EM MARCHA-ATRÁS
Simon Reynolds - Retromania: Pop Culture’s Addiction
To Its Own Past
To Its Own Past
Black Lips - Arabia Mountain
Como Simon Reynolds escreve na última linha de Retromania, também eu prefiro acreditar que “the future is out there”. Mas, justamente da mesma forma que ele (em todas as outras 400 e tal páginas), partilho daquela insegurança que J.G. Ballard, em Myths Of The Near Future, definia assim: “Resumiria o meu medo em relação ao futuro numa só palavra: aborrecimento. É esse o meu único medo: que tudo tenha já acontecido, que nada de novo, excitante ou interessante possa acontecer outra vez, que o futuro seja apenas um vasto e resignado subúrbio da alma”. Pode dizer-se que, de modo avassaladoramente erudito, extensamente documentado e persuasivamente argumentado, todo o livro de Reynolds é uma imensa variação, em três andamentos – “Now”, “Then” e “Tomorrow” – e doze capítulos, em torno dessa possibilidade inquietante. A questão de fundo nada tem a ver com a criação como reciclagem e reformulação de formas, estilos, géneros e atitudes do passado: na pop e fora dela, a amnésia nunca foi um ponto de partida e, reconheçamo-lo, a reivindicação de inovação, ruptura e “progresso” estético permanentes é uma obsessão razoavelmente recente. O que assusta Reynolds é outra dúvida: “No cenário musical contemporâneo, o que existe de suficientemente rico e fértil – isto é, suficientemente não-derivativo – para alimentar futuras formas de revivalismo e retro? É inevitável que, em determinada altura, a reciclagem acabará por degradar a matéria-prima para além daquele ponto em que algum valor ainda dela possa ser extraído”.
Exactamente ao contrário do que possa parecer, não se trata de desvalorizar a cultura pop actual relativamente à das décadas anteriores: o perigo decorre, sim, de – na era das mil-e-uma reedições, dos revivalismos, das "new-waves" de inúmeras outras "new-waves", dos museus e "rock curators" (o episódio da visita à British Music Experience, assombrada, à saída, pela figura de Johnny Rotten, uivando “No future!” é memorável), dos documentários de nostalgia histórica, da "super-hybridity", do sampling, do "record-collection rock", do tempo e do espaço eterna e infinitamente ressuscitados e preservados no YouTube – o passado sufocar o presente e colocar em risco a viabilidade do futuro.
Eric Harvey, da “Pitchfork”, dizia que “os anos zero parecem destinados a ser a primeira década da pop que irá ser, essencialmente, recordada pela tecnologia musical (Napster, Soulseek, Limewire, Gnutella, iPod, YouTube, Last.fm, Pandora, MySpace, Spotify), "super-brands" que ocuparam o lugar de super-bandas como os Beatles, Stones, Who, Dylan, Zeppelin, Bowie, Sex Pistols, Guns’n’Roses ou Nirvana” e Vivienne Westwood (ambos citados por Reynolds), já em 1994, declarava “Modern is a question we have to abandon”. Resta, então, um paradoxo à espera de resolução: “Na era analógica, a vida quotidiana movia-se lentamente (...) mas a cultura como um todo, parecia avançar. No presente digital, a vida quotidiana assenta na hiper-aceleração e na quase instantaneidade (...), mas, ao nível macrocultural, as coisas parecem estáticas e imobilizadas”.
+ parte 4
Na frente pop propriamente dita, não serão, de certeza, os Black Lips a resolvê-lo. E não deixa de ser esclarecedor passar os olhos pelas "reviews" de Arabia Mountain que os incensam na qualidade de messias do garage-rock, todas elas centradas na fidelíssima produção “faux-60s” de Mark Ronson, na utilização de “retro recording techniques”, no “Nuggets style playbook” a que, caninamente, obedecem, e na “retro-rock reverence” de que dão provas. Tudo verdades indiscutíveis, ainda toleráveis numa banda de caloiros mas irremediavelmente retromaníacas quando se trata de um sexto álbum.
(2011)