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10 October 2024

(sequência daqui) Laurie Anderson - É curioso porque, durante todo o processo de composição, nunca tive consciência dessa relação. E, de facto, ambas têm como desfecho um desastre. Não faço a menor ideia de por que motivo isso aconteceu. 

    João Lisboa - Amelia teve um longo percurso até atingir esta forma final... 

    LA - Amelia deu os primeiros passos em 2000. Foi uma encomenda. O Dennis Russel Davies - actual maestro da Filarmónica de Brno, na República Checa - veio ter comigo, disse-me que iria apresentar no Carnegie Hall um espectáculo cujo tema era o voo e no qual seriam apresentadas peças de Philip Glass, Kurt Weill, e Samuel Barber. E perguntou-me se não me apeteceria escrever também alguma coisa, se me sentia capaz de escrever uma obra orquestral. Não fazia a menor ideia de como o fazer. Não me pergunte porquê mas prefiro sempre sentir-me no lugar do principiante. Gosto de fazer coisas que não sei como fazer, se já sei fazê-las não me interessam tanto. Por isso, não me acobardei. E o resultado foi muito mau. Mesmo. No entanto, alguns anos depois, o Dennis veio ter outra vez comigo e disse-me que gostava muito das partes de cordas dessa primeira tentativa. Fomos, então, por aí e a recuperação nem resultou mal. O passo seguinte seria deixar de lado todo o resto. Por mim, o processo estava concluído. Mas, durante a pandemia, ele veio-me com a ideia de aproveitarmos esse tempo e gravarmos tudo. Na verdade, as três versões que foram sendo concretizadas têm entre si apenas uma relação familiar muito longínqua. E, uma vez que tenho em curso um outro projecto, Ark, precisava de concluir este com alguma rapidez. (segue para aqui)

16 February 2024

LIMPAR O PÓ AOS ARQUIVOS (XC)

(com a indispensável colaboração do R & R)
(clicar na imagem para ampliar)
 
Scott Johnson - "Mom Dad" (da BSO de Patty Hearst, na íntegra aqui)
 
Nuno Rebelo - Sagração Do Mês De Maio (1ª Sinfonia Falsificada)
Philip Glass – 1000 Airplanes On The Roof

11 December 2022

 
(sequência daqui) Não se trata, evidentemente, apenas de “decompor rótulos e categorias” mas de reconhecer o gritantemente óbvio: excluindo episódios caricatos como o das bandas de “blue-eyed bluesmen” da década de 70 do século passado, a música contemporânea é medularmente mestiça e nenhum laboratório seria alguma vez capaz de, do jazz ao rock’n’roll, de Duke Ellington a Django Reinhardt, de Debussy a Philip Glass, do fado à morna, identificar o grau de pureza de cada autor, género ou peça musical. Basta espreitar, por exemplo, para o video de "Do I Love You (Indeed I Do)" – original de Frank Wilson – e da quase replicação de uma assembleia geral da ONU que os muitos músicos (cordas, sopros, vozes, percussão) em palco encenam nesta exuberante interpretação, para que se torne inteiramente claríssimo que, se a soul e o R&B clássicos tiveram uma origem cultural bem específica, hoje, são aquilo a que, facilmente, se chamaria património colectivo. Mas poderiam ser também a visceral "Turn Back The Hands Of Time" (de Tyrone Davis), a vibrante celebração colectiva de "Don’t Play That Song" (Aretha Franklin/Ben E. King), a imperial "The Sun Ain’t Gonna Shine Anymore" (prévia incursão caucasiana pelos Walker Brothers), a complexa subtileza de "Nightshift" (Commodores), a profundidade panorâmica de "Someday We’ll Be Together" (Supremes), ou qualquer uma das outras 40 que, apesar de gravadas, acabaram preteridas. “Inspirei-me em Levi Stubbs, David Ruffin, Jimmy Ruffin, Jerry Butler, Diana Ross, Dobie Gray e Scott Walker, entre muitos outros, e tentei fazer-lhes justiça assim como aos autores desta gloriosa música”, declara Bruce, acrescentando “A minha intenção é que o público actual possa partilhar da sua beleza e júbilo tal como aconteceu comigo desde que, pela primeira vez, a escutei". Missão cumprida, Bruce.

Tyrone Davis

09 July 2022

STAKHANOVISTAS
São em número crescente os músicos que, de um modo ou de outro, vão buscar inspiração às Quatro Estações de Antonio Vivaldi. Apenas entre os mais recentes, alinham-se Philip Glass, Piazzolla, Max Richter, Anna Meredith e Modern Nature aos quais deverão, agora, acrescentar-se The Wave Pictures, esse exemplo paradigmático de banda britânica eternamente alternativa e marginal: em cerca de duas décadas e mais de duas dezenas de álbuns, David Tattersall, Franic Rozycki e Jonny ‘Hudderfield’ Helm, construiram o tipo de discografia imaculada que, invariavelmente, é recebida pela crítica com vénias e salamaleques correspondidos por uma olímpica indiferença registada nos sismógrafos das tabelas de vendas. 


Quase tão stakhanovistas como o incansável veneziano que nos legou 500 concertos, 40 cantatas, 22 óperas, e mais de 60 peças de música sacra, os Wave Pictures recorreram, desta vez, ao formato de álbum duplo para, em When The Purple Emperor Spreads His Wings, acolher 20 canções divididas em quatro grupos de cinco, um por cada estação do ano. “Existe sempre um sentido de tempo e lugar muito forte nas canções dos Wave Pictures. Tornou-se rapidamente muito natural ir agrupando por estações as canções que ia escrevendo. Cada uma ‘tem lugar’ no contexto de cada estação. Começa no Verão e termina na Primavera, representando o ciclo da vida”, explica Tattersall que pormenoriza: “Como acontece muitas vezes, um pequeno momento no tempo é desenhado em três minutos. Na memória, um instante fugaz, um milisegundo, pode ser mais forte e intenso do que um ano inteiro”. Ávidas esponjas estéticas incapazes de enxergar incompatibilidades entre música de câmara, rock’n’roll clássico, blues norte-africanos, folk britânica, country, psicadelismo e jazz, é um imenso prazer espreitar para o enorme caldeirão onde os cozinham e aspirar os riquíssimos aromas. (daqui)

04 August 2020

ALMANAQUE DE EMOÇÕES


Quando, após 63 anos a despachar, por encomenda, 500 concertos, 40 cantatas, 22 óperas, e mais de 60 peças de música sacra, Antonio Vivaldi, em 1741, morreu como um quase indigente, ninguém se arriscaria a prever que, 200 anos mais tarde, haveria de ser celebrado enquanto autor de um dos “greatest hits” do reportório “clássico”, As Quatro Estações. A popularidade da sua música já tinha visto melhores dias e, de facto, até ao fim dos anos 20 do século passado – quando uma colecção de centenas de partituras suas foi descoberta num mosteiro perto de Turim –, caíra completamente no esquecimento. Desse momento em diante, porém, de adereço sonoro publicitário a toque de telemóvel, não haverá muito quem, mesmo ignorando tudo sobre este precursor da Tin Pan Alley com uma costela proto-punk (é favor ouvir os 3 minutos e picos da totalidade do Concerto "Alla Rustica"), não lhe tenha passado pelo menos um fragmento das Estações pelos tímpanos. 

"Harvest" (c/ Kayla Cohen)

Inevitavelmente, o impulso para as citar, parafrasear e reinventar foi fortíssimo e a ele não resistiram, ente muitos outros, os Swingle Singers, Philip Glass, Piazzolla, Max Richter ou, mais recentemente, Anna Meredith, em Anno (2018). É, agora, a vez dos Modern Nature que, após a estreia, How To Live (2019), inspirada pelo jardim de Derek Jarman em Dungeness, quase por acidente, em Annual, retomaram o modelo: ”Pelo fim de 2018, comecei a preencher um diário com palavras, observações de caminhadas, descrições de acontecimentos, associações livres... relendo-o, à medida que o ano progredia do Inverno para a Primavera, do Verão para o Outono, a tonalidade do diário parecia mudar também. Dividi o diário em quatro estações e usei-as como matriz para as quatro canções principais”, explica Jack Cooper que, com o saxofonista Jeff Tobias (Sunwatchers) e o percussionista Jim Wallis, constitui os Modern Nature. Calendário conceptual e almanaque de emoções e memórias, é um breve ciclo de canções em filigrana, com a poética da folk, a paleta do lirismo jazz e a respiração de um minimalismo pastoral.

04 June 2019

DOIS POLOS


Se Godard acha que “um 'travelling' é uma questão moral”, Neil Hannon garante que a sua ética "indie" permanece imaculada: “Continuo a pensar que o motivo por que usamos um determinado acorde não pode ser apenas o facto de ele soar bem”. Algo que é importante ter presente sempre que escutamos um álbum dos Divine Comedy, uma vez que, no seu singularíssimo género – “Funny tragic. It’s my own genre!” – duas forças se enfrentam: “De um lado, está o impulso para escrever a música que as pessoas gostam de ouvir: segura, familiar, inofensiva... do outro, a vontade de lhes oferecer a música que penso que elas deveriam ouvir: original, arriscada. É uma tensão entre dois polos: arte vs. humanidade ou, talvez, arte vs. populismo. Não tanto porque imagine que o populismo me tornará rico e famoso mas apenas porque, na minha forma de compor, há uma costela bastante populista e não tenho nenhum problema com ela”. Em Office Politics, o volumoso tomo de 16 capítulos que se segue ao belíssimo Foreverland (2016), esse confronto entre opostos começa logo no texto de apresentação que, sob a forma de um memorando, Neil Hannon, “Head of communications”, dirige a “all departments”.


Aí, após recordar que “Eu bem vos disse que, um dia, gravaria um álbum duplo!”, explica que contém sintetizadores e canções sobre sintetizadores mas (“não entrem em pànico”) “também guitarras, orquestras, acordeões, e canções sobre amor e ganância”, e apresenta as personagens que as habitam, reconhecendo, porém, que os protagonistas são as máquinas: “Máquinas que fazem isto e aquilo, máquinas que nos sufocam durante o sono. Talvez o combate entre instrumentos e géneros musicais seja um reflexo subconsciente deste conflito. Talvez este mundo cada vez mais louco me tenha levado a fugir para o universo da 'new wave' e do 'synthpop' da minha juventude. Ou talvez estivesse apenas aborrecido”. É, de facto, um variado buffet musical aquele que acolhe o "wit and wisdom" de Hannon: do rap de manual de instruções sobre as "electronic tonalities" de Forbidden Planet disciplinadas pelos Kraftwerk, ao funk de "gentleman’s club" ou à teatralidade bowieana, o espaço para receber Christine (“There was no stopping her taking a ride on the photocopier”), o pequeno safardana-de-escritório (“I jump the queue ‘cause I’m smarter than you”) ou Philip e Steve (aliás, Glass e Reich, profissionais novaiorquinos de transportes e mudanças, em delicioso labirinto de "phasing" vocal) não poderia ser mais convidativo.

21 May 2019

DAVA UM FILME 


1990 – Nascida na Suiça, de pai arménio/cipriota e mãe suiça, mas a viver em Londres desde os 7 anos, a "twentysomething" Carola Baer pensa em emigrar para a Austrália, com passagem por São Francisco. Chegada à Califórnia, acontece o proverbial episódio “boy meets girl”. Nunca viajará até à Austrália mas, ela que estudara piano até aos 16 anos e vagabundeara por Israel cantando canções de Neil Young e dos Eagles, incendiada pela paixão súbita, começa a compor e o amante-que-nunca-será-nomeado (também músico) grava-a. Aí, o enredo adensa-se: a namorada que ele deixara na Europa regressa aos EUA e Carola, só e abandonada, decide-se por um casamento de conveniência com um candidato de ocasião, apenas motivada pela obtenção do "green card". Numa sequência vertiginosa, o amante-que-nunca-será-nomeado, inopinadamente, reaparece e implora perdão, o que o utilitário consorte não vê com bons olhos. Apanhada entre dois fogos, Carola acaba quase sem abrigo e, em desespero, vê-se obrigada a telefonar à mãe, em Inglaterra, que trata do necessário para a viagem de repatriamento. O guião é apresentado em "fast-forward" mas, na realidade, entre o início e o (provisório) fim, decorreram 17 anos. 



2018 – Carola encontrava-se na sala de professores da escola de Surrey onde dá aulas quando o telefone tocou. De Portland, no Oregon, Jed Bindeman – fundador da novíssima "indie" Concentric Circles – comunicava-lhe que, numa loja de venda de artigos para fins de caridade, encontrara uma cassete com o nome dela e um número de contacto que permitira descobrir-lhe o rasto. E, totalmente rendido ao que escutara, propunha-se publicá-la. Ela recordava-se vagamente de, durante o exílio norte-americano, ter entregado a cassete – exemplar único! – a alguém ligado ao cinema que nunca lha devolvera nem dera notícias. Continha as gravações-banda sonora do romance de juventude, acrescentadas de outras posteriores a que, no conjunto, dera o título de “Open Door”. Renomeada The Story of Valerie na edição da Concentric Circles, a sensação que se experimenta é a de, inadvertidamente, estarmos a espiar um diário alheio, espécie de exorcismo transcrito na forma de uma partitura dos Young Marble Giants – voz, dois teclados Yamaha e Casio e "drum machine" – vitaminada por Philip Glass e sucessivamente interpretada por Lisa Gerrard, Nico e Elizabeth Fraser, sobre ecos balcânicos e médio-orientais. Se a vida de Carola Baer dava um filme, a música que o ilustraria está acabada e pronta a usar.

15 May 2018

IMERSÃO

  
The Tortoise Recalling The Drone of The Holy Numbers as They Were Revealed in The Dreams of The Whirlwind and The Obsidian Gong and Illuminated by The Sawmill, The Green Sawtooth Ocelot and The High-Tension Line Stepdown Transformer é uma das peças que The Theatre of Eternal Music, durante os anos 60, apresentou na Costa Leste dos EUA e na Europa. Fundado por La Monte Young e de portas abertas a personagens de notabilidade futura variável (John Cale, Marian Zazeela, Angus MacLise, Rhys Chatham, Tony Conrad, Billy Name, Jon Hassell, Terry Riley), a extensão dos títulos das composições estava em directa relação com a sua duração: horas/dias de imersão sensorial num oceano de harmónicos e infinitos "drones" em lentíssimo processo de transformação que, a partir de 1966, teriam lugar na Dream House, uma instalação permanente de luz e som, “organismo vivo com vida e tradição próprias” no qual os músicos habitariam e produziriam som de acordo com um calendário de dias de 27 horas.



Primeiro explorador do minimalismo norte americano – com Philip Glass, Steve Reich e Terry Riley –, Young começou pelo jazz (saxofonista ao lado de Ornette Coleman e Don Cherry), aproximou-se da música contemporânea, em Darmstadt, com Stockhausen, e alimentou-se de Bartók, Stravinsky, Debussy, Pérotin, música clássica indiana, Schoenberg e Webern. Através de John Cage, conheceu o Fluxus, de George Maciunas, e dedicou-se às provocações neo-dadaístas: criar música a partir de sugestões tais que “acender uma fogueira”, “soltar borboletas na sala”, “atravessar uma parede com o piano” ou, em Composition 1960 #7, “sustentar um Si e um Fá sustenido durante muito tempo”, semente de tudo quanto viria a seguir. Sem grande surpresa, John Cale reconheceria quão decisiva fora a sua contribuição para a sonoridade dos Velvet Underground e declará-lo-ia “a melhor parte da minha educação e a introdução à disciplina em música”, Brian Eno classificaria X for Henry Flynt, de Young, como “a pedra angular de tudo aquilo que fiz”, e Lou Reed confessava a imensa dívida de Metal Machine Music para com La Monte. Outro devedor é Peter Kember, aliás, Sonic Boom, ex-elemento dos Spacemen 3, que, em Setembro do ano passado, juntamente com Etienne Jaumet (Zombie Zombie) e Celine Wadier, cantora e executante de tambura, na qualidade de Infinite Music, apresentaram no Teatro Maria Matos, A Tribute To La Monte Young, agora publicado pela Fire Records. Três peças, 46 minutos. Pelo padrão lamontiano, um "single".

07 November 2017

À BEIRA DOS LIMITES


Anos antes de ter iniciado o percurso de compositor, Michael Nyman trabalhou como crítico de música e terá sido até ele quem – num artigo de 1968 para “The Spectator” sobre Cornelius Cardew –, pela primeira vez, aplicou o conceito de minimalismo à música. Foi, contudo, no livro Experimental Music: Cage And Beyond (1974) que se dispôs a “isolar e identificar o que é a música experimental e a distingui-la da música de compositores de vanguarda tais que Boulez, Kagel, Xenakis, Birtwistle, Berio, Stockhausen, Bussotti, concebida e interpretada segundo os caminhos já muito batidos mas santificados da tradição pós-Renascentista”. Naturalmente, o ponto de partida era John Cage e os seus 4’33" e, no de chegada, encontrávamos os quatro cavaleiros do minimalismo: La Monte Young, Philip Glass, Steve Reich e Terry Riley. Na secção dedicada a este último, sublinhava que, ao contrário dos outros, ele era “um performer e improvisador que compõe mais do que um compositor que executa”. E citava-o: “É preciso estar â beira do abismo para se manter o interesse e não nos deixarmos apenas arrastar tocando algo que já conhecemos. Se nunca nos abeirarmos do limite nunca saberemos a que ponto de exaltação nos poderemos erguer. Apenas correndo riscos lá chegaremos”



In C (1964) constituiu uma espécie de Big Bang da música minimal: 53 frases de extensão variável deveriam ser repetidas um número de vezes arbitrariamente definido (a duração média da peça é de hora e meia mas nada impede que seja muito maior ou menor), podendo cada músico iniciar ou interromper a execução da sua frase quando o desejasse, embora respeitando a ordem atribuída. Um dos músicos (algumas edições da partitura indicam que “tradicionalmente, é uma rapariga bonita”) repetirá metronómica e indefinidamente a nota C (dó) num instrumento de percussão afinada. Simultaneamente estruturada e aleatória, foi já gravada por dezenas de colectivos, desde orquestras convencionais aos Acid Mothers Temple, Africa Express, Shanghai Film Orchestra ou à Guitar Orchestra de Adrian Utley (Portishead). Agora, na versão dos Brooklyn Raga Massive (um colectivo multiétnico de músicos moldados pela tradição clássica indiana mas “sem fronteiras”), eleva-se nos timbres de sitar, sarod, bansuri, tabla, dulcimer, oud, violino, violoncelo, contrabaixo, "dragon mouth trumpet", guitarra, cajon, riq e vozes, como que num fascinante regresso de Riley ao idioma oriental que, inicialmente, o inspirou.

05 November 2017

LIMPAR O PÓ AOS ARQUIVOS (XXXVIII)


Terry Riley - Les Yeux Fermés & Lifespan

Com Philip Glass e Steve Reich, Terry Riley integrou a troika minimalista norte-americana que, na imediata descendência de La Monte Young, e – menos directamente – de John Cage, estaria na origem de uma atitude de rejeição dos procedimentos hiperintelectualizados da(s) música(s) “contemporânea(s)” decorrente(s) do serialismo. Muito pensamento filosófico oriental, alguma afinidade com o espírito da improvisação livre do jazz e o contacto com executantes de música clássica indiana, acabaram por gerar um idioma que, regressando ao tonalismo e ao modalismo, se exprimiu através de longas peças de ciclos em espiral, submetidos a ínfimas e progressivas modificações, atmosféricas e hipnóticas. Glass converteu-o em fórmula que pôs a render, com proveito, em Hollywood, Reich preferiu uma via mais próxima da do “compositor clássico” e Riley permaneceu, de certo modo, o “odd one out”, objecto de culto tão privado quanto venerado pelas margens da pop ou, noutro extremo, pela “new age”. Les Yeux Fermés & Lifespan (música para dois filmes obscuros de Joel Santoni e Alexander Whitelaw, de 1972 e 1974) poderá ser uma óptima iniciação à sua música. (2007)

16 September 2017

   
Notas: 1) Como esquecer Dana International? 2) Sobre o kitsch/camp, ver aqui; 3) Sobre o kitsch/camp eurovisivo, ver aqui; 4) Sobre o "easy listening", ver aqui, aqui e aqui; 5) Nem o Philip Glass, nem o Michael Nyman iniciais eram kitsch.

19 October 2016

APROPRIAÇÃO CULTURAL 

Debussy - "Pagodes" (Martha Argerich)

Nas páginas do “Guardian”, nas últimas semanas, tem sido tema constante. Tudo começou, pela notícia da intervenção da escritora Lionel Shriver, numa conferência em Brisbane, na qual contava a história de dois estudantes do Bowdoin College, no Maine, EUA, que, no início deste ano, organizaram uma festa temática de aniversário para um amigo. Sendo a tequila o tema, distribuiram "sombreros" pelos convidados. Mal as fotos da festa surgiram nas redes sociais, desencadeou-se uma tempestade na universidade: acusados de “estereotipificação étnica”, os “culpados” foram expulsos das instalações que ocupavam e a associação de estudantes exigiu que fossem tomadas medidas que impedissem novos e pérfidos actos de “apropriação cultural”. Pouco depois, foi a notícia de uma empresa canadiana produtora de um gin aromatizado com plantas silvestres do norte do país, obrigada a pedir desculpa ao povo Inuit (anteriormente designado como “esquimó”, o que viria a ser considerado insultuoso) por causa de um video publicitário de animação onde apareciam bonecos Inuit, canoas, cantos tradicionais, igloos e ursos polares. O pecado? “Apropriação cultural”. Logo a seguir, chegou a vez da Disney, forçada a acto de contrição por, no filme (ainda por estrear) Moana, se ter atrevido a representar personagens, trajes e adereços nativos da Polinésia.

Django Reinhardt - "Blues"

Acerca de tão iníquas profanações identitárias – proibido seria ainda que um escritor abordasse temas e contextos exteriores ao seu género, etnia, orientação sexual –, Shriver afirmara: “Ser membro de um grupo não é uma identidade. Ser asiático, gay, deficiente ou pobre não é uma identidade. (...) Se abraçarmos identidades de grupo estreitas, encerramo-nos nas próprias jaulas em que nos querem aprisionar”. Mas poderia também ter acrescentado que, se pretender conduzir-se a denúncia da “apropriação cultural” às últimas consequências, irá ser necessário, por exemplo, eliminar uma imensa fatia da história da música ocidental: não serão as "mourisques" e "morris dances" uma ofensa à cultura árabe? Deveria Mozart ter-se permitido o “Rondo Alla Turca” e o francês Bizet ter composto a Carmen? Debussy tinha autorização para colher inspiração nos gamelãs de Java? E Duke Ellington errou gravemente ao incorporar Debussy e Ravel que, por sua vez, bebeu do jazz, género que o cigano franco-belga, Django Reinhardt, também praticava? E as intimidades de Philip Glass com a música indiana para não falar das inomináveis promiscuidades rock, blues e country? Muitas cabeças irão ter que rolar...

09 September 2016

15 August 2016

GÉNIO


A obra literária de William S. Burroughs – entre textos de ficção e não-ficção – não é extraordinariamente extensa mas, se lhe acrescentarmos a discografia, o panorama altera-se significativamente. Desde os numerosos álbuns de "spoken word" puro (em particular na Giorno Poetry Systems) às colaborações com diversos músicos (Frank Zappa, John Cage, Philip Glass, Laurie Anderson, Bill Laswell, Ministry, Kurt Cobain, R.E.M.), seria, porém, sob produção de Hal Willner que a articulação entre texto, voz e música(s) descobriria as condições ideias de temperatura e pressão para ocorrer da melhor forma. Willner, especialista de álbuns monotemáticos – Amarcord Nino Rota (1981), Lost In The Stars: The Music of Kurt Weill (1985), Stay Awake: Various Interpretations of Music from Vintage Disney Films (1988), Weird Nightmare: Meditations on Mingus (1992), Closed On Account Of Rabies - Poems And Tales Of Edgar Allan Poe (1997), The Raven (de Lou Reed, também em torno de Poe, 2003), Rogue's Gallery: Pirate Ballads, Sea Songs and Chanteys (2006) e Son of Rogues Gallery (2013) – entregues nas mãos e talentos de gente vária, capitaneara para Burroughs os óptimos Dead City Radio (1990, com John Cale, Donald Fagen, Chris Stein e os Sonic Youth) e Spare Ass Annie and Other Tales (1993, com os Disposable Heroes of Hiphoprisy). 



E, sabemo-lo agora, pouco antes da morte de Burroughs, em 1997, recrutara o guitarrista Bill Frisell, o teclista Wayne Horwitz e o violinista Eyvind Kang, para criarem a moldura sonora numa leitura de textos de Naked Lunch. Segundo Willner, em linguagem convenientemente burroughsiana, esses registos ficaram, até hoje, “abandoned and collecting dust on a musty shelf as forgotten as a piece of rancid ectoplasm on a peep show floor”. Quase vinte anos depois, e decisivamente enriquecido pelos contributos do canadiano Arish Ahmad Khan/King Khan, do compositor, “performer” e contra-tenor novaiorquino M Lamar, e da banda psych/punk australiana The Frowning Clouds, Let Me Hang You, abrindo com a voz de além-túmulo de Burroughs a proclamar “They call me The Exterminator!”, é mais uma belíssima peça no glorioso cânone de psicose e devassidão de, segundo Norman Mailer, “the only living American novelist who may conceivably be possessed by genius"