24 July 2024

(sequência daqui) Não é regra que convites deste género sejam motivo de obras memoráveis mas, diga-se já, All My Friends é uma notabilíssima excepção. Livremente inspirado pelos textos e discuros da sufragista Carrie Chapman Catt, e contando com a colaboração do ensemble de cordas The Knights, do quarteto de metais The Westerlies, do San Francisco Girls’ Chorus, de elementos dos Punch Brothers e da folksinger Anaïs Mitchell, verdadeiramente decisivos foram os soberbos arranjos orquestrais de Eric Jacobsen que transportam as belíssimas canções magnificamente jonimitchellianas de O'Donovan para o plano de clássicos como American Gothic, de David Ackles. O remate com "The Lonesome Death of Hattie Carroll", de Dylan ("You who philosophize disgrace and criticize all fears, take the rag away from your face, now ain’t the time for your tears") não poderia ser mais perfeito.
... e, no melhor estilo siciliano, rematam ameaçando: "Esta decisão vai afectar irremediavelmente o modo como operadores privados e Ministério da Saúde se articulam"
Um bom ponto de partida 
para uma visita a Lisboa
"Inimigo de hipócritas e frades: eis Bocage, em quem luz algum talento" (Óleo de Fernando dos Santos, 1935 Lisboa, Café Nicola)

23 July 2024

"'Selah' is actually the first song I ever wrote. I didn’t put it on the first album. There was a question about what I wanted to do with it. I think the older the song, the more you’ve lost confidence in it. But it made it onto the new release. It’s a song about the moon, but the word Selah is in the Bible. I’m not religious but it means a pause for reflection or a space to think and that’s how I feel about the moon" (daqui)

Arooj Aftab - Live at Le Guess Who? (2021)

“Before I was elected as vice president, before I was elected a United States senator, I was the elected attorney general of California. And before that I was a courtroom prosecutor. In those roles I took on perpetrators of all kinds. Predators who abused women. Fraudsters who ripped off consumers. Cheaters who broke the rules for their own gain. So hear me when I say: I know Donald Trump's type”

22 July 2024

Não deixa de ter a sua piada...

NO PLANO DOS CLÁSSICOS


"O direito de voto dos cidadãos dos Estados Unidos não deve ser negado ou cerceado pelos Estados Unidos ou por qualquer Estado em razão do sexo. O Congresso terá poderes para fazer cumprir este artigo por meio de legislação apropriada". Foi com o objectivo de inscrever estas duas frases no corpo da Constituição dos EUA - onde ficaria como a 19ª Emenda - que várias décadas de luta das/dos sufragistas seriam necessárias até que, a 26 de Agosto de 1920, ele fosse alcançado. Continuariam excluídas as mulheres afro-americanas, asiático-americanas, hispano-americanas e nativas americanas mas, ainda assim, com uma considerável vantagem em relação à "civilizadíssima" Suiça, na qual o cantão de Appenzell Innerrhoden apenas em 1991 abdicaria da duvidosa honra de derradeiro bastião ocidental do machismo eleitoral. Entre muitas outras, as celebrações do centenário da 19ª Emenda passaram pela encomenda de peças musicais alusivas à data, nomeadamente a que foi dirigida a Aoife O'Donovan - cantora e compositora eclética não veterana mas já de respeitável currículo - pela Orlando Philarmonic Orchestra. (daqui; segue para aqui)

"All My Friends"

20 July 2024

(não sei se fui só eu a ficar surpreendido com a dedicatória: "À Ana Cristina Leonardo, ao António Araújo, ao Francisco José Viegas, ao João Lisboa e ao João Pereira Coutinho. Porque, sem saberem, me ajudaram a escrever este livro"; a propósito do uso da palavra "nigger", ver aqui)

19 July 2024

"Na Gul"
 
(sequência daqui) Em "Na Gul", apossando-se de um poema de Mah Laqa Bai Chanda, música indiana de Hyderabad e cortesã do século XVIII, Arooj coloca-a em diálogo com Chand Bibi, rainha de Ahmadnagar, do século XVI, que desagua num estuário de barroco oriental; "Aey Nehin" oferece um voluptuoso tapete de repuso harmónico; "Bolo Na" serpenteia por entre as profundas frequências do contrabaixo e e a melodia flutuante da voz; "Autumn Leaves" ("Les Feuilles Mortes", de Joseph Kosma) deixa-se extirpar de todos os clichés acumulados, mas, em contraluz, permanece fantasmaticamente reconhecível; "Last Night Reprise", sobre uma poesia de Rumi, hesita entre o enraizamento granítico e o voo desordenado; e "Whiskey" é a canção que um Tom Waits hindustânico deveria ter escrito para Rickie Lee Jones. Com os quais, como o título do álbum denuncia, Arooj partilha uma particular afeição pelas horas tardias ("Toda a gente parece melhor quando a noite cai. Não gosto de ver as pessoas à luz do dia. É do conhecimento universal que os músicos adoram a noite. A noite é nossa amiga, oferece-nos um abrigo no qual podemos mover-nos sem nos expormos tanto"). Mas, em qualquer dos casos, qual Bob Dylan pós-Newport, recusando sempre o papel de porta-voz de uma qualquer causa que lhe estaria supostamente atribuida: "Detesto ser rotulada. Não desejo transformar-me numa pessoa responsável pela defesa de uma qualquer tradição. Um artista é imensas coisas em simultâneo. Muita gente diz: 'Ela é uma cantora de ghazal (forma poética originária da Pérsia do século VII)'. Outras interrogam-me: 'Pode falar-me sobre aqueles textos secretos antigos que canta na sua música tradicional?' Por vezes, num concerto, no final da primeira canção, há já quem diga 'Ah... afinal, ela não é a deusa sufi que viemos escutar. Está a beber vinho tinto e a dizer palavrões ao microfone'. Só me apetece dizer-lhes: 'Não querem escrever um guia acerca de como eu deveria ser? Prometo que vou tentar segui-lo!'"

Bob Dylan - "With God On Our Side"
Meloni e porta-chaves: a mesma luta!