30 July 2024

POR PROCURAÇÃO

Ex-aluno de Richard Hamilton - pioneiro britânico da pop art - na universidade de Newcastle, Bryan Ferry sentia muito pouca afinidade com a austeridade visual da estética "prog" no início da década de 70. O que o fazia vibrar era a sofisticação, a sensualidade e o brilho das estrelas de Hollywood das décadas anteriores, acima de todas, Rita Hayworth. Por isso, quando, em 1972, chegou o momento da gravação e publicação do primeiro álbum dos Roxy Music (nome de sala de cinema escolhido pela ressonância de "faded glamour") a responsabilidade pela imagem da capa do LP recairia sobre Karl Stoecker - fotógrafo norte-americano inspirado pelas inúmeras ilustrações de "pin-ups" de Alberto Vargas para a "Esquire" - e sobre a série de imagens que realizara com a modelo de origem norueguesa, Kari-Ann Muller. Vestida pelo estilista Anthony Price que, confessava desejar vê-la , estirada sobre cetins, "como um gelado napolitano" azul, cor-de-rosa e branco, de sombra azul carregado nas pálpebras, seria, desde então, um dos exemplos clássicos - embora não exactamente justo - do triunfo do estilo sobre a substância. (daqui; segue para aqui)

Kami Thompson - "Solitary Traveller"
Aoife O'Donovan - "The Right Time"

24 July 2024

(sequência daqui) Não é regra que convites deste género sejam motivo de obras memoráveis mas, diga-se já, All My Friends é uma notabilíssima excepção. Livremente inspirado pelos textos e discuros da sufragista Carrie Chapman Catt, e contando com a colaboração do ensemble de cordas The Knights, do quarteto de metais The Westerlies, do San Francisco Girls’ Chorus, de elementos dos Punch Brothers e da folksinger Anaïs Mitchell, verdadeiramente decisivos foram os soberbos arranjos orquestrais de Tanner Porter que transportam as belíssimas canções magnificamente jonimitchellianas de O'Donovan para o plano de clássicos como American Gothic, de David Ackles. O remate com "The Lonesome Death of Hattie Carroll", de Dylan ("You who philosophize disgrace and criticize all fears, take the rag away from your face, now ain’t the time for your tears") não poderia ser mais perfeito.
... e, no melhor estilo siciliano, rematam ameaçando: "Esta decisão vai afectar irremediavelmente o modo como operadores privados e Ministério da Saúde se articulam"
Um bom ponto de partida 
para uma visita a Lisboa
"Inimigo de hipócritas e frades: eis Bocage, em quem luz algum talento" (Óleo de Fernando dos Santos, 1935 Lisboa, Café Nicola)

23 July 2024

"'Selah' is actually the first song I ever wrote. I didn’t put it on the first album. There was a question about what I wanted to do with it. I think the older the song, the more you’ve lost confidence in it. But it made it onto the new release. It’s a song about the moon, but the word Selah is in the Bible. I’m not religious but it means a pause for reflection or a space to think and that’s how I feel about the moon" (daqui)

Arooj Aftab - Live at Le Guess Who? (2021)

“Before I was elected as vice president, before I was elected a United States senator, I was the elected attorney general of California. And before that I was a courtroom prosecutor. In those roles I took on perpetrators of all kinds. Predators who abused women. Fraudsters who ripped off consumers. Cheaters who broke the rules for their own gain. So hear me when I say: I know Donald Trump's type”

22 July 2024

Não deixa de ter a sua piada...

NO PLANO DOS CLÁSSICOS


"O direito de voto dos cidadãos dos Estados Unidos não deve ser negado ou cerceado pelos Estados Unidos ou por qualquer Estado em razão do sexo. O Congresso terá poderes para fazer cumprir este artigo por meio de legislação apropriada". Foi com o objectivo de inscrever estas duas frases no corpo da Constituição dos EUA - onde ficaria como a 19ª Emenda - que várias décadas de luta das/dos sufragistas seriam necessárias até que, a 26 de Agosto de 1920, ele fosse alcançado. Continuariam excluídas as mulheres afro-americanas, asiático-americanas, hispano-americanas e nativas americanas mas, ainda assim, com uma considerável vantagem em relação à "civilizadíssima" Suiça, na qual o cantão de Appenzell Innerrhoden apenas em 1991 abdicaria da duvidosa honra de derradeiro bastião ocidental do machismo eleitoral. Entre muitas outras, as celebrações do centenário da 19ª Emenda passaram pela encomenda de peças musicais alusivas à data, nomeadamente a que foi dirigida a Aoife O'Donovan - cantora e compositora eclética não veterana mas já de respeitável currículo - pela Orlando Philarmonic Orchestra. (daqui; segue para aqui)

"All My Friends"

20 July 2024

(não sei se fui só eu a ficar surpreendido com a dedicatória: "À Ana Cristina Leonardo, ao António Araújo, ao Francisco José Viegas, ao João Lisboa e ao João Pereira Coutinho. Porque, sem saberem, me ajudaram a escrever este livro"; a propósito do uso da palavra "nigger", ver aqui)

19 July 2024

"Na Gul"
 
(sequência daqui) Em "Na Gul", apossando-se de um poema de Mah Laqa Bai Chanda, música indiana de Hyderabad e cortesã do século XVIII, Arooj coloca-a em diálogo com Chand Bibi, rainha de Ahmadnagar, do século XVI, que desagua num estuário de barroco oriental; "Aey Nehin" oferece um voluptuoso tapete de repuso harmónico; "Bolo Na" serpenteia por entre as profundas frequências do contrabaixo e e a melodia flutuante da voz; "Autumn Leaves" ("Les Feuilles Mortes", de Joseph Kosma) deixa-se extirpar de todos os clichés acumulados, mas, em contraluz, permanece fantasmaticamente reconhecível; "Last Night Reprise", sobre uma poesia de Rumi, hesita entre o enraizamento granítico e o voo desordenado; e "Whiskey" é a canção que um Tom Waits hindustânico deveria ter escrito para Rickie Lee Jones. Com os quais, como o título do álbum denuncia, Arooj partilha uma particular afeição pelas horas tardias ("Toda a gente parece melhor quando a noite cai. Não gosto de ver as pessoas à luz do dia. É do conhecimento universal que os músicos adoram a noite. A noite é nossa amiga, oferece-nos um abrigo no qual podemos mover-nos sem nos expormos tanto"). Mas, em qualquer dos casos, qual Bob Dylan pós-Newport, recusando sempre o papel de porta-voz de uma qualquer causa que lhe estaria supostamente atribuida: "Detesto ser rotulada. Não desejo transformar-me numa pessoa responsável pela defesa de uma qualquer tradição. Um artista é imensas coisas em simultâneo. Muita gente diz: 'Ela é uma cantora de ghazal (forma poética originária da Pérsia do século VII)'. Outras interrogam-me: 'Pode falar-me sobre aqueles textos secretos antigos que canta na sua música tradicional?' Por vezes, num concerto, no final da primeira canção, há já quem diga 'Ah... afinal, ela não é a deusa sufi que viemos escutar. Está a beber vinho tinto e a dizer palavrões ao microfone'. Só me apetece dizer-lhes: 'Não querem escrever um guia acerca de como eu deveria ser? Prometo que vou tentar segui-lo!'"

Bob Dylan - "With God On Our Side"
Meloni e porta-chaves: a mesma luta!

17 July 2024

Aliás, já chamam à Torre Eiffel 

(via DT)

 Albums That Should Exist (V): Linda Thompson - I'll Show You How to Sing - Non-Album Tracks (1968-1972)


"Folk music used to be a potent political tool. Does it still have that power? 

Shirley Collins - Potent political tool? I would say 'My arse', if you wouldn’t mind. For me, Pete Seeger bashing his bloody banjo and exhorting an audience to join the chorus of 'We Shall Overcome' never seemed to advance any causes. It just made people feel they were taking part in something. Bob Dylan’s 'Masters of War' is great, but I didn’t quite trust the people writing protest songs because those I knew weren’t, frankly, nice people" (daqui)

"J.D. Vance has been described variously as a national conservative, neoreactionary, a right-wing populist, and an ideological successor to paleoconservatives. (...) Vance has 'embraced' aspects of The Dark Enlightenment, a movement that sees mass participatory democracy, particularly liberal democracy, as a threat to or incompatible with freedom"
 

14 July 2024

É preciso uma sobrenatural contenção para manter enjaulado o teórico da conspiração que se acoita dentro de nós e não ver no episódio Trumpylvânia o sonho húmido de uma equipa de estrategas de campanha eleitoral: que imagem mais empolgadamente polissémica poderia ter sido inventada? *
Como imaginar a captura do instante no qual "a mão de deus" desvia um milímetro a trajectória da bala?
Apenas um detalhe intrigante: o que se passou com... os sapatos?...
* Edit (15/07/2023) - "It is a photograph that seems almost impossible: moments after a bullet grazes his ear, a former US president stands with his fist raised defiantly. The sky behind him is clear blue and an American flag flies overhead, fully in frame. The expressions on the faces of each secret service agents are clear and a smear of blood runs from Donald Trump’s ear to his cheek. (...) 'It leads you back in, almost like a vortex. Trump’s face is what you’re constantly drawn to, but then the action around him is like a frame,' says Earl, adding that the 'composition is fantastic'. The fact that he’s got the depth of field here means that all of the faces are pin sharp, she says, and so “you get to engage with what they’re feeling as well, not just Trump.” The arm on the bottom right of the frame shows the viewer that there is action happening around the frame, out of view, she says. The Atlantic called it, 'undeniably one of the great compositions in US photographic history' while a senior New York Times journalist said it was, 'The pinnacle of photojournalism. A perfectly framed and composed image of historic breaking news.'”
"Raat Ki Rani"
 
(sequência daqui) Na companhia de Maeve Gilchrist (harpa), Gyan Riley (guitarrista, filho de Terry Riley), Petros Klampanis (contrabaixista), da poetisa Moor Mother, dos inevitáveis Vijay Iyer e Shahzad Ismaily e de uma lista de outros contribuidores para a soberba arte final, o plano de desfecho sempre aberto passou pela descoberta dos fios intangíveis que estabelecem a comunicação entre géneros e correntes (jazz, música clássica paquistanesa e do Norte da ìndia, os minimalistas e pós-minimalistas - Morton Feldman, Terry Riley, Julius Eastman e John Cage) e, usando-os como trampolim, participar do processo de invisível criação comum: "Há um entendimento de que a música foi tomada de empréstimo, herdada, reciclada, e reutilizada durante imenso tempo e, quanto mais recuamos, mais enevoada se torna. O meu objectivo não é escrever um ensaio etnográfico mas, através da minha música, chamar a atenção para essa rede de ligações. Suponho que, subconscientemente, as pessoas as reconhecem e sentem que é algo simultaneamente novo e familiar. Para mim, trata-se de uma coisa autenticamente mágica" (segue para aqui)

13 July 2024

"Larry the cat breaks Chief Mouser record": Larry the cat has become Downing Street’s first Chief Mouser to serve under six prime ministers after Sir Keir Starmer’s general election victory - The tabby and white cat arrived from Battersea Dogs and Cats Home in February 2011 and has been one of the few constants at No 10 ever since. 
 
Katherine Priddy - "Does She Hold You Like I Did"

12 July 2024

- Ó tio Celinho, já não consigo engolir nem mais um pastel de nata... 

- A menina não tem quereres! Come só mais este - pela mamã - e, depois, vamos ver os peixinhos e os pinguins ao Oceanário!... (sequência daqui; ver aqui)

“Friendly Father”: North Korea releases new song praising leader Kim Jong Un

 Edit (!6:01) - ... porém, tal como sugerido na caixa de comentários...
 
A.C. Marias- "Drop"

(ver aqui)

11 July 2024

Max Roach - We Insist! Freedom Now Suite (feat. Abbey Lincoln, Coleman Hawkins)


(Belgian TV, 1964)
"Aey Nehin"
 
(sequência daqui) Foi no intervalo de tempo entre esses dois álbuns (com Love In Exile, de 2023 - na companhia do pianista e compositor,  Vijay Iyer, e do multi-istrumentista Shahzad Ismaily -, de permeio) que a miúda paquistanesa emigrada aos 19 anos para os EUA com o objectivo de frequentar o Berklee College of Music identificou exactamente o alvo que perseguia: se o ambiente familiar liberal já a orientara para a devoção a Stan Getz, Miles Davis, Billie Holiday, Ella Fitzgerald e Abbey Lincoln, em paralelo com a música clássica sufi de Abida Parveen, em Boston e, posteriormente, Brooklyn a missão consistia agora em criar uma sonoridade que não decorresse de nenhum modelo pré-existente. "Vulture Prince foi um álbum profundamente ancorado na tradição e na minha interpretação do que isso significa, do que significa a herança cultural, do que significa a nossa casa, do que a poesia Urdu descreve e como articular tudo isso. Mas, uma vez que o fiz, de certo modo, libertei-me e criei uma base para aquilo que pretendia construir". 20 anos após a chegada à Big Apple e concluída a formação no Berklee, permite-se já declarar com total segurança ao "Exclaim Magazine: "Não me deixo confinar pelas regras da música. Sendo alguém que cria coisas novas, trata-se talvez apenas de irreverência. Mas é uma atitude de ousadia e coragem que me parece faltar muitas vezes na música. Temos demasiado medo. É a consequência de vivermos numa sociedade profundamente capitalista na qual é obrigatório que as coisas se vendam. Para mim, foi sempre absolutamente natural ir contra a corrente e estar-me nas tintas para o resto". (segue para aqui)

08 July 2024

FIOS INVISÍVEIS


"Bem vindos ao novo mundo! No qual as pessoas não são arquivadas por categorias e todos os cruzamentos são naturais. É o efeito que a música exerce sobre nós. De Obama a Elvis Costello, as pessoas gravitam em torno desta música. Até no modo como escolho quem convidar para colaborar comigo existem formas subtis de permitir que a música se dirija onde é necessário sem ter de me preocupar com a minha ou a tua etnicidade. E isso é algo que deve ser celebrado", dizia Arooj Aftab à "Spin", há cerca de um mês. Referia-se ao facto de "Mohabbat" (do seu álbum Vulture Prince) ter aparecido na "Summer Playlist" de 2021, de Barack Obama, e de, para o novíssimo Night Reign, na lista de convidados, surgir o nome de Elvis Costello enquanto quase clandestino executante de piano Wurlitzer em "Last Night Reprise" (do que se confessaria "extremamente orgulhoso" dado tratar-se da sua primeira referência de sempre como teclista "em qualquer disco"). (daqui; segue para aqui)

vanguarda da educação

05 July 2024

 Portugal Numa Casca de Noz (LXVII)

Criaturas mentecaptas de microfone na mão importunam outras criaturas tranquilamente sentadas em esplanadas perguntando-lhes "quem vai ganhar?", "por quantos?" e "quem marca os golos?" - implacavelmente, durante dias a fio

 Só as pessoas superficiais não julgam pelas aparências (XXIII)

A esposinha em segundíssimo plano vestida de Union Jack

... ora bem...

01 July 2024

"William Boyd: how David Bowie and I hoaxed the art world" (nada como uma boa história de "fake art" para recordar)
David Bowie with critic Matthew Collings – and Jeff Koons behind – at the launch party in 1998 of William Boyd’s book Nat Tate: an American Artist 1928-1960
(ver aqui)
Fausto (1948 - 2024)