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05 August 2008

MESMO COM UNS DIAS DE ATRASO, HÁ SEMPRE
UMA OU OUTRA ABKHAZIA ESCONDIDA
A QUE CONVÉM ESTAR ATENTO...




aqui, aqui e aqui

(2008)

19 June 2008

ABKHAZIA UND TRANSNIsTRIA ÜBER ALLES!
 
  (2008)
KRAUTROCK WEEK (IV)


DAF - "Der Raeuber und der Prinz"



DAF - "Der Mussolini"



(2008)
KRAUTROCK WEEK (III)


Holger Hiller - "Ohi Ho Bang Bang"


Die Tödliche Doris - "Berliner Küchenmusik"



(2008)

18 June 2008

DOCES NADAS


Há um ano, esta era a música do passado. E de um passado consideravelmente distante. Hoje é, pelo menos, uma das músicas do futuro. Haverá alguma lição a retirar daí? Provavelmente só aquela que ensina que, daqui em diante, vigora a mais absoluta amoralidade estética. Por outras palavras, não há princípios firmes e eternos. Se o «easy listening» (em leitura contemporânea, «E-Z listening») era uma história longínqua de avós às voltas com a decoração de interiores e a melhor forma de não incomodar os ouvidos dos convidados durante a «cocktail-party», agora, acha-se reconvertido em «música ambiente» respeitada e aceitável, reivindicando-se de Mozart, Satie, Cage e Brian Eno. A verdade é que sempre foi assim. Pensava-se em Ray Coniff, Percy Faith e Martin Denny e regressavam a galope os fantasmas da «música de fundo» decorativa e descartável... Mas se os nomes fossem Eno, Chet Baker ou Debussy, o escudo de respeitabilidade cultural já era diferente. O problema (se existe um problema...) é que já ninguém pensa muito nisso. Nenhum é melhor do que os outros e, se se trata de aromatizar a atmosfera com sons, é apenas uma questão de gosto.


Yma Sumac - "Pachamama"

Mike Flowers, a recente vedeta E-Z - após a versão de «Wonderwall» dos infinitamente inferiores Oasis -, fala, com toda a razão, dos conceitos de «pop orchestra» e «expanded combo». Explica logo a seguir que se trata de um «não-género» com referência à canção popular, ao jazz, à música latina, à pop, ao rock, à folk, ao country e ao classicismo orquestral, misturando «os sons exóticos de Bacharach e Bjork, a perspectiva histórica e caleidoscópica do cravo eléctrico e a exuberância de Jimmy Webb» num cadinho psicoacústico que convida o público a saborear «as atmosferas criadas pelos Velvet Underground e Sérgio Mendes, apimentadas por Prince, com um toque de tijuana». Tem programa e tudo: «A nossa ética é essencialmente positiva, desafiamo-nos a esquecer as diferenças e a procurar um terreno comum. Depois, descontraiam-se e divirtam-se pois trata-se de uma atitude não competitiva em que o objectivo é o prazer e a aceitação mútua, um divertimento democrático e espectacular para toda a família». Como escreveu Christophe Conte, em «Les Inrockptibles», a propósito das versões de Mike Flowers para «Wonderwall», e «Light My Fire», «tudo bem pesado, qual dos dois grupos é mais 'kitsch', Mike Flowers Pops ou Oasis? Qual dos dois cantores roça mais de perto o ridículo, Mike Flowers ou Jim Morrison?». Aceitam-se todas as respostas, rejeitam-se os conflitos entre «Please Release Me», de Engelbert Humperdinck, e «All Tomorrow's Parties»/«Venus in Furs»/«White Light White Heat», dos Velvets, em nome do ecumenismo E-Z (não é a «Velvet Underground medley», como diz Mike Flowers, a «ambient section» dos seus concertos em que o ambiente é Nova Iorque?) e compreende-se inteiramente que os Tindersticks encomendem partituras a Juan Garcia Esquivel, o papa exótico da música de vida fácil.


Frank Pourcel - "Concorde"

Para conferir profundidade histórica ao empreendimento, existem também as reedições em CD de Dig It e The World of James Bond/Adventure, oriundos da época em que o «easy listening» dava novos mundos sonoros ao mundo. Acompanhando o desenvolvimento dos sistemas de alta-fidelidade, «Dynagroove», da RCA, «Dynacoustic», da Somerset, «Visual Sound Stereo», da Liberty, «Living Presence Series», da Mercury, «360 Degree Sound», da Columbia, ou «Full Dimensional Stereo», da Capitol, o «Phase Four Stereo», da London, distribuía vozes e timbres instrumentais pela esfera acústica e, com as orquestras de Frank Chacksfield, Larry Page, Ted Heath, Roland Shaw, Ivor Raymonde ou Ronnie Aldrich, convertia a subversiva pop emergente em amenas aguarelas sonoras capazes de estimular digestões difíceis e aplacar conflitos domésticos. Ontem como hoje, de «Tequilla» a «These Boots Are Made for Walking» ou às composições de John Barry para James Bond, a receita era eficaz e, no final da refeição, havia sempre lugar para os «40 exotic rhythms from the ruler of all things latin», isto é, Edmundo Ros, celebridade da rádio, «superstar» absoluta do início dos anos 60 nos clubes noturnos londrinos, favorito da realeza e das donas de casa. Rumbas, sambas, temperos exóticos, «pop à la carte» ou árias de ópera com molho de calypso faziam as delícias dos convivas.


Martin Denny - "Exotica"

Algo mais vanguardistas (entendam a palavra como quiserem) eram Les Baxter, Martin Denny, Chick Floyd, Yma Sumac ou os 80 Drums Around the World. Nenhum deles sabia mas, nos anos 50, estavam a inventar o conceito de «world music», observado sob a perspectiva «naive» americana. Chamavam-lhe «exotica», combinava sons da Polinésia, da China, do mundo árabe, de África, da Índia, do Hawai e do coaxar das rãs e gerou personagens únicas como Les Baxter, explorador pioneiro do «theremin» e único compositor em simultaneo para os filmes de Ingmar Bergman, Roger Corman e Ed Wood. Exportam-nos, hoje, ao lado de receitas para «cocktails», evocações de colonialismo turístico e aventuras na selva. Espécimes destes e muito mais é o que consta de Mondo Exotica e da série Ultra Lounge, da Capitol, que promete poesia pura em títulos como Bachelor Pad Royale, Space Capades, Wild, Cool & Swinging, Rhapsodesia, Cha Cha de Amor, Organs in Orbit ou Saxophobia...



(1996)

17 June 2008

KRAUTROCK WEEK (II)


Palais Schaumburg - "Wir bauen ein neue stadt"


Palais Schaumburg - "Hat Leben noch Sinn?"



(2008)

16 June 2008

KRAUTROCK WEEK (I)


Can - "Paperhouse" (1972)


Can - "I'm Too Leise" (1974)



(2008)

15 June 2008

MÚSICA DE VIDA FÁCIL


Em 28 de JuIho de 1945, um bombardeiro B25 da aviação americana colidiu com o 79° andar do Empire State Building. As chamas tomaram rapidamente conta dos túneis dos elevadores, destruindo os cabos e ameaçando cercar 50 pessoas retidas no 88° andar. Na edição do dia seguinte, o «New York Times» relatava: «Mesmo nesta terrível circunstância, o sistema sonoro continuou a emitir música gravada e os sons tranquilizantes de uma valsa ajudaram a que todos se controlassem». Como exemplo extremo das virtudes da «música para elevadores», é dificil encontrar melhor. Chame-se-lhe «easy listening», «moodsong», «música ambiente» ou «muzak», há que reconhecer que a sua história é algo mais ilustre e antiga do que, à primeira vista, se diria. Mesmo sem recuar à mitologia grega, à musica das esferas pitagórica ou à primeira banda sonora generosamente oferecida par Nero ao incêndio de Roma, os antecedentes não podiam ser mais ricos nem numerosos: na Utopia, Sir Thomas More não se esquecia de referir que, entre outros benefícios de uma sociedade justa e igualitária, «nenhum jantar deveria ter lugar sem música»; o arcebispo Coloredo encomendava peças a Mozart e esclarecia que, esperando companhia para uma refeição, desejava «uma serenata agradável, mas que não perturbe a conversa nem a digestão», enquanto Telemann se dedicava à «Musique de Table». Bach, pelo seu lado, respondia ao pedido do Conde Kaiserling que lhe solicitava tratamento adequado para um grave problema de insónias, escrevendo as Variações Goldberg de acordo com a prescrição que exigia «uma invariabilidade constante da harmonia fundamental» como sedativo sonoro apropriado.


Erik Satie - Gymnopédie nº 1

Deve ter sido, contudo, Erik Satie, que, muito antes da corporação Muzak ou de Brian Eno, teorizou acerca daquilo a que chamou «musique d'ameublement». Segundo uns, tudo teria nascido de uma conversa corn Henri Matisse sobre a criação de uma forma de arte «sem qualquer assunto nem objectivo, semelhante a uma cadeira de repouso». Outros, referem um jantar com Ferdinand Leger, num restaurante em que a orquestra residente tocava tão alto que forçava os comensais a abandoná-lo. O episódio terá levado Satie a reagir com um discurso inflamado em que defendia a existência de uma música «que faça parte dos ruídos ambientes e os tenha em consideração. Vejo-a melodiosa, dissimulando o som das facas e dos garfos, sem os abafar por completo. Preencheria os silêncios embaraçosos que, por vezes, se intrometem na conversa. Evitaria as banalidades habituais. Mais do que isso, neutralizaria os ruídos da rua que, indiscretamente, perturbam o cenário». Numa carta a Jean Cocteau iria mais longe, reclamando que ela estivesse sempre presente «em bancos, escritórios de advogados e cerimónias de casamento. Que ninguém entre em casa sem música ambiente». A 8 de Março de 1920, na Galerie Barzanges, concretizaria o conceito num arranjo para piano, três clarinetes e trombone, executado nos intervalos de uma peça de Max Jacob. E irritou-se seriamente quando os presentes se decidiram a prestar-lhe imensa atenção em vez de conversarem, deambularem e fazerem ruído...


Caberia, entretanto, ao brigadeiro norteamericano George Owen Squier inventar, nos anos 30, o conceito (e a empresa) «Muzak», jogando com as palavras «música» e «Kodak». Em torno dele giraria quase um século de «música ambiente», que passaria por nomes cruciais como Ray Coniff, Percy Faith, Jackie Gleason, Horst Jankowski, Bert Kaempfert, Andre Kostelanetz, Burt Bacharach, Francis Lai, Michel Legrand, Mantovani, Paul Mauriat, Malachrino, Norrie Paramor, Frank Pourcell, The Sandpipers, Swingle Singers, Liberace ou Lawrence Welk. Se a corporação Muzak se dedicou a elaborar estudos e monografias acerca dos efeitos da programação musical nos frequentadores de supermercados, na promoção da imagem das empresas ou na acção sobre o comportamento alimentar (chegando mesmo a determinar que a utilizaçãoo de «música funcional» nos locais de trabalho reduzia o absentismo em 88 par cento), outros retomaram a visão de Satie, caso do britânico Frank Chacksfield, que enquadrava a sua música num contexto de utilidade social: «A anfitriã musicalmente atenta já não permite que o marido ou o mordomo coloquem música no gira-discos ao acaso. Já não se arrisca ao perigo de a sopa ser perturbada por uma sinfonia de Haydn ou de que alguém se engasgue com o peixe porque uma trompete de jazz o assustou. Agora, ela possui uma música de fundo pronta a usar, elegante e adequada, que transforma a noite numa festa de prazer e nervos apaziguados». Pelo meio, esse desejo de decoração sonora de interiores impulsionaria avanços nas técnicas de gravação, enquanto, entre outros, os astronautas da NASA (mais tarde homenageados por Brian Eno em Apollo) confessavam preferir a escuta de Andre Kostelanetz nos seus passeios lunares.


Mantovani - "Kashmiri Song" (1938)

Houve, naturalmente, inimigos ferozes. O dramaturgo J.B. Priestley gabava-se de «ter deligado emissões de 'muzak' em alguns dos meIhores sitios», o cómico Spike Milligan declarava que «se a tranquilidade liberta a alma, a 'muzak' destrói-a», e um comentador americano definia Bill Clinton como «o equivalente político da 'muzak': apropria-se de temas sérios, e, a partir deles, cria portentosas geleias de retórica sem nunca assumir uma atitude decidida». Mas Andy Warhol adorava-a («Gosto seja do que for de 'muzak', é tão audível... devia passar na MTV») e Brian Eno recentemente explicou como a sua Music For Airports teve origem nos discos de Ray Coniff do tio, que ouvia antes de ir para a escola: «o importante não era a melodia nem o ritmo, mas aquele banho de sonoridades corais de que os Ray Coniff Singers eram um excelente exemplo».


The Ray Conniff Singers - "Golden Earrings" (1963)

A notícia, então, é que, se o «easy listening» sempre esteve por aí (nas salas de espera, nos centros comerciais, nas pausas dos telefonemas), agora ele está detinitivamente de volta. Melhor ainda, na moda. David Lynch e Angelo Badalamenti terão dado o pontapé de saída em Twin Peaks (é Badalamenti que conta como a sua música é material indispensável em consultas de psicoterapia), mas outros como os Enigma, Beautiful World, Deep Forest, El Bosco, Adiemus, Kenny G, Yanni ou o patriarca Vangelis encarregaram-se de levar a missão até ao fim, liofilizando o canto gregoriano, as raízes étnicas, a clássica, o jazz ou o rock. Os ensaios analíticos sucedem-se (Elevator Music, de Joseph Lanza, ou Ocean Of Sound, de David Toop, formulam as regras), e recém-chegados e clássicos redescobertos dão cartas.


Mike Flowers Pops, The Karminsky Experience, uma colectânea de Burt Bacharach, ou Esquivel do seminal mexicano Juan Garcia Esquivel são os sintomas próximos. O primeiro, de peruca loira e fatinho azul-petróleo, canta e dirige uma orquestra de treze elementos, teoriza sobre a extinção do pós-modernismo e gaba-se dos seus encontros com Gil Evans e John Cage. Tem 35 anos e faz versões arredondadas dos Oasis, Bjork, Beatles, Jimmy Webb, Black Grape, Velvet Underground e dos Doors. Frequentou a Chelsea School of Arts e acha que é libertador «encarar a música como entretenimento ligeiro em vez de arte». Com ele, tudo se resume ao regresso à estética de Sinatra ou Tony Bennett, seja qual for o pretexto. Prepara uma canção comemorativa do Campeonato da Europa de Futebol e uma versão de «Manic Depression» de Jimi Hendrix. Tem um CD prometido para Maio, que se segue ao primeiro single, "Wonderwall", dos Oasis, que tomou as tabelas de vendas britânicas de assalto.


Mike Flowers Pops - "Wonderwall"

The Karminsky Experience foram pioneiros do «easycore revival»: «Numa pequena cave do Soho, nos primeiros meses de 91, um grupo de boémios, frequentadores de clubes, international 'jet-setters' e modernistas japoneses encontraram-se para afastar a melancolia do Inverno. O choque dos copos de tequilla ecoava no ar como percussões vudu. Os DJ James e Martin Karminsky exploravam um ritmo soprado de outra dimensão». O que eles fizeram foi substituir os vinis de «rare groove» que não tinham possibilidades de adquirir por exemplares de «easy listening» disponíveis, descobrindo uma mina de «novos sons». É o que expõem agora em In Flight Entertainment, onde se alinham «Mambo Mania», de Bert Kaempfert, ou uma deliciosa versão latina de «Light My Fire» por Edmundo Ross ao lado de outros imortais do género com Paul Mauriat, Augusto Algueró, Michel Legrand ou o clássico «Tu Veux Ou Tu Veux Pas», de Brigitte Bardot. Todos tematicamente organizados em três andamentos: «O viajante de sofá», «O swinger» e «O observador curioso».


Dionne Warwick - "Do You Know the Way to San Jose"
(Bacharach/David, 1968)

Adorado por milhões, inspirador dos Portishead, Oasis, Massive Attack, Bjork, R.E.M. e K. D. Lang, Burt Bacharach é o indisputado papa do estilo. Iniciando-se nos anos 50 ao lado do letrista Hal David, especializou-se na composição de pequenas sinfonias de supermercado, unidades perfeitas de três minutos como «Do You Know The Way To San Jose?», «Raindrops Keep Falling On My Head» ou «This Guy's In Love With You», que foram interpretadas por nomes como Aretha Franklin, Barbra Streisand, Linda Ronstadt ou Dionne Warwick. Como observou Noel Gallagher, dos Oasis, exactamente o género de música que, se não chegar para seduzir uma dama, é melhor tirar daí a ideia... Acabado de editar, The Best Of Burt Bacharach contem 20 sugestões para outras tantas tentativas.


arranjo de Juan Garcia Esquivel para "Andalucia"
(pela Mr. Ho's Orchestrotica)

Juan Garcia Esquivel foi o mexicano que, nos anos 50 e 60, conciliou a estética «easy listening» com audácias experimentais, introduzindo timbres exóticos, sonoridades «espaciais» e instrumentos pouco explorados como o theremin e o ondioline. More Of Other Worlds, Other Sounds devolve-os agora em toda a sua glória estereofónica, no pico da alta tecnologia de 1962, usando os sistemas «Dual 35MM/120 CMPS». Tomando de empréstimo as palavras de Joseph Lanza em Elevator Music, «estes discos são o mais próximo a que a América chegou de criar um surrealismo genuíno e próprio. Agora que os 'media' colonizaram e esgotaram as regiões obscuras do espírito, transformando-o em puré feito de filmes e romances de terror, a 'mood music' encanta-nos com as suas paisagens exageradas de ordem e felicidade».



(1996)

14 June 2008

CITY GHOSTS (III)

Lisboa, Portugal, 2008

















(2008)
A HUMANIDADE NO SEU PIOR


Na margem do lago de Lucerna oposta aquela onde se situa o magnífico Centro Cultural projectado por Jean Nouvel, no café do hotel em que Stefan Winter e restante "staff" da Winter & Winter se hospedavam, as entrevistas quase simultâneas com "the Winter man" e Uri Caine (a cargo de Jorge Lima Alves e "yours truly"), a pretexto das incontornáveis Goldberg Variations na "versão Caine", já tinham há muito terminado. Mas, na minha mesa-Caine, com um gravador alimentado a pilhas chinesas compradas, de urgência, na única loja apropriadamente chinesa aberta, numa tarde de sábado, no irritantemente perfeito paraíso social suíço, a conversa informal pós-entrevista ainda continuava. E, a propósito de John Zorn, que ele próprio referira e com o qual também já colaborou, apeteceu-me pedir-lhe que, de uma vez por todas, me explicasse o que — sendo tanto ele, Uri Caine, como Zorn, de ascendência judaica — significavam realmente aquelas coisas da "Radical Jewish Culture" e da "Great Jewish Music" a que Zorn, na sua editora Tzadik (isto é, a "Justiça" hebraica mais fundamentalista), se dedicara de alma e coração, identificando como especificamente judeus músicos como Burt Bacharach, Marc Bolan ou Serge Gainsbourg que, para nós, desgraçados ignorantes da correcção étnica e política, eram apenas optimos... músicos.


E, de caminho, exibi-lhe o meu nariz, muito judeu: "Em Portugal, se calhar, somos quase todos árabes, celtas, judeus e tudo o que por lá passou. Mas praticamente ninguém quer saber disso, é um ancestral dado multicultural em que nunca nos lembramos sequer de pensar". E a América culturalmente sofisticada de Caine (muito mais culta do que a recente América "PC" de Zorn) depôs imediatamente as armas e reconheceu o equívoco: "Quase sempre, a invocação cega dessa herança cultural, étnica e política, acaba, como no caso de John Zorn, por coincidir com os programas da extrema-direita mais radical, mesmo quando — e será o caso dele — não se tem consciência disso. O horror do Holocausto, como o dos índios, dos vietnamitas, dos kosovares ou dos africanos não tem raça, é apenas a humanidade no seu pior". A seguir, contou-me duas histórias. A do pai dele, Caine (advogado, liberal, judeu-americano, que sempre educou os filhos nas tradições e preceitos judaicos inteiramente assumidos), que, quando pressionado para tomar posição pública contra uma manifestação de rua anti-semita, advogou o direito dos manifestantes a desfilar, como todos os outros, e, perante esse acto, a serem julgados pelo que faziam. Pelo que teve a casa violenta e agressivamente cercada pelos defensores do fundamentalismo judeu, talvez muito "PC", mas bastante pouco democráticos.


E, depois, a do próprio Zorn, judeu, familiar, cultural e etnicamente reprimido, que, como mecanismo de emancipação, arvorou o judaísmo (também como "marketing ploy") enquanto bandeira de algo que ele próprio não conhece assim tão bem. Ao ponto de, antes de um concerto na Holanda, se ter permitido provocar um seu devotadíssimo admirador perguntando-lhe, arrogantemente, se a comunidade judaica local tinha sido formalmente convidada. Ao que este, lhe respondeu que as entradas, naturalmente, eram livres... Uri Caine — também presente — tomou nota e, quando se encontravam os dois na sinagoga local, fez questão de lhe ler os nomes das vítimas do Holocausto, ali escritas, na parede, em hebraico. "Mas.. tu és capaz de ler hebraico?!", espantou-se Zorn. "Claro", respondeu-lhe Caine, "e tu que gostas de te mostrar como um judeu tão radical, empenhaste-te em aprender a falar japonês por motivos culturais, mas és incapaz de ler uma linha em hebraico". Moral da história: não será este, afinal, senão mais um episódio, na vertente cultural, daquela estúpida e eterna tragédia a que Amin Maalouf chamou As Identidades Assassinas?



(1999)

13 June 2008

PISAR (OU NÃO PISAR) O RISCO



Pianista de jazz já com respeitabilíssimo currículo noutros empreendimentos de feição iconoclasta realizados sobre obras de Wagner, Mahler e Schumann, Uri Caine propõe agora um revolucionário álbum de variações contemporâneas sobre as Variações Goldberg, de Bach, com recurso a DJ e coros.

Nesta sua reinterpretação das Variações Goldberg, a palavra-chave é, evidentemente, «variações». Um género que está profundamente enraizado na história da música clássica ocidental e do próprio jazz, mas que obriga a colocar uma pergunta: até que ponto é legítimo chegar num exercício de variações sobre outras variações que, para além do mais, são um dos momentos máximos da tradição musical europeia?
A princípio, pensei-as como um projecto para piano solo. Agarrei-me a essa ideia durante algum tempo mas, à medida que fui tocando com o grupo do álbum sobre Wagner, apeteceu-me seguir por essa via e ver o que poderia resultar daí. Quando a WDR se envolveu neste projecto, compreendi que tudo era possível. Poderia utilizar um coro, orquestra, um grupo de música antiga, o que quisesse, e, se o gravasse na Alemanha, ficaria quase de graça. Comecei por ficar assustado com a dimensão que isso assumia, mas acabei por compreender: se posso fazê-lo, porque não? A certa altura, dei comigo a imaginar listas do que poderia fazer. Uma das primeiras ideias foi compor cânones meus. Outra foi sugerir uma história da evolução do jazz. À medida que as sessões de estúdio se sucediam, percebi que pode haver muito boas ideias que não funcionam. Mas, sempre que me colocava um limite dizia-me também: e se, mesmo assim, eu arriscasse? Foi um processo de tentativa e erro. O momento de viragem aconteceu quando me dei conta de que, mesmo antes das gravações, havia quem não entendesse a ideia e era necessário incluir mais material original de Bach. Ainda que fosse tocado em sintetizadores idiotas, tinha de ser o ponto de partida compreensível. Agora poderá parecer um ponto de vista demasiado conservador. Poderia ter sido muito mais radical. Mas era importante encontrar algum equilíbrio.



Todas as suas últimas reinterpretações - de Mahler, Wagner e Schumann - foram dedicadas a compositores da tradição germano-austríaca. Há alguma razão especial para isso?
Não. É apenas a música que eu conheço desde os meus 15 ou 16 anos. Por essa altura, toda a gente odiava Wagner e dizia que era música nazi. Mas, quando comecei a olhar para as partituras, reparei que ninguém escrevia acordes assim antes de 1850. E pensei: «Quero lá saber do que vocês dizem, tenho de estudar isto!...» De qualquer modo, tanto nesse disco como nos outros, essa escolha «germânica» não teve nada de premeditado, aconteceu apenas assim.

Quando pegou nas Variações Goldberg, como é que decidiu quais as que deveria tratar mais ou menos «respeitosamente» e aquelas que iria retrabalhar de um modo radical?
Em primeiro lugar, gravei muitas versões de cada variação com diversos DJ, com o coro ou o quarteto de violas de gamba, por exemplo. Na verdade, até poderia ter sido interessante incluir cinco ou seis versões de cada variação que, na realidade, gravámos. Mas, através de um progressivo processo de eliminação, que também foi determinado pelas possibilidades de cada grupo de músicos ou cantores, procurei encontrar um ponto de equilíbrio em torno daquelas que eu tocaria ou que seriam abordadas pelos DJ. Também queria incluir variações em que os músicos de jazz tocassem o material de Bach com solos improvisados sobrepostos. Mas, depois de gravadas, à excepção das partes improvisadas, não me pareceram tão boas como quando era o ensemble barroco a tocar. Por isso, tive de ir fazendo ajustamentos e correcções de momento a momento.



Neste disco, qual é, afinal, o elemento estrutural que estabelece a ligação entre as variações de Bach e a sua releitura? É a grelha harmónica da ária inicial?
Fundamentalmente, sim. Mas também convém encarar isso com uma pitada de sal... Numa variação mais minimalista, em vez de pegar nos 32 compassos, escolhi apenas as quatro funções tonais de cada frase de oito compassos. Noutra peça como «Contrapunto» que é uma canção de «salsa», enxertei esses acordes na estrutura da canção e escrevi uma introdução que não tem nada a ver com eles. Nesse sentido, não estamos, de facto, a ouvir uma canção de 32 compassos mas a estrutura da canção articulada com a da salsa. Por vezes, também alterei o ritmo harmónico, de modo a que, inicialmente, os acordes se sucedessem muito rapidamente e, na parte intermédia, o andamento fosse duas vezes mais lento. Mas, de um modo geral - para além dessas ou de outras abstracções -, diria que 70% ou 80% seguem de perto o original. Não só de um ponto de vista literalmente musical como também na relação entre música de dança da época e música de dança actual, o humor de Bach e o meu, a componente religiosa ou as referências de Bach a outros compositores.

E há ainda aquele outro aspecto que Joseph Lanza refere em Elevator Music: escritas para atenuar o problema de insónias do Conde Kaiserling, as Variações Goldberg terão sido um dos primeiros exemplos de «easy listening»...
Claro. E é divertido que me fale nisso, porque eu queria mesmo que existisse uma variação que soasse como «muzak»! Não que eu goste muito de «muzak», mas brinquei um pouco com a ideia de fazer qualquer coisa à maneira do Esquível, que é um dos protótipos do «easy listening». Mas isso, juntamente com a ideia de gravar algo «exótico» ou com uma atmosfera «árabe», remete para a sua primeira pergunta: até onde deveria ir? Não quis fazer nada só porque sim.

Todas as versões excluídas - que, no total, poderiam ter dado origem a cinco CD - têm a ver com essa ideia de «não pisar o risco»?
Algumas sim. Mas outras tiveram a ver com o meu desejo de estabelecer contrastes. Por exemplo, um DJ poderia ter feito um trabalho magnífico mas, se a variação anterior fosse também com outro DJ, via-me obrigado a dizer: é uma pena mas, a seguir, tem de ser o coro. Foram decisões muito difíceis em que eu pensava «quero aproveitar isto mas não posso...»



Pode sempre publicar a Part II ou as «remixes» das Variações Goldberg...
Toda a gente me diz que não deveria fazê-lo... E, no entanto, podia, tenho gravações que nunca mais acabam... Há muito material novo. Se calhar, deveria tentar fazê-lo.

Curiosamente, as últimas obras de Bach, como a Arte da Fuga, a Oferenda Musical ou as próprias Variações Goldberg, que os seus contemporâneos - e os próprios filhos - encaravam como esteticamente conservadoras, foram aquelas que, nas gerações musicais posteriores e, em especial, no século XX, despertaram o maior interesse. Será, mais uma vez, aquela ideia de que os jornais de ontem só vão interessar às pessoas de depois de amanhã?
Sempre que alguém leva alguma coisa ao limite do possível, a revolta natural - neste caso, dos filhos contra o pai - é dizer não somos capazes de ir tão longe, por isso vamos mudar de paradigma. Procurar uma outra forma de expressão que, provavelmente, o próprio Bach achava demasiado simplista e, contrapontisticamente, demasiado tímida, popular e pouco profunda. Mas ele continuou a trabalhar nessa direcção enquanto a música progredia no sentido inverso, até aquele ponto em que, no século XX, Schoenberg se viu obrigado a justificar o que fazia com um novo sistema. O que é particularmente verdadeiro hoje, quando toda a música que permaneceu na memória colectiva está acessível. Podemos chegar a uma loja de discos e comprar a integral de Bach - que o próprio Bach nunca ouviu -, de Miles Davis, dos Beatles ou toda a música indiana. Apesar de adorar a música que estudávamos na universidade de Filadélfia, detestava que a atitude em relação ao jazz que eu tocava fosse tão snob ao ponto de o relegarem para o Departamento de Folclore.

Quando foi isso?
1976, 1977, acredite que por essa altura ainda era assim. Havia professores que gostavam de mim e me diziam «estás a desperdiçar o teu talento nessa merda». E eu dizia-lhes «mas qual merda? vocês sabem do que estão a falar? eu toco jazz no gueto, só a quatro quarteirões daqui, se vos parece uma coisa tão primitiva talvez não fosse mau irem até lá para saber como é... Lá porque são capazes de analisar Webern ou Schoenberg, isso não quer dizer que eles vos pertençam». Claro que essa análise é importante quando a música nos atinge a um nível instintivo do tipo gosto/não gosto e, depois, queremos compreender como isso funciona.


Uri Caine com o Dave Douglas Quintet

De contrário, é só autópsia: primeiro mata-se e depois analisa-se...
É isso mesmo. Sempre pensei assim. Quando há uma coisa a que reajo instintivamente quero saber porquê. E acabo por descobrir que tem apenas a ver com aqueles dois compassos e com aquela nota particular, naquele momento. Se ouvirmos os dois primeiros compassos da Variação 25, entramos instantaneamente noutro mundo. E, se os ouvirmos tocados pelo Glenn Gould, então já não regressamos... Há quem tente analisar as coisas a esse nível, mas aí eu já não sou capaz.

Outro aspecto interessante da personalidade de Bach era ele ser um devorador ávido da música da sua época, que tanto o fazia copiar compulsivamente as partituras de outros compositores - o que, no final da vida, o conduziu à cegueira - como o obrigava a enormes viagens a pé para os escutar ao vivo. Há também uma reprodução contemporânea dessa atitude nas suas variações, não há?
Muito mesmo. Uma das coisas que mais me impressionaram em Bach foi que, se, por exemplo, ele ouvia falar da música italiana, não se limitava a dizer «então, mandem-ma», mas fazia os possíveis e os impossíveis para ele próprio a copiar e fazer os seus próprios arranjos, de modo a poder interiorizá-la. Quando era miúdo, um dos meus professores também me mandava fazer isso. As Variações Goldberg são como a sua enciclopédia de fim de vida, onde ele dizia «isto foi o que eu aprendi acerca da música». Hoje eu posso misturar todos estes elementos diferentes, mas, para nós, nas variações de Bach, tudo soa apenas como música barroca. Na época, escutar uma canção de taberna no final deve ter sido um choque. Pode haver quem pense que é uma atitude demasiado ligeira afirmar que ele compôs as suas danças e eu componho as minhas. Mas o essencial foi garantir que tudo se articulasse com aquela harmonia.

Nestas suas variações há diversas linhas de força que caminham paralelamente: os cânones, as paródias à maneira de outros compositores, as danças, as intervenções dos DJ, os corais, a tal revisão da história do jazz... De que forma procurou estruturar tudo isso de modo a que daí resultasse a sua visão contemporânea das Variações?
Tive de utilizar a estratégia dos «file cards» do John Zorn. Ele organiza aquilo que compõe nesses «file cards» e depois procura uma ordenação que faça sentido. Fi-lo literalmente porque sentia que estava a perder o controlo da peça. A princípio tentei reproduzir a ordenação-tipo do próprio Bach mas, depois, decidi intercalar as peças de Bach com as minhas. Noutras vezes, procurei introduzir contrastes mais brutais e tive de reorganizar os «file cards».



Tanto nos seus álbuns sobre Mahler, Schumann, Wagner e, agora, Bach, como na série de «homenagens» de Hal Willner, nos discos de Zorn ou na própria estética das «remixes», tem-se afirmado um género quase autónomo. Parece-lhe algo que, no fundo, não é nada de novo na história da música, ou não denunciará isso uma certa desistência dos compositores de criar a sua própria música?
Parece-me que são ambas as coisas. Na melhor das hipóteses, é um diálogo com a tradição. Definitivamente ao contrário de Hal Willner e um pouco diferentemente de Zorn, não procuro demonstrar que possuo uma enorme colecção de discos, que conheço muita música e que vou juntar todas as referências possíveis porque é muito divertido e ainda ninguém fez nada igual... É o tipo de piada que se esgota depressa. A primeira vez que escutei os Naked City achei graça mas, depois, toda a gente em Nova Iorque começou a fazer o mesmo e só apetecia dizer chega, já ouvimos!... Por isso, é certo que o verdadeiro desafio é criar música que valha por si mesma, como se não existissem quaisquer pontos de referência. De contrário corre-se, realmente, o risco de se cair num beco sem saída onde já não se cria mais do que pastiches irónicos e distanciados, o que não me agrada muito. Eu gosto de me comprometer com o que faço, de sentir que o que faço é natural e que tem uma razão de ser. A questão está em saber até que ponto nos alimentamos duma tradição ou a subvertemos. O Irving Berlin, por exemplo, não gostava da forma como a Billie Holiday cantava as canções dele e, no entanto, são essas as versões que recordamos.

Como é que tem sido a reacção do «establishment» crítico mais académico aos seus álbuns?
A pior recepção que tive foi dos críticos americanos de música clássica. Não aceito, mas compreendo a razão por que se ofendem. Por motivos diferentes - «porquê recorrer a esse universo musical para descobrir temas sobre os quais improvisar?» -, também há críticos de jazz que se incomodam. Mas, de um modo geral, eu próprio me tenho surpreendido com as reacções positivas que tenho tido. Se, a princípio, hesitei em me aventurar por aí (apesar de esta ser música que eu conheço e estudo desde miúdo), compreendi que o facto de vir da tradição jazz não me deveria impedir de o fazer. Apesar de, na América - que toda a gente imagina como a pátria do jazz -, os músicos de jazz continuarem a ser extraordinariamente ignorados. Se andar pelas ruas de Nova Iorque e perguntar ao acaso quem foi John Coltrane, vai ver quantas pessoas lhe sabem responder...

E como é que pensa que será a reacção do público que nunca escutou as Variações de Bach? Não poderá acontecer (tal como quando ouvimos música árabe ou indiana que não somos capazes de contextualizar) que grande parte das suas intenções lhe escapem?
Com a forma das variações, temos, pelo menos, a justificação de que é suposto ser assim mesmo: quanto mais deslocados melhor. Mas também poderíamos fazer a mesma pergunta («tem a certeza que compreende o que está a ouvir?») ao público de uma execução das Variações de Bach. Claro que, não apenas na música, quanto mais conhecemos de algo, melhor o poderemos apreciar.



(1999)

12 June 2008

UM MOMENTO DE DISTENSÃO
E SUAVE FELICIDADE ALPINA:
YODELLING SUÍÇO






(2008)

11 June 2008

UM “IF” É SEMPRE DEMAIS



Silver Jews - Lookout Mountain, Lookout Sea

Concentrem-se nestas palavras de David Berman à “Pitchfork”: “Uma das regras que estabeleci para este álbum foi a de que não deveriam existir canções que não tivessem qualquer significado ou que usassem uma linguagem oblíqua. Cada uma é autosuficiente, começa num lugar a decifrar onde determinadas coisas aconteceram, e é definida por um certo espírito de ressaca. O segundo lado é mais feliz mas também mais pragmático. Como se tivesse celebrado um acordo de paz com um mundo corrupto. Existe um arco global em que, no primeiro lado, se situa o problema e, no segundo, a solução”. Todas são importantes mas é às primeiras – “uma das regras que estabeleci” – que há que prestar atenção: Berman, o novo Berman que “celebra acordos de paz” com o mundo, não desiste (exactamente como o “antigo”, em conflito permanente com o universo desordenado que lhe habitava o espírito) de formular normas apertadas de escrita. Mais ou menos disciplinado, o cérebro dele não prescinde de uma rotina mínima de sobrevivência ou, como canta em “Suffering Jukebox”, “You got Tenessee tendencies and chemical dependencies, you make the same old jokes and malaprops on cue”. As “Tenessee tendencies” persistem, as “chemical dependencies” parecem domesticadas, mas não deixa de haver uma ordem interior essencial a preservar.



Prestem, agora, atenção ao que ele diz a seguir: “Todos os meus álbuns anteriores terminavam com uma morte ou um adeus. Este termina com uma canção cantada por mim e pela Cassie que é uma espécie de canção de amor ‘country’ urbana. (...) Tanglewood Numbers foi a minha primeira tentativa de documentar o que poderia ser a vida após uma travessia do inferno”. Ou seja, esta será, sem dúvida, a segunda mas, aqui, as palavras-chave são “uma espécie de canção de amor ‘country’ urbana”. Poderíamos, sem grande problema, desvalorizar a contradição “’country’ urbana” – e ela está por algum motivo – mas é difícil não tropeçar na “espécie de canção de amor”. Em particular, se lhe escutarmos bem o refrão: “We could be looking for the same thing if you’re looking for someone, we could belong to each other if you’re not seeing anyone”. Há ali dois “if” e um “if” é já sempre demais. Em síntese, o inferno poderá ter ficado para trás mas não é seguro, nunca é seguro, que o paraíso (seja isso o que for) se encontre, ali, ao alcance da mão. O que fica, então?



Um álbum dos Silver Jews tão “feliz” quanto David Berman o consegue conceber (e ele mesmo se irrita com a sua obsessão pela fixação de uma identidade: “Odeio imenso o facto de ter uma consciência instintiva, primitiva, da ‘marca’, do que, em certos aspectos formais, deverão ser sempre os Silver Jews. Quaisquer desvios torná-la-iam sempre demasiado nebulosa”), que deambula por territórios reconhecíveis do cenário musical norte-americano – Lou Reed e os Velvet Underground em “San Francisco B.C.”, os Byrds em “Suffering Jukebox”, até os R.E.M. em “What Is Not But Could Be If” (outro “if”...) e, apesar de tudo, muito espectro de country-“noir” –, investe mais na narrativa escorreita de “short story” do que nos instantâneos subjectivos e impressionistas (“Aloysius, Bluegrass Drummer” é o melhor exemplo) e, por entre melodias nem sempre memoráveis, semeia aforismos e observações (“Romance is the douche of the bourgeoisie”, “she had become a vocal martyr in the vegan press” ou “I take decaf coffee, two sugars and one cream, I don’t see the use in staying up to watch TV” servem como boas amostras) que autorizam a suspeita de que David Berman ainda não se terá deixado submergir integralmente pela beatitude dos justos.



(2008)

10 June 2008

THE PLASTIC PEOPLE OF THE UNIVERSE

From January into August 1968, under the rule of Communist Party leader Alexander Dubček, Czechoslovakians experienced the Prague Spring. In August, Soviet and other Warsaw Pact troops invaded Czechoslovakia. This led to the overthrow of Dubček and to, in what came to be known as the normalization process. Less than a month after the invasion, Plastic People of the Universe was formed.



Bassist Milan Hlavsa formed the band which was heavily influenced by Frank Zappa (Plastic People being a song by Zappa and the Mothers of Invention) and the Velvet Underground in 1968. Czech art historian and cultural critic Ivan Jirous became their manager/artistic director in the following year, fulfilling a similar role the one Andy Warhol had with the The Velvet Underground. Jirous introduced Hlavsa to guitarist Josef Janicek, and viola player Jiri Kabes. The consolidated Czech communist government revoked the band's musicians license in 1970.



Because Ivan Jirous believed that English was the lingua franca of rock music, he employed Paul Wilson, a Canadian who had been teaching in Prague, to teach the band the lyrics of the American songs they covered and to translate their original Czech lyrics into English. Wilson served as lead singer for the Plastics from 1970 to 1972, and during this time, the band's repertoire drew heavily on songs by the Velvet Underground and the Fugs. The only two songs sung in Czech in this period were "Na sosnové větvi" and "Růže a mrtví", lyrics of both being written by Czech poet Jiří Kolář. Wilson encouraged them to sing in Czech.



After he left saxophonist Vratislav Brabenec joined the band and they began to draw upon Egon Bondy whose work had been banned by the government. In the following 3 years Bondy's lyrics nearly completely dominated the PPU music. In December 1974 the band recorded their first "studio" album, Egon Bondy's Happy Hearts Club Banned (the title being a play on The Beatles' Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band), which was released in France in 1978. (o resto aqui)



(2008)
A REPÚBLICA CHECA É UM PAÍS
DE PESSOAS MUITO SIMPÁTICAS



Eva Herzigova

(mais aqui)



(2008)
RECORDANDO ENCONTROS HISTÓRICOS:
LOU REED E VACLAV HAVEL (ex-Presidente
da REPÚBLICA CHECA)




Havel, Lou Reed: A friendship goes public for art

Former President Vaclav Havel points out that when he meets with seminal rock star Lou Reed, they never get much private time. "There are always people present", Havel told a crowd of reporters before the two had a public discussion in front of a standing-room-only crowd at Svandovo divadlo, in Prague's Smichov neighborhood.

Reed, not known for being extremely chatty, did most of the talking at the Jan. 10 show and at the press conference that preceded it. Much of the discussion was about art instead of politics - Havel is, of course, also a playwright. The evening also included music from the Plastic People of the Universe and the Velvet Underground Revival Band.

Reed did condemn U.S. President George W. Bush for planning to spend $40 million (920 million Kc) on his inauguration, when the money could go to support relief efforts in countries devastated by the Dec. 26 tsunamis.

The only disagreement of the evening was over pop star Michael Jackson. Reed said, "I think Michael Jackson is one of the greatest dancers in the world ... the Fred Astaire of our generation".

Havel hosted Jackson at Prague Castle during the singer's 1996 History tour. "I recognize his skills, but I must say I am not a fan", Havel said. He said he had a brief conversation with Jackson and found him to be uninteresting.



At the end, Havel had a chance to ask Reed a question. He asked whether Reed would ever want to be president. Reed said that he wouldn't. "I lack certain people skills", he said. "I'd like to be a kingmaker instead of king".

Reed's question for Havel was much simpler. He asked if Havel still wrote in longhand or uses a computer. Havel now uses a computer. "But I'm afraid if I hit the wrong key I'll delete everything", the playwright admitted.

Reed told Havel, "Remember rule No. 1: Back up, back up, back up". He also recommended that Havel switch to Apple computers.

Earlier, Havel commented that he now has fatigue from writing because he did so much as president, including writing his own speeches. He also worries people would expect too much from a new play.

After the discussion, Havel asked Reed to play "Perfect Day," one of his more moving songs. After a solo rendition of that, Reed joined the Velvet Underground Revival Band for "Sweet Jane". He concluded with "Dirty Boulevard", one of the songs he played when he visited the White House with Havel in 1998. He said he had to provide the lyrics to the White House for advanced screening and that this song caused the most trouble. (The Prague Post, Jan. 13, 2005)

(VÍDEO da Columbia University - em nove partes - onde Lou Reed fala sobre os seus encontros com Vaclav Havel ---> aqui)



(2008)
DIA DA RAÇA


Hino nacional da República Checa (país irmão da Abkhazia)



(2008)

09 June 2008

IMPORTA-SE DE REPETIR?...



... é no que dá o delírio patriótico da bola... um gajo deixa-se contaminar pela doença colectiva, às duas por três, escorrega no "freudian slip" * e não é bonito de se ver.

* "A Freudian slip, or parapraxis, is an error in speech, memory, or physical action that is believed to be caused by the unconscious mind. Some errors, such as a man accidentally calling his wife by the name of another woman, seem to represent relatively clear cases of Freudian slips. In other cases, the error might appear to be trivial or bizarre, but may show some deeper meaning on analysis. As a common pun goes, "A Freudian slip is like saying one thing, but meaning your mother." A Freudian slip is not limited to a slip of the tongue, or to sexual desires. It can extend to our word perception where we might read a word incorrectly because of our fixations. It is important to note that these slips are semi-conscious. This is to say that these thoughts are consciously repressed and then unconsciously released".



(2008)
COSTELLO INSTANTÂNEO



Elvis Costello & The Imposters - Momofuku

Esta rodela de plástico e respectiva embalagem estiveram à beira de nunca chegar a ter existência física. Porque o plano de Elvis Costello era, numa primeira fase, publicar Momofuku exclusivamente em formato de duplo vinil e, a seguir, colocá-lo para “download” na Net, eliminando o suporte CD. Essa sua sintonia com o espírito dos tempos acabaria, no entanto, abalada por argumentos supostamente persuasivos que o convenceram a não dar ainda esse (realmente inevitável) passo. Em tom caracteristicamente agridoce, porém, disso ficaram vestígios no texto de “No Hiding Place”: "In the not very distant future/When everything will be free/There won't be any cute secrets/Let alone any novelty". Não será exactamente o caso, embora este álbum (baptizado em homenagem a Momofuku Ando, inventor das massas instantâneas japonesas, por analogia com o processo expedito de gravação) não ande demasiado longe do que poderia ser Costello + Imposters “by numbers”: óptimas canções em modo “back to basics”, rock’n’roll inteligente, duro, instintivo e melódico, amigos vários (Jenny Lewis, David Hidalgo) a refrescar a atmosfera. “No novelty” mas bom.



(2008)

08 June 2008

OSSADAS E FANTASMAS



Phoebe Killdeer & The Short Straws - Weather’s Coming

Quantos “songwriters” conhecem capazes de declarar sem pestanejar que são fãs da música de Tom Waits desde... os oito anos? Phoebe Killdeer afirma-o e sobram as razões para a admirarmos por isso. Em primeiro lugar, porque, em situação idêntica – publicação de um álbum de estreia que transpira Waits por todos os poros –, o reflexo industrialmente condicionado da maioria seria negar a pés juntos que alguma vez lhe tivesse passado pelos tímpanos a música de tal personagem. Ou, no máximo, que “sim, é uma influência entre outras mas nada do outro mundo”.



Depois, e mais importante, porque sendo esse, obviamente, o modelo, ninguém, até hoje, conseguiu fazê-lo literalmente seu de uma forma tão entranhadamente individual. Weather’s Coming, após os primeiros ensaios com os Basement Jaxx e Nouvelle Vague, é, seguramente, a mais assombrosa estreia musical de 2008 do que, em rigor, se deverá descrever como PJ Harvey incorporando a alma de Tom Waits e levando de arrasto os também reivindicados Nick Cave, Carmen McRae e Yma Sumac: canções como desmazeladas teias de aranha que capturaram um ou dois despojos de ossadas rítmicas, meia dúzia de fantasmas de jazz esquartejado e cacos sortidos de banjos, tubas, ondas Martenot, vibrafones e guitarras epilépticas. Mais, já!



(2008)