 03/12/2022 - 27/03/2023, Galeria de Exposições Temporárias do Museu Calouste Gulbenkian; segue para aqui)
(sequência daqui) Quando, em 1947, o governo grego começou a prender antigos elementos da resistência, Xenakis, via Itália e com um passaporte falso, fugiu para Paris (pelo que seria condenado à morte pelas autoridades gregas, pena apenas anulada com a queda da junta militar fascista em 1974). Chegaria a Paris a 11 de Novembro de 1947, com uma consciência intranquila e pesada: “Durante anos, vivi atormentado pela culpa de ter abandonado o país pelo qual tinha lutado. Deixara para trás os meus amigos – uns estavam presos, outros tinham sido mortos, outros ainda tinham conseguido fugir. Sentia-me em dívida para com eles e tinha de arranjar forma de pagar essa dívida. Sentia ter uma missão. Tinha de fazer algo importante para reconquistar o direito a viver. Não era apenas uma questão de música – era algo muito mais significativo”. O caminho para saldar essa dívida passaria pelo atelier de arquitectura de Le Corbusier com quem colaboria nos projectos do convento de Sainte Marie de La Tourette, em Lyon, e no Pavilhão da Philips, na Expo 58 de Bruxelas, experiências das quais resultaria um dos pilares do seu pensamento musical: toda a música assentaria em conceitos arquitecturais. (Révolutions Xenakis - 03/12/2022 - 27/03/2023, Galeria de Exposições Temporárias do Museu Calouste Gulbenkian; segue para aqui)
09 January 2023
XENAKIS REVOLUTION. LE BÂTISSEUR DU SON.
(sequência daqui) A 1 de Janeiro de 1945, um jovem estudante de engenharia (mas também de arquitectura, harmonia, contraponto e grego clássico), militante da juventude comunista e membro do ELAS (Exército Popular de Libertação), durante um combate de rua contra os tanques britânicos, em Atenas, seria atingido por um estilhaço de granada que o deixaria cego do olho esquerdo e com o rosto severamente desfigurado. Muito mais tarde, ele, Iannis Xenakis, confessaria que continuava, incansavelmente, a tentar reproduzir o som que escutara quando o estilhaço lhe explodira no rosto. Não seria o único exemplo de como a memória desses dias iria pairar sobre a sua música.”Imaginem uma grande multidão que se manifesta nas ruas”, dizia, “Cantam palavras de ordem umas a seguir às outras. O ritmo perfeito da última irrompe num enorme aglomerado de gritos caóticos. De repente, o inimigo ataca, ouve-se o disparo de metralhadoras. Depois do inferno visual e sonoro, o que resta é uma calma trovejante, cheia de desespero, poeira e morte”. E, numa perspectiva mais ampla do que a exclusivamente sonora, falava também acerca do “fantástico espectáculo” proporcionado pelos ocupantes alemães quando, numa atmosfera carregada de ecos do silvo das balas e explosões, enormes holofotes militares iluminavam a noite, num aterrador "light show".(Révolutions Xenakis - 03/12/2022 - 27/03/2023, Galeria de Exposições Temporárias do Museu Calouste Gulbenkian; segue para aqui)
O minimalismo arquitectural de Le Corbusier e Frank Lloyd Wright a acondicionar num minúsculo envelope a música dos Beatles, Brian Eno, Kraftwerk, Devo, Bowie (do período de Berlim) e Can. Não se adivinharia imediatamente mas é por aí que Stuart Moxham desenha a genealogia do único e (por isso, duplamente) precioso álbum dos Young Marble Giants. Com uma "drum-machine" artesanal, guitarra, baixo, orgão Galanti, e a voz de Alison Statton, em Cardiff, havia quem, a partir das células avulsas que o punk cuspira após ter esquartejado o obeso rock que o antecedera, se ocupasse a reactivar a matéria primordial de onde a música resultara e, ao repor em movimento a máquina sonora, torná-la, simultaneamente invisível, luminosa e quase homeopaticamente indetectável. Relojoaria tão frágil e perfeita que, uma nota ou um "beat" a menos, e tudo desabaria.
14 July 2007
O SEGUNDO PASSO DO GIGANTE
Momento histórico na coisa pop: reedição integralíssima de tudo quanto os Young Marble Giants ofereceram ao mundo entre 1980 e 1981 – essencialmente o lendário álbum único, Colossal Youth, EP, singles e registos de rádio – e anúncio da reunião iminente de Alison Statton, Stuart, Philip e (agora também) Andrew Moxham com o objectivo de publicar o sebastianicamente aguardado sucessor desse paradigma do minimalismo pop que, durante quase três décadas, serviu de farol a inúmeras bandas. Stuart Moxham encarrega-se da recapitulação do passado e faz-se portador da boa nova.
Quando, em 1980, gravaram o vosso único álbum, faziam alguma ideia da ressonância que, quase trinta anos depois, ele continuaria a ter?
Antes de o gravarmos, não. Mas, quando concluímos a gravação, ficámos com a certeza de que tínhamos feito um bom trabalho, embora não sonhássemos que tudo isto iria acontecer.
De qualquer modo, ao conceberem um álbum que ia tão a contracorrente da atmosfera musical da época, do que a antecedia e até do que viria a seguir, deverão tê-lo feito de uma forma bastante deliberada...
Sem dúvida. Nessa altura, eu tinha 25 anos, estava desempregado e não desejava uma carreira profissional. Esta era a única possibilidade de fazer alguma coisa da minha vida. Vivíamos no País de Gales – que, no que à indústria discográfica dizia respeito, era inexistente – o que constituía uma enorme desvantagem. Por isso, a dedicação e a concentração que tivemos de reunir para gravar aquele álbum foram gigantescas.
Mas, quanto à música em si mesma – tão minimal, tão despojada, apenas com as partículas essenciais de que ela se pode construir e absolutamente nada mais –, partiram de algumas referências ou pensaram realmente em recomeçar a partir do zero?
Naturalmente, nós escutávamos a música que se fazia e parecia-nos extraordinariamente conservadora. Como dizia o George Bernard Shaw, oitenta por cento de todas as coisas é sempre lixo, o que, no caso particular da música popular, é especialmente verdadeiro: é uma área de horizontes muito estreitos, quase diria não criativa. A maioria dedica-se a ela pelas razões erradas: para arranjar namoradas, drogas, dinheiro e ser venerado como um herói. Não para rasgar fronteiras ou avançar culturalmente que é aquilo que me interessa. Gostava muito de ler e sonhava ser romancista mas alguém me pôs uma guitarra nas mãos e tornei-me “songwriter”. O minimalismo de Le Corbusier, Frank Lloyd Wright, parecia-me muito sexy, muito atraente, oferecia muito espaço para a imaginação. As pessoas de Cardiff têm uma atitude muito terra-a-terra de se agarrarem à essência das coisas em detrimento do que é supérfluo. Essa é uma das razões para a música dos YMG ser como foi. Por outro lado, não tínhamos um tostão, tínhamos de tocar com instrumentos e equipamento emprestados o que era uma grande limitação.
Para além disso, tinham, no entanto, alguns pontos de referência musicais?
Para mim, os Beatles serão sempre número um, antes de quaisquer outros. Mas também Brian Eno, Kraftwerk, Devo, Bowie do período de Berlim, Can.
Uma das razões para o culto em torno dos YMG decorre de terem gravado um único álbum. Independentemente das razões por que se separaram, pensa que o tempo de vida do grupo poderia ter sido maior e que poderia ter publicado outros discos?
Poderia e, aliás, vamos fazê-lo, voltámos a reunir-nos O meu irmão mais novo, Andrew, entrou para o grupo, agora somos quatro. Estou a escrever novas canções e estamos a preparar-nos para gravar o segundo álbum. Mas, nessa altura, tínhamos pouco mais do que saiu em Colossal Youth. Como nunca ninguém de Gales tinha tido qualquer sucesso, não acreditámos que poderíamos ir a algum lado. Além de que também não queria voltar a trabalhar com a Alison o que – reconheço agora – era uma atitude bastante imatura. Se era eu quem escrevia oitenta por cento do reportório, por que não gravar eu as minhas próprias canções? O Phil e a Alison viviam juntos, eu vivia com a Wendy Smith, tendíamos a afastar-nos.
Parece que nunca gostou muito do álbum–Embrace The Herd– que, depois do final dos YMG, gravou sob o designação de The Gist... eu sempre o achei muito bom...
Na verdade, recentemente, comecei a gostar mais dele. Quando o gravei, sentia-me muito, muito infeliz, tinha a sensação de estar a bordo de um cruzador que se está a afundar, o que deve ter influenciado a forma como o encarei.
Em Rip It Up And Start Again, no capítulo que dedica aos YMG, Simon Reynolds cita-o quando, a propósito da votação de Alison pelos leitores do “NME” para o top-10 das vocalistas de 1980, você terá afirmado: “Mas a Alison não é uma cantora! Ela é só uma pessoa que canta como se estivesse na paragem, à espera do autocarro. Uma cantora a sério tem um muito maior domínio sobre a voz”. Isso era uma crítica ou um elogio?
Nem uma coisa nem outra, era o que eu pensava na altura. Antes de mais, não a queria no grupo, tinha ciúmes do lugar que ela ocupava no coração do meu irmão (aqui estamos a ir muito fundo na história familiar...). As bandas são como casamentos com mais de duas pessoas, uma coisa muito complicada. Eu era um tipo muito confuso, era tudo demasiado emocional.
Isso é muito Nico vs. Lou Reed e John Cale...
(risos) Sim, sim. Tenho a certeza que se passa o mesmo em todos os grupos.
Parece-lhe que, tanto nas suas gravações posteriores como nas de Alison (com os Weekend ou a solo), persistiu algum do espírito original dos YMG?
Acerca das dos outros não falo, mas, nas minhas, penso que sim. Embora, gradualmente, tenha tendido para usar menos a guitarra eléctrica e mais a acústica. Uma coisa é certa: nunca desejei escrever a mesma canção duas vezes.
Como irá ser, então, a segunda encarnação dos YMG?
Essa é a pergunta do milhão de dólares que eu tenho feito a todos! (risos) Até agora, gravámos só uma canção. Ainda não nos reunimos realmente para decidir como o fazer o que deverá acontecer nas próximas semanas.
O facto de, agora, poderem dispor de maiores recursos não vos fará correr o risco de perder todo aquele despojamento de Colossal Youth?
Penso que, entre nós os três, há uma estética que se mantém activa. Durante estes anos, todos fizemos coisas diferentes que poderemos colocar em cima da mesa.
Mas é esse mesmo o perigo: poderem incorporar mais elementos ao contrário do lema de Colossal Youth que era “less is more”...
É aí que o nosso gosto, a nossa estética terá de intervir. Somos quem somos, temos as capacidades que temos e não publicaremos nada a menos que fiquemos verdadeiramente entusiasmados com o que fizemos. A última coisa que desejaríamos era estragar o que fizemos antes ou tornarmo-nos numa banda nostálgica dos anos 80. (2007)