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01 December 2009

ATMOSFERA DE NOVA IORQUE



Shara Worden parece genuinamente surpreendida (e feliz) por receber, vindo de Lisboa, um telefonema de alguém interessado em conversar com ela sobre a música que, nos My Brightest Diamond, compõe e interpreta. E, assim que se lhe pergunta por que motivo alguém com irrepreensível formação clássica – da Universidade de North Texas, a Moscovo e Nova Iorque – “acaba” como elemento de uma banda pop, ri-se com vontade e responde: “Mas eu, enquanto estudava, cantava também em bandas de rock. Gosto muito de ópera e de música clássica mas o que realmente prefiro é compor e escrever canções. Acabou só por ser uma questão do que me sentia impelida a fazer”. É um belo ponto de partida. Porque a educação académica de Shara – essencialmente centrada no canto lírico e na música de Purcell e Debussy – parece tê-la imunizado contra os portentosos desastres que, no passado, decorreram das colisões frontais entre rock e música clássica.



Ela confirma e exemplifica: “Quando estava a compor A Thousand Shark’s Teeth, escutei bastante as canções de Samuel Barber e os primeiros quartetos de cordas de Webern, apetecia-me explorar essas áreas musicais. É por isso que, em ‘Apples’, há todos aqueles pizzicatos, a melodia das cordas se transfere de uma voz para outra... todos esses compositores do meio do século passado encaravam o colorido tímbrico como melodia em vez de se apoiarem sobretudo na harmonia para impulsionar a música. Foi algures por aí que procurei encontrar um terreno de compromisso: não estava a escrever música clássica, era pop, mas tentava descobrir uma forma de utilizar essa linguagem neste contexto. Por exemplo, em 'The Diamond', imaginei como poderia soar ali o crescendo das cordas do Adagio For Strings, do Barber”.



A verdade é que não é espécime único: um pequeno contingente de "meninas do conservatório" – Regina Spektor, Joan "As Police Woman" Wasser, Christina Courtin, St. Vincent/Annie Clark –, povoa a cena indie nova-iorquina: “Conheço-as, são todas minhas amigas. Há, de facto, aí, qualquer coisa especial. Aquela sensação de, quando encontramos alguém pela primeira vez, nos apercebermos logo de que temos algo em comum. Não que falemos muito acerca disso mas há, definitivamente, uma empatia a esse nível”. E corrige logo a minha imprecisão "de género": “Mas também há diversos homens. Não falando sequer no Sufjan Stevens (com quem ela colaborou), existem também o Bryce Dessner e o Padma Newsome (que foi meu professor), dos National; estudaram ambos em Yale: um, guitarra clássica e, o outro, composição e viola de arco. E o Rob Moose, que tem tocado comigo e com o Antony. Em Nova Iorque, respira-se uma atmosfera muito especial: há escolas como a Juilliard e a Manhattan School Of Music mas as pessoas estão expostas a uma tão grande diversidade de músicas que há, simultaneamente, um desejo enorme de experimentação e uma imensa disponibilidade de músicos excelentes. Apoiamo-nos muito uns aos outros, colaboramos em imensas coisas”. E, quando se encontram todos, entretêm-se com uns quartetos de Beethoven? (gargalhada sonora) É... e eu canto umas canções do Pierrot Lunaire, do Schoenberg...”.



Dos dois álbuns dos My Brightest Diamond, o segundo – A Thousand Shark’s Teeth – estava, originalmente, destinado a ser uma continuação em versão-quarteto de cordas do primeiro, Bring Me The Workhorse. Mas, pelo caminho, os planos foram drasticamente alterados: “A primeira de várias questões importantes foi eu ter-me apercebido que, em A Thousand Shark’s Teeth, havia muito poucas canções que me apetecesse tocar ao vivo. Depois da digressão de Bring Me The Workhorse, tive de tomar decisões. Gravei, então, 'Inside A Boy', 'From the Top of the World' e 'Ice and The Storm' que são as canções mais upbeat do álbum e as mais capazes de ser interpretadas em palco. Existiam versões de ‘Dragonfly’ e ‘Disappear’ mais longas e menos rock’n’roll e interroguei-me por que caminho pretendia, realmente, levá-las. Foi por essa altura, que imaginei que um disco de canções só com um quarteto de cordas era mesmo o que desejava fazer. Mas, a partir de certo ponto, comecei a pensar que seria óptimo poder acrescentar uns sopros aqui e ali, umas percussões acolá, e dei comigo a adicionar, a adicionar... Mas muitas canções são reflexos de outras. Para mim, há paralelismos entre ‘Something Of An End’ e ‘Inside A Boy”, por exemplo. São canções que fazem parte da mesma família, que fazem um uso idêntico do texto, que partilham uma linguagem semelhante”.



A “família” das referências eruditas de Shara, no entanto, não está fechada a outras provenientes da pop: “Só para lhe dar um exemplo, Shark’s Teeth foi definitivamente influenciado pelo Alice, do Tom Waits, pela ‘côr’ geral dele. Descobri o engenheiro de som que tinha sido responsável pela gravação e mistura desse álbum e do Blood Money, o Husky Höskulds, e consegui que fosse ele também a gravar e masterizar o nosso. Queria aquelas tonalidades escuras – com muitas marimbas, violinos, saxofone, clarinete-baixo – que havia no Alice. Mas há também muitos artistas visuais como o Anselm Kiefer ou o Robert ParkeHarrison que sinto como importantes para que faço. Ambos têm como matéria de trabalho a procura da compreensão do lugar do homem no universo e de um sentido de responsabilidade para com o planeta e de uns para com os outros o que, certamente, estava presente em A Thousand Shark’s Teeth, juntamente com o tema da morte e com certos traços mais banais do trabalho humano: seja no que diz respeito às relações laborais ou aos aspectos mais prosaicos e aborrecidos das actividades diárias e ao desejo de lhes fugir. Pode dizer-se que metade desse disco foi escrita um pouco aleatoriamente e a outra metade teve uma intenção muito mais pronunciada de explorar esses temas”.



E, em palco *, poderemos sonhar com o pequeno luxo da orquestra de câmara? (nova e espontânea gargalhada) Quem me dera, meu amigo!... No concerto de lançamento do disco, pude recorrer a uma orquestra de câmara. Mas, para estes concertos, será uma versão muito mais despojada: só bateria, baixo e eu, numa diversidade de instrumentos, alguns deles, electrónicos. Será uma imagem muito mais crua e descarnada capaz de estabelecer uma relação mais directa e imediata. Pelo menos, é o que eu espero que aconteça. Mas não sei, é melhor, depois, dizer-me como foi!...”

* 2/12/09 Lisboa, São Luis; 4/12/09, Coimbra, Teatro Gil Vicente; 5/12/09 Espinho, Academia de Musica

(versão integral da entrevista publicada no "Actual"/"Expresso" de 28.11.09)

(2009)

18 October 2009

JUILLIARD POP



Christina Courtin - Christina Courtin

Imaginem o que poderia ser, em termos actuais, uma superbanda: o guitarrista Marc Ribot (Tom Waits e inúmeras outras notabilidades de downtown-New York), Greg Cohen (baixista e acordeonista de currículo semelhante com Laurie Anderson pelo meio, aqui, também, enquanto co-produtor), o teclista Benmont Tench (ele, fidelíssimo dos Heartbreakers, de Tom Petty, mas também regular de Johnny Cash, U2, Sam Phillips, Bob Dylan, Roy Orbison, Rolling Stones, Elvis Costello e Fiona Apple), o baterista Jim Keltner (não há espaço para incluir metade dos ilustres), o multi-instrumentalista, produtor e "film-musician", Jon Brion (Aimee Mann, a bela Fionna, Brad Mehldau e filmes de P.T. Anderson e Michel Gondry na carteira) e ainda outras notabilidades injustamente avulsas.



Estão todos no álbum de estreia de Christina Courtin, recém-licenciada da Juilliard em violino e – como Joan Wasser, Shara Worden ou Regina Spektor, outras tantas "meninas de conservatório" – óptima e erudita "songwriter" (algures entre o melhor de Kristin Hersh, Joni Mitchell e Spektor), capaz de escrever “I thought I was a person too, turns out I’m a monster just like you” e de, por só, episodicamente, aqui, pegar no violino, desafiar a velha escola com a frase (no seu site) “Take that, Juilliard!”.

(2009)