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24 March 2021

OLD, WEIRD BRITANNIA
 

"Sumer Is Icumen In" é o mais antigo cânone inglês, escrito no dialecto de Wessex do Middle English, na segunda metade do século XIII. O manuscrito no qual foi descoberto encontrava-se na abadia de Reading e é incertamente atribuído tanto a John Farnsette – monge dessa abadia – como a W. de Wycombe (aliás, Willelmus de Winchecumbe ou William of Winchcomb), compositor e copista do Herefordshire. Ouvimo-lo já neste século no preciosíssimo 1000 Years Of Popular Music (2003), de Richard Thompson – essa fantástica viagem que se inicia, justamente, com "Sumer Is Icumen In" e, passando por Orazio Vecchi, Thomas Morley, Gilbert & Sullivan, Cole Porter, Easybeats, Kinks e tradicionais vários, se conclui, em glória, com Britney Spears –, e, mais recentemente, como porta de entrada em forma de "sample", para Half-Light (2017), do Vampire Weekend foragido, Rostam Batmanglij. Serve, agora, também como título de mais uma colectânea da Grapefruit, selo da Cherry Red para raridades museológicas: Sumer Is Icumen In: The Pagan Sound of British & Irish Folk 1966-1975.(daqui; segue para aqui)
 
Spriguns Of Tolgus - "Flodden Field"

07 May 2019

ENSAIOS E HAIKUS


Em Maio de 2018, cinco anos após a publicação de Modern Vampires of the City, Ezra Koenig anunciou ao mundo que, o novo álbum dos Vampire Weekend (intitulado “Mitsubishi Macchiato”) estava “94.5% concluído”. Aparentemente, os 5.5% que faltavam terão sido os mais difíceis uma vez que foram necessários outros doze meses para que o afinal designado Father of the Bride fosse publicado. Se, no início, terá estado uma interrogação essencial – “Porque precisaria o mundo de mais um capítulo nesta história?” –, na verdade, como explicou Koenig ao “New Musical Express”, ter-se-á tratado apenas de converter em modus operandi viável o velho lema de dar tempo ao tempo: “Por vezes, tenho a sensação que devo começar a trabalhar muito rapidamente, outras vezes parece-me que posso ir mais repousadamente. Quando temos um problema para resolver, primeiro, pensamos muito nele e, depois, conscientemente, metemo-lo na gaveta. Vemos televisão, vamos passear o cão, e, de súbito, a solução aparece. É a música que nos guia”. E a solução surgiu em tal abundância que chegou a ser considerada a possibilidade de assumir a forma de dois álbuns duplos com 23 canções cada, “uma espécie de mapa do genoma humano”.  


Father of the Bride (entre várias outras pistas, obliquamente inspirado no filme homónimo, de 1991, com Steve Martin e Diane Keaton, remake do de Vincente Minnelli, de 1950, com Spencer Tracy e Elizabeth Taylor), acabaria por se ficar pela duração de uma hora e 18 faixas, algumas de um minuto e picos, outras, chegando aos cinco: “Umas são ensaios, outras são haikus. Neste momento, 10 ou 12 canções já não nos chegam. Se fosse mais curto, teríamos de deixar de fora momentos importantes”. Na verdade, depois da saída do fundador Rostam Batmanglij, a necessária reconfiguração da banda – agora, Koenig, Chris Baio, Chris Tomson e, em palco, mais quatro músicos que se ocupam de, pelo menos, quatro teclados e duas baterias – teve de se acomodar às múltiplas actividades extracurriculares de Ezra: o programa bissemanal, “Time Crisis”, na Apple's Beats 1 radio (política, História e erudição pop), a criação da série de animação americano-nipónica da Netflix, Neo Yokio (fantasia e metáfora política com as vozes de Jude Law, Susan Sarandon e Jason Schwartzman), a participação na banda sonora de Peter Rabbit e o apoio à candidatura presidencial de Bernie Sanders. 


De certo modo, tudo isto se reflecte naquilo que Father of the Bride veio a ser: a sua natureza profunda de “livro de recortes” e "bits and pieces", o intrincado jogo de referências cruzadas e pistas (mais ou menos) ocultas, o delicado equilíbrio entre frivolidades e comentário socialmente atento. Por vezes, em simultâneo: "Harmony Hall" combina o olhar desencantado sobre a América de Trump (“And the stone walls of Harmony Hall bear witness, anybody with a worried mind could never forgive the sight of wicked snakes inside a place you thought was dignified") com a constatação da impossibilidade de não tomar posição (“Anger wants a voice, voices wanna sing, singers harmonize 'til they can't hear anything, I thought that I was free from all that questionin' but every time a problem ends, another one begins”), a ácida alusão à identidade judaica (“Beneath these velvet gloves, I hide the shameful crooked hands of money lender, ‘cause I still remember”) e a piscadela de olho auto-referencial (“I don't wanna live like this, but I don't wanna die”, picada de "Finger Back", do album anterior). Escute-se com a máxima atenção e uma lupa auditiva e, pelo meio da falsa simplicidade deste sofisticado exercício pop urdido com a cumplicidade de Danielle Haim, Jenny Lewis e Jake Longstreth, tropeçarão ainda em Jerry Garcia, Van Morrison, Albert Hammond, Haruomi Hosono, Hans Zimmer, a Declaração de Balfour, de 1917, ou a supremacia branca. Para Koenig, apenas uma pura evidência e inevitabilidade: “Por vezes, a crítica não é necessária, basta mostrar a realidade através de uma lente. Cada álbum fala do seu tempo, reflecte um momento histórico e a relação que com ele temos. Deliberadamente ou não”.

21 October 2017

Rostam - "Sumer"


"The oldest surviving round in English is 'Sumer Is Icumen In'. (...) The first published rounds in English were printed by Thomas Ravenscroft in 1609... 'Three Blind Mice' appears in this collection, although in a somewhat different form from today's children's round" (aqui)

Richard Thompson - "Sumer Is Icumen In"

26 September 2017

PREVARICAR


Há divórcios (mais ou menos) felizes. Não sabemos ainda como será o quarto álbum dos Vampire Weekend – repetidamente anunciado desde o início deste ano – após a partida, em Janeiro de 2016, do multi-instrumentista, compositor, arranjador e produtor Rostam Batmanglij mas podemos já escutar Half-Light, o primeiro álbum dele a solo. E, porque a separação foi amigável, permanece aberta a possibilidade de continuar a trabalhar em regime de "outsourcing" com a banda de origem. Não que esta tenha sido a sua primeira aventura extra-“matrimonial”: já antes com Frank Ocean, Solange, Hamilton Leithauser, ou Wes Miles (Ra Ra Riot), no intrigante projecto Discovery, ele prevaricara. Mas, desta vez, no ponto de partida, havia um plano verdadeiramente ambicioso: “Tentar compor a música mais complexa sobre a qual alguém poderia cantar. Há uma quantidade de regras que desejo quebrar, tenho um impulso incontrolável para quebrar regras. Quis fazer um disco no qual não se possa exactamente dizer o que é a canção e o que é o arranjo de cordas. Um pouco aquela combinação entre a música clássica e o idioma da canção que ouvimos na pop francesa, nos Beatles ou no Tropicalismo brasileiro”



A primeira faixa, "Sumer", estabelece, imediatamente o tom: algo semelhante a uma versão de "Three Blind Mice" em registo transtornadamente coral "à la" Animal Collective. Mas tudo o que virá a seguir deixará bem assente a ideia de que nada do que pingue na paleta de Rostam deixará de ser utilizado: "Bike Dream" é um exuberante exercício de experimentação texturada sobre a estrutura pop tradicional, "When" desliza da "rêverie" vocal ("When you know something how do you know that you know it?”) para uma fantasmagoria "spoken word" acerca da distribuição da riqueza e o complexo militar-industrial norte-americano, "Rudy" preguiça encostada a um reggae com implante de sopros "free form" que se dissolvem em pura transpiração sonora e "Warning Intruders" é um cristal flutuante de transparências digitais. São, porém, "Wood" (quase 6 minutos de um beat construido em torno de samples de tabla e sitar, uma guitarra de 12 cordas afinada como um "tar" persa e vertiginosas cordas bollywoodianas) e "Gwan" (a vitória da Penguin Cafe Orchestra perante os avanços de uma percussão marcial) que praticamente garantem que, da dissolução da parceria Koenig/Batmanglij não resultará catástrofe idêntica à que aconteceu com Lennon & McCartney. .