29 August 2020

"Logo que apareça uma vacina, a capacidade de esquecimento é grande. Se aparecer uma vacina eficaz em relativo curto prazo, como tudo indica, se a recuperação económica for equilibrada, sem grandes exclusões, diferenciações sociais e conflitualidade social, do que duvido, as pessoas esquecem com rapidez. Não vai mudar muita coisa. (...) Na ignorância antiga, chamemos-lhe assim, os que eram ignorantes queriam que os filhos deixassem de o ser. Havia a consciência da ignorância ser má. Hoje há uma ignorância agressiva, falsamente igualitária e é uma das razões porque cresce a pseudociência. Cresce a pseudociência, o desprezo pela privacidade, pelas mediações, pelo jornalismo — analisar um facto não em bruto mas mediado por um saber que lhe dá contexto. Estão contra a mediação do saber académico. (...) Como se pode ser melhor preparado sem ler? Há gente que faz cursos universitários sem ler. Dizem que lêem no computador. Uma treta. Ainda estou à espera que alguém leia Guerra e Paz no computador ou num telemóvel. Há muita complacência, muita cedência à ignorância e os resultados estão à vista. O aumento de partos em casa com más condições, o mito do nascimento natural com mortes, não tomar vacinas ou medicamentos, a substituição de tratamentos por mezinhas, ir ao curandeiro em vez de ir ao médico" (JPP)
Tudor and Renaissance Music I (1450-1600)

28 August 2020

Gillian Welch & Dave Rawlings - White Rabbit" (G. Slick)

"The Republican Convention is designed for one purpose: to soothe Donald Trump's ego. To make him feel good. Well here's the thing - he's the president of the United States. And it's not supposed to be about him. It's supposed to be about the health and the safety and the wellbeing of the American people"

Concorrer iria dar demasiado trabalho

Por que raio, de súbito, em jornais e televisões, a Louisiana mudou de género? Seguem-se o Virgínia, o Califórnia, o Flórida e o Carolina do Norte?

25 August 2020

A religião prejudica 
gravemente a sua saúde (III)

CHEGAVA A CONFUNDIR-SE COM ELES
 

Quando – buscando, talvez, elevar a auto-estima das 8 101 almas locais – alguém procurar descobrir notáveis oriundos de Princes Risborough, no Buckinghamshire, não há-de ser extraordinariamente difícil chegar ao nome de Edward Stone, pioneiro descobridor das propriedades terapêuticas da aspirina, em 1763. Uns quantos degraus abaixo e, se a intenção for encontrar figuras do mundo da música, escavando bem, poder-se-á chegar a Jay Kay, o semi-luso criador dos Jamiroquai. Mas só por uma enorme sorte se tropeçaria alguma vez nos irmãos Martin e Paul Kelly que, com Johnny Wood e Spencer Smith, primeiro como Episode Four e, depois, sob o nome de East Village, (não) colocariam Princes Risborough no mapa. Não é injusto dizer que, se não o fizeram de propósito, parece bastante.

(álbum integral aqui)

Puristas picuinhas de uma qualquer autenticidade pop, eram o tipo de banda que, quando em busca de um baterista, achou boa ideia colocar um anúncio cifrado no “Melody Maker”: “Wanted – Zeke, De Freitas, Ruffy”. Isto é, só quem conseguisse passar o teste identificando os moços dos tambores dos Orange Juice, Echo & The Bunnymen e Aztec Camera, demonstrando assim possuir credenciais para fazer parte do clube, teria uma hipótese. Olhando, de relance, fotos da época, passariam facilmente pelos Jesus & Mary Chain e, na capa do primeiro single, "Cubans In The Bluefields" (1987), o torso de Johnny Wood surge regulamentarmente uniformizado de blusão de cabedal e abraçando uma guitarra Epiphone, símbolo do selo de aprovação-Orange Juice. Os episódios seguintes são tão curtos (quatro anos) quanto complicados, culminando, inevitavelmente, na separação, ao vivo, em palco, no preciso momento em que iriam publicar o primeiro álbum, Drop Out. Hotrod Hotel, uma compilação de singles e demos agora reeditada em vinil, mostra-os tal como eram: uma bela bandinha revisionista de guitarras que sonhava tanto com os Byrds, Buffalo Springfield et alia (“All that’s gone, all that’s pure, all that’s sacred”) que, por vezes, chegava a confundir-se com eles.

23 August 2020

Segundo a fulana que tem uns probleminhas pendentes com fundos europeus, quando o chefe da tribo chama cobardes aos médicos - não "alegadamente" mas com todas as letras -, o insulto não conta porque o video já foi "repudiado"... terá sido, sem dúvida, gravado de forma reprovável mas isso basta para anular a vingativa mutação instantânea de "heróis" para "cobardolas"?

 
“Woman Series — IUD”, 2014

(com a colaboração do correspondente do PdC em Pequim)

19 August 2020

 ... as saudades já eram tantas...



Estávamos nós muito entretidos a confinar quando, nos cérebros daqueles argutos mercadores que compraram o PRD eanista em saldos para criar o PNR nazistóide, surgiu uma fulgurante ideia de "marketing" combativo: "Andamos, há 20 anos,  a encher chouriços fachos e ninguém nos liga peva... de repente, aparece um (a)ventureiro qualquer da bola prontinho para nos extorquir as parcas migalhas que ainda vamos abichando e... ficamo-nos?... Não!!!..." Porque o segredo da coisa estava, obviamente, no nome: "No ano 2000, aquando da fundação do PNR, já tínhamos sentido a necessidade de um nome totalmente inovador, com uma só palavra, coisa que não existia nessa época, e que rompesse com o paradigma existente". Embora, desde o início, "precepcionassem essa ideia, mas sem a conseguir concretizar", era, agora, chegado o momento de, dar o passo em frente que os faria entrar decisivamente para o caixote do lixo da História, criando um nome com "a particularidade original de transmitir um apelo, uma convocatória, uma interpelação pessoal". Como os imperativos "Chega!" e "Basta!" - aka "Chaga!" e "Besta!" - já estavam tomados pela desleal concorrência, houve quem propusesse "Foda-se!", "Chiça!", "Porra!"... mas, após intenso debate ideológico, optou-se, enfim, pelo brado tantas vezes angustiadamente proferido em dramáticos episódios de disfunção eréctil: "Ergue-te!" Concebido o símbolo em azul-Viagra com a chamazinha da esperança (que é a última a murchar) no hífen, aguarda-se ansiosamente na sede do partido a chegada, das Caldas da Rainha,  da primeira remessa de 1000 exemplares da peça central do inovador (porém, portuguesíssimo, cristão e tradicional) "merchandise" político!

Estes moços do PSG são sempre 
tão exemplares que a bófia nem precisa de aparecer
Ohmme - "Ghost"

17 August 2020

O LIMITE


Chicago é o centro do mundo e o Constellation, um clube de música improvisada/experimental, é o centro de Chicago. É, pelo menos, o que dizem Sima Cunningham e Macie Stewart, aliás, Ohmme, autoras de Fantasize Your Ghost, o único álbum de 2020 (até agora) do qual pode verdadeiramente dizer-se não se parecer com nada. Isso mesmo. Meninas de formação clássica, nunca tinham posto as mãos numa guitarra eléctrica mas havia “qualquer coisa no tipo de energia que se consegue extrair da guitarra” que as fascinava: “Não estávamos realmente familiarizadas com o modo como a guitarra funcionava e com o que poderíamos fazer com ela. Mas sentíamos que tinha possibilidades ilimitadas e a ideia de explorarmos isso entusiasmou-nos. Também costumávamos ir ao Constellation e recordo-me especialmente de um concerto do Marc Ribot, um guitarrista espantoso! Não fazia a mais pequena ideia de que podia tocar-se guitarra assim... Foi o clique. Estávamos um bocado nervosas com a ideia mas também sabíamos que tínhamos conhecimentos de música suficientes que nos permitiam lidar com algo que nos era tão estranho e ser capazes de avaliar se o que faríamos valia a pena ou não prestava”, contou Macie à “Indie Midlands”. 

 
Vale muitíssimo a pena. Já era assim no álbum de estreia, Parts (2018) e, agora, Fantasize Your Ghost concretiza soberbamente o plano de entrançar harmonias vocais cirurgicamente precisas com perfeitamente modeladas devastações de turbulência eléctrica e a microexploração de timbres, "trompe l’oeil" rítmicos e resoluções improváveis – totalmente indiferentes à pertença a géneros musicais e muito mais estimuladas por ideias do tipo “tratar o feedback como um anel de fumo a que damos forma e expandimos” ou “a partir da percussão descobrir o caminho que conduz a uma melodia”. Um riquíssimo nó de contradições que, em "The Limit", expõem: “I reached my limit today, I tried to fly too high, can’t stomach the thought of it , although I’ve never tried, I move and move again, you went too slow, you moved a mountain, I tried to go below”.
VINTAGE (DXXIX) 

East Village - "Kathleen"

16 August 2020

Só um pormenor: nos termos da negociação PS/beatagem social-fascista, incluem-se ou não as "questões de opinião" acerca da Coreia do Norte, Hong Kong e Bielorrússia?
Cardi B (ft. Megan Thee Stallion) - "WAP (Wet Ass Pussy)"
 
"SÓ AS PESSOAS SUPERFICIAIS NÃO JULGAM PELAS APARÊNCIAS" (XV)


11 August 2020

... e, sempre com um sorriso, dizer "com licença", "se faz favor", "queira desculpar" e "obrigado"


AGITADORES


No extenso e desvairado menu da esfera conspiranóica, um dos pratos actualmente com mais saída é o do “marxismo cultural”, herdeiro legítimo do “bolchevismo cultural” nazi. Simplificando bastante porque não é de digestão fácil, algures numa obscura caverna, uma seita de temíveis radicais apostados em virar o mundo do avesso, trabalharia dia e noite para manter em frenética actividade os seus agentes espalhados pelo planeta (e, em especial, pelos media, universidades, artes, letras, ciências sociais), soldadinhos da subversão do Ocidente branco e cristão e da militância por causas com as quais, na maioria, Marx nunca sequer sonhou: políticas de género, ambientalismo, imigração, secularismo, questões identitárias. Não basta ser direitolas para combater nas fileiras dos anti-marxistas culturais, é indispensável acreditar que, desta vez, “o espectro” anda mesmo por aí e que, sem darmos por isso, vai devorar-nos as entranhas. 

"New Left Review #2" (álbum integral aqui)

Por, em 1985, terem chegado cedo de mais – o papão do “marxismo cultural” só foi detectado no início dos anos 90 – ou por tenderem para um marxismo mais "old school", os McCarthy de Malcolm Eden, Tim Gane, John Williamson e Gary Baker (Lætitia Sadier juntar-se-lhes-ia fugazmente antes de, com Gane, fundar os Stereolab) nunca caíram no index da nova Inquisição mas, na qualidade de agitadores infiltrados na cultura pop, houve muito poucos como eles. Adepto do distanciamento brechtiano, Eden (a locomotiva ideológica da banda), ao modelo punk de agit-prop irada, preferia as interrogações educadamente irónicas (“Who made the wealth in this pleasant land? The entrepreneurs made it with their only free hand. Why do prices rise? Who's to blame for that? The workers put up prices with their pay demands”) envoltas no doce crochet de guitarras de raiz Byrds/Smiths. The Enraged Will Inherit The Earth (1989) – segundo volume antes do terceiro e final Banking, Violence And The Inner Life Today (1990) –, agora reeditado em duplo vinil com as proverbiais raridades, não há-de escapar outra vez às patrulhas de vigilância.
(clicar na imagem para ampliar)

10 August 2020

Brigid Mae Power - "On A City Night"

FÁBULAS DO INFERNO

  
Há 11 anos, por altura da publicação de Um Fim de Semana no Pónei Dourado, evocando, muito provavelmente, o camiliano anjo caído, Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, nascido na aldeia de Caçarelhos, B Fachada dizia: “Se eu vivesse em Caçarelhos, não era autor e cantava o Romanceiro. Na cidade, tenho esta pressão ocidental, estúpida, para ser original e para criar”. Uma dúzia de EP e álbuns depois, supõe-se que – embora com pausas, por vezes, prolongadas – até não se tenha dado demasiado mal com a “pressão ocidental”. Dir-se-ia mesmo que os esquemas mentais com que triangulava a matéria prima (“Eu divido a música em três: a erudita, a tradicional e a pop. A erudita e a tradicional são artes e a pop é artesanato. A erudita e a pop têm autores individuais e a tradicional tem um autor colectivo. Estou no meio deste triângulo a ser puxado para um lado e para o outro”) deixaram de ser tão inflexíveis: aquele que, então, se via como “o pagão da FlorCaveira”o meteórico conglomerado de gentes que, no início do novo século, por insondáveis designos teológicos e sob o alto patrocínio do papa antipapista, Tiago Guillul, se reuniu para, agarrar pelas tripas a música portuguesa –, sempre abençoado pelos santos tutelares Fausto, Afonso e Godinho, parece ter descoberto o lugar geométrico onde os três eixos se confundem e geram outros sentidos.



Rapazes e Raposas, o sucessor de B Fachada (2014), prossegue o minucioso estudo antroposanfoneiro dos espécimes que povoam o pedaço, observados a partir de Mértola, de Março a Maio de 2020 DC (“Durante o Confinamento”). E, por entre chulas-punk, enlevos pastoris e teclados de feira, desfilam profetas apocalípticos (“A cada mais cem anos que hão de vir, hão de vir mais maldades e agonia, hão de vir mais injustiças e azar, nunca vão faltar o desgosto e abandono”), proclamam-se manifestos anti-tudo (“Sou anti-Freud, sou anti-Marx, não há truque semiótico, eu sou anti-patriótico, faço o direito em cepa torta, sou anti-basta e anti-corta”), glosa-se a “horrorosa Natureza pseudo-mãe” (“A noite é negra, o vento só ajuda os predadores à matança, à luz das estrelas piam todas as corujas, às escuras dormem as crianças”) e, mesmo “sem a graça do Camilo, sem as barbas do Antero” e com engarrafamentos silábicos (“A baleia ainda tem duvidas quanto ao sobrenatural, mas nunca foi mais indiferente às questões de identidade nacional”), o cenário destas fábulas não é de deixar ninguém descansado: “o Inferno está tão cheio que até o Diabo se mudou”.
Como o turismo parece, de facto, fraquinho, há que activar a vocação lusa para aterro de resíduos tóxicos
 
 

06 August 2020

... creepy...

(daqui)
STREET ART, GRAFFITI & ETC (CCLVII)

Valencia, Espanha, 2020 (Primo de Banksy)  

04 August 2020

... e depressinha...

ALMANAQUE DE EMOÇÕES


Quando, após 63 anos a despachar, por encomenda, 500 concertos, 40 cantatas, 22 óperas, e mais de 60 peças de música sacra, Antonio Vivaldi, em 1741, morreu como um quase indigente, ninguém se arriscaria a prever que, 200 anos mais tarde, haveria de ser celebrado enquanto autor de um dos “greatest hits” do reportório “clássico”, As Quatro Estações. A popularidade da sua música já tinha visto melhores dias e, de facto, até ao fim dos anos 20 do século passado – quando uma colecção de centenas de partituras suas foi descoberta num mosteiro perto de Turim –, caíra completamente no esquecimento. Desse momento em diante, porém, de adereço sonoro publicitário a toque de telemóvel, não haverá muito quem, mesmo ignorando tudo sobre este precursor da Tin Pan Alley com uma costela proto-punk (é favor ouvir os 3 minutos e picos da totalidade do Concerto "Alla Rustica"), não lhe tenha passado pelo menos um fragmento das Estações pelos tímpanos. 

"Harvest" (c/ Kayla Cohen)

Inevitavelmente, o impulso para as citar, parafrasear e reinventar foi fortíssimo e a ele não resistiram, ente muitos outros, os Swingle Singers, Philip Glass, Piazzolla, Max Richter ou, mais recentemente, Anna Meredith, em Anno (2018). É, agora, a vez dos Modern Nature que, após a estreia, How To Live (2019), inspirada pelo jardim de Derek Jarman em Dungeness, quase por acidente, em Annual, retomaram o modelo: ”Pelo fim de 2018, comecei a preencher um diário com palavras, observações de caminhadas, descrições de acontecimentos, associações livres... relendo-o, à medida que o ano progredia do Inverno para a Primavera, do Verão para o Outono, a tonalidade do diário parecia mudar também. Dividi o diário em quatro estações e usei-as como matriz para as quatro canções principais”, explica Jack Cooper que, com o saxofonista Jeff Tobias (Sunwatchers) e o percussionista Jim Wallis, constitui os Modern Nature. Calendário conceptual e almanaque de emoções e memórias, é um breve ciclo de canções em filigrana, com a poética da folk, a paleta do lirismo jazz e a respiração de um minimalismo pastoral.
Brigid Mae Power - "Wedding Of A Friend"