(5ª e última parte da entrevista com Jack White publicada na "Blitz")
Claro
que chamar o Renascimento à conversa evoca, irremediavelmente, a célebre tirada
de Orson Welles, em O Terceiro Homem: “Em Itália, durante trinta anos, sob os
Borgias, houve guerra, terror, assassinatos e banhos de sangue, mas produziram
Miguel Angelo, Leonardo da Vinci e o Renascimento. Na Suíça, existiu amor
fraterno e quinhentos anos de democracia e paz. E o que produziram? O relógio
de cuco”. Mas, criatura do Renascimento transportada para o século XXI, é o
próprio White: “guitar hero” que, afinal, se vê, antes de mais, como baterista,
elemento permanente ou ocasional de várias bandas, produtor musical e fundador
da Third Man Records, e que surge, neste momento, com o primeiro álbum em nome
individual – Blunderbuss, designação holandesa de uma “shotgun” setecentista
de elevadíssimo poder de destruição –, alinhamento de treze temas que tanto disparam
rajadas de rockn’roll primordial como denunciam a inalação dos ares de
Nashville.
“Surgiu muito organicamente, passo a passo,
tal como acontece sempre que tomamos a decisão acertada de abdicar de dar
ordens à música e permitir que seja ela mesma a assumir o controlo. Só me
apercebi que estava ali a surgir um álbum quando, já com meia dúzia de canções
gravadas, reparei que nenhuma delas poderia ter espaço num disco dos Raconteurs
ou dos Dead Weather”.
Paralelamente, a Third Man Records cujo espírito se mantém
fidelíssimo ao lema de “tornar possível a existência das coisas de que gostamos:
não existe nenhum objectivo de lucro ou de prendermos bandas a contratos, caso
elas tenham êxito”, parece ter encontrado a solução para, em tempos de
emagrecimento acentuado das vendas de discos, sobreviver de modo feliz:
“Produzo e publico os discos que me apetece
e, pelo simples facto de não me preocupar com esse tipo de considerações, na
verdade, acabam por vender. As pessoas vêm ter connosco e apercebem-se de que
não temos nada a ver com as grandes editoras ou produtoras de filmes como a
Sony ou a Warner Bros a quem é preciso ir convencer, arrancar, a ferros, o
dinheiro. Nós somos mais como uma boutique, uma loja familiar. E, como apenas
nos ocupamos de coisas de que gostamos – nunca nos desviámos do caminho para
assinar com uma banda nova só porque ela parecia ter 'sucesso' escrito na testa
–, tem funcionado incrivelmente bem”.
Mas não lhe rouba o sono saber que,
actualmente, existem já uma ou duas gerações de miúdos (e não tão miúdos...)
que nunca, na vida, compraram um disco físico?
“Isso é, de facto, muito triste. A
indústria musical nesta última década tornou-se assustadora. Perdeu uma série
de características românticas e tangíveis. Ninguém sabe o que vai acontecer no
que à Internet diz respeito. Mas, por outro lado, há sinais animadores como os
que nós temos na Third Man: em três anos, produzi 140 discos (singles e LP) em
vinil e vendemos 600 000 cópias!”
Em tão extenso catálogo, descobrir-se-ão tanto as gravações dos White Stripes, Raconteurs e Dead Weather (e, naturalmente, “Blunderbuss”), como os das japonesas The 5.6.7.8's – deitem só o olho a mais um filme: a sequência da “House Of Blue Leaves”, de Kill Bill Vol. I – de Conan O’ Brien, do leiloeiro Jerry King, de Laura Marling, obscuridades avulsas, ou Loretta Lynn e Wanda Jackson que Jack White, qual Rick Rubin dedicado ao trabalho de restauração da carreira de “old lady icons”, não hesitou em tomar em mãos. Pelos melhores motivos:
“Desde miúdo e muito antes sequer de pensar
em ser produtor, nunca fiz quaisquer discriminações entre novo e velho, homens
ou mulheres, rock’n’roll, jazz, blues... se penso que posso ter alguma coisa a
acrescentar, faço-o. Tanto gravei um single com o Tom Jones como, há meses,
outro com um miúdo negro, adolescente, homossexual de Detroit, o Dwayne “The
Teenage Weirdo”. Se alguém tem alguma coisa para oferecer, tenho a obrigação de
lhe proporcionar as condições para que o possa fazer. Estou-me nas tintas para
a forma como isto possa ser entendido. O que é importante é que haja música a
partir da qual alguma coisa se possa construir”.