31 July 2018

(slight return)

Adam and Eve - Albrecht Dürer (1504)

A propósito desta eructação na caixa de comentários: 

Nada devia ter acontecido assim, tudo seria convenientemente planeado. Através da prima de um amigo que é cunhado da mãe de um conhecido que, nas autárquicas de 2005, votou no Bloco - por acaso, as mesmas autárquicas em que votei na Maria José Nogueira Pinto para a CML -, consegui marcar um encontro com o Robles num café da Av. de Roma. Com betos, de esquerda ou de direita, tem de ser na Av. de Roma. E expliquei-lhe que, indo eu, indo eu, a caminho de Viseu (na verdade, não ia a caminho de Viseu - a direcção era a oposta - e, de modo multiculturalmente correcto, articulei "hindu eu, hindu eu"), se a notícia  do episódio de "empreendedorismo imobiliário"  saísse (porque "I know people who know people") depois de eu cortar amarras com a blogocoisa durante algumas semanas, iria ter de aturar gambuzinos a dizer "Livraste-te de boa... O episódio Robles no ar e tu de férias...". Missão impossível. O moço olhou-me com aqueles olhos azuis que despertam a costela gay que há em mim e contou que a familia, o filho pequenino (confirmei através de pessoa próxima que é um amor de menino),  valores muito além da baixa realidade terrena & coiso o tinham levado a fazer o que fizera e, quanto mais tarde a notícia aparecesse, melhor. O coração tem razões que a ideologia desconhece e quem nunca tiver errado que atire a primeira pedra. Vacilei. E, tratando-se de edifício mesmo em frente ao Museu do do Fado, compreendi que só poderia ter a ver com os insondáveis desígnios do destino. Ou com o pecado original sobre o qual o Stephen Greenblatt (que estava a acabar de ler) discorre. Ninguém - diz o gudebuque - é inocente. Mais pulha ou só um bocadinho pulha, todos fazemos merda. Excepto o PCP e o Fazenda, do Bloco. O Robles tinha feito merda e da grossa. Mas deveria eu optar por continuar "gambuzino free" perante um tão comovente caso humano? Paguei-lhe a bica e retomei o percurso "hindu eu, hindu eu".

17 July 2018

A Anna Chapman tinha muito
mas muito mais pinta que a Butina

BANQUETE


Nos tempos mais próximos, nenhum restaurante norte-americano, por muito "haute" que seja a "cuisine", conseguirá projecção idêntica à que o The Red Hen, em Lexington, na Virginia, nas últimas semanas alcançou. Não exactamente em consequência da avaliação de 4,5 no TripAdvisor mas pelo facto de a proprietária ter-se recusado a atender Sarah Huckabee Sanders, porta-voz de Donald Trump, alegando que o restaurante “não abdica de valores como a honestidade, a compaixão e a cooperação”. Posteriormente, acrescentaria: “Não hesitaria em fazê-lo de novo. Há momentos em que não podemos deixar de viver de acordo com as nossas convicções. Este pareceu-me ser um deles”. Subindo um pouco no mapa até Hoboken, New Jersey – nobilíssima terra natal de Frank Sinatra –, podemos, entretanto, descobrir um outro estabelecimento do mesmo ramo que, embora por motivos diferentes, também fez História. Na verdade, o pretérito perfeito é o tempo verbal adequado: após uma gloriosa existência iniciada em Agosto de 1978, o Maxwell’s, encontra-se à venda, desde Fevereiro passado, por $1,199,000. Mas, durante 35 anos de actividade – em 2013, mudou de mãos e, até ao colapso final, foi descaracterizado pelos novos donos –, constituiu um polo crucial da cena rock local.

The Bongos

Fundado por Steve Fallon que converteria a antiga taverna dos operários da Maxwell House Coffee em restaurante, quase a partir do primeiro dia reservou um espaço para música ao vivo. Em estado mais ou menos embrionário, por lá passaram os Bongos, dBs, Feelies, R.E.M, Replacements, Sonic Youth, Hüsker Dü, Pixies, Dinosaur Jr., Nirvana, The Fall, Buzzcocks, Rain Parade, Wire, Pogues, David Byrne, The Slits... e uma interminável lista de muitos outros. A “New Yorker” ("Best club in New York — even though it's in New Jersey"), o “Village Voice” ("Best reason to leave the state for dinner and a show") e o “New York Times” (“So New York that it's in New Jersey") entoaram-lhe louvores, Jonathan Demme filmou lá o clip dos Feelies para "Away" e Springsteen o de "Glory Days" mas, desde há 5 anos, o destino estava traçado. A boa notícia, porém, é que os "bootlegs" das inúmeras bandas gravados por um empregado da casa, David McKenzie, e organizados pelo coleccionador e radialista Tom Gallo, estão, agora, disponíveis em The McKenzie Tapes, para um opulento banquete musical. Digno de uma avaliação, de certeza, muito superior aos 3.33 que a ementa do Maxwell’s nunca ultrapassou.
Francisco Fernandes Lopes, excêntrico, desafectado e genial olhanense, renascentista desgarrado do século XX, esse médico de quem se diz que “sabia de tudo até de medicina”, personagem da história do russo apátrida Boris I de Andorra e Mano-Rei de Olhão, agente dos ingleses e oficial da Wehrmacht, preso e condenado aos Gulags da Sibéria




15 July 2018

Rolling Blackouts Coastal Fever  
(Live on KEXP)



... e ainda:

"O que faz falta é que alguém diante de Trump e em directo lhe responda de forma clara e inequívoca, que se levante e lhe diga algumas verdades, já que não conseguirá dizer muitas, porque será calado e escoltado para fora da sala. Que faça aquilo que os anarquistas chamavam “a propaganda pelo exemplo”, uma das coisas mais poderosas quando se pode fazer diante de milhões de pessoas que estão a ver ou vão ver, como seja dizer esta simples frase: 'O senhor Presidente, sua Excelência, Sir, sua Majestade, sua Eminência, Grande Negociador, etc., por que razão o senhor mente tão sistematicamente, por que razão é um mentiroso'? (...) Desde o primeiro dia que penso e escrevo que com Trump só resulta a intransigência total. Nem salamaleques, nem sorrisos, nem sequer vontade de estar perto. As pessoas dignas do Reino Unido estão na rua a protestar, sob a imagem cruel do balão representando um bebé Trump birrento, mau como só uma criança pode ser" (JPP)

13 July 2018

"What makes Trump so dangerous is that he sees politics as just television by another means. Reagan and Bush used the tropes television had spread throughout popular culture to advance their agenda. For Trump, the ratings are the agenda. So he has an in-built incentive to raise the stakes, be unpredictable, and do something crazy you just have to tune in. Unfortunately, attacking minorities and threatening war achieve these goals better than anything else"



12 July 2018



 
 

Novos contributos para o materialismo dialéctico (II): geringonçar com "scandal-tainted billionaire tycoons"

Novos contributos para o materialismo dialéctico (I): gebo da bola agudiza contradições de classe



10 July 2018

UM ANTROPÓLOGO DE MARTE


Começa como Hamlet numa "masterclass" de neuroanatomia. Sozinho em palco, sentado a uma mesa, enquanto exibe um modelo do cérebro humano, David Byrne vai-o observando e descrevendo: “Esta é uma área de grande desordem; esta secção é extremamente precisa; esta área exige atenção; aqui é a ligação ao lado oposto; aqui há demasiados sons para o cérebro compreender; aqui o som organiza-se em blocos que fazem sentido; aqui situa-se aquilo a que chamamos alucinação, será a verdade ou apenas uma descrição?” É "Here", a última canção do recentíssimo American Utopia. Naturalmente, segue-se "I Zimbra" (de Fear of Music, 1979), colisão improvável de percussão africanófila com o poema "Gadji Beri Bimba" de Hugo Ball, fundador do Dadaísmo, esse tumulto mental de reconfiguração da linguagem e da percepção do mundo. Nesse momento, um a um, já entraram no palco os 12 elementos da banda que acompanha Byrne: como ele, todos descalços e de fato Kenzo cinzento, sobre o qual, em arnês de metal, apoiam vários instrumentos (uma bateria desconstruída e dividida por seis executantes, teclados) acrescidos de baixo e guitarra. 



E em movimento permanente: meia "marching band", meia escola de samba brasileira – progressão lógica do que acontecia com a "brass band" na digressão de Love This Giant (2012), com St. Vincent –, a coreografia de Annie-B Parson, que desde Here Lies Love (o "musical" sobre Imelda Marcos, de 2010) colabora com Byrne, desfaz em pó o dualismo cartesiano – corpo e mente são um só e têm como linguagem única a dança e a música, a música e a dança. 34 anos após, lado a lado com Jonathan Demme, ter reinventado a ideia de apresentação musical "live" em Stop Making Sense, o “American Utopia Tour” é a resposta prática à questão que nunca cessou de o intrigar (e que, em 2012, verteu em livro): “How music works”. Funciona assim, num deliberado jogo de contradições entre palavras, música e encenação (“Não estou, seguramente, a descrever nenhuma utopia. Alguns dos versos, em particular, são realmente distópicos ou não exactamente optimistas. Mas, no refrão, abre-se espaço para alguma esperança”), autocitações (a gestualidade desarticulada de "Once in a Lifetime") e ácidas metáforas políticas (“We are dogs in our own paradise, in a theme park all our own, doggie dancers doing doody, doggie dreaming all day long”), espécie de "song & dance routine" de um efervescente “vaudeville” concebido por um antropólogo de Marte. (11.07.2018, Hipódromo Manuel Possolo Cascais)
Martin Carthy - "Scarborough Fair"

(ver aqui)

03 July 2018




Tanta confusão que podia ser facilmente resolvida... pedia-se à Sodona Madonna que intitulasse o próximo álbum I'm Madly In Love With Lisbon The Most Amazing City In The Whole Wide Universe (com o busto do Rónaldo na capa, mas o galo de Barcelos da outra também servia) e não se falava mais nisso
UM OVO GIGANTE

  
Começaram por chamar-se Aurora, porque, enquanto banda de liceu, Fran Keaney, Joe White, Marcel Tussie e Tom e Joe Russo, eram de opinião que deviam adoptar um nome “que ficasse bem no estojo das canetas ou nas costas dos cadernos”. Depois, vá lá saber-se porquê, optaram por World Of Sport. Assentaram, por fim, em Rolling Blackouts Coastal Fever (não perguntem, mas, entre outras histórias, parece haver um maligno virus do Camboja envolvido). Se nos recordarmos como Robert Forster, em Grant & I: Inside and Outside The Go-Betweens, descrevia a banda (“Os Go-Betweens eram uma coisa rara, um ovo de Fabergé, e como tal deviam ser tratados”), talvez uma outra designação se lhes ajustasse melhor: The Huge Fabergé Egg. Porque – e os RBCF nem sequer tentam esquivar-se à comparação – a dívida do quinteto de Melbourne para com o grupo de Forster e Grant McLennan é imensa. Mas, e é isso que justificaria o “huge”, sem se limitarem a replicar a sonoridade deste: assente no trio de guitarras Keaney/Joe White/Joe Russo, em Hope Downs, álbum de estreia, dir-se-ia que, na sombra, Tom Verlaine dirige as operações. 



E, ao fazê-lo, amplia desmedidamente a jóia de Fabergé sobre a qual se projectam reflexos dos R.E.M., Feelies, dos primeiros Echo & The Bunnymen, ou até das magníficas insolações dos Triffids. Se "How Long?", "Time In Common", "Exclusive Grave", "Cappuccino City" (um rascunho de "Streets Of Your Town") ou "The Hammer" (Forster com entoação dylaniana) contêm um mais elevado índice-GB, "Mainland" é um exercício sobre a teoria da cor, de Klee (“And all I saw was burning blue fading into blinding white, wade out past the rotting pier, out to the open water, son of a red roof city, (…) and back on the mainland cool change was rolling over, black sky was getting lower on golden sand”) com tragédia migratória em fundo (“And we talked about the land of our fore-mothers, now that we've shut the gate, it would be funny if it didn't make you want to cry”), "An Air Conditioned Man" evoca o Air Conditioned Nightmare, de Henry Miller (“You walk past the wall you first kissed her against, how could you forget? (…) Did it ever matter in the first place? Does she still think about it now and then? In her air conditioned home, on her air conditioned street, in an air conditioned city”), e todo o resto, por entre vertiginosas espirais de guitarras, desenha “uma colecção de postais de um mundo cada vez mais estranho em que sentimos que a areia nos foge sob os pés”.

02 July 2018



"He voted for Reagan in 1984, drawn to a Wild West aura bestowed by the movies: 'I mostly liked that he carried a wind of old Hollywood, of a cowboy and a brush-clearer'. In 2000, Lynch directed a campaign video for John Hagelin, a fellow-meditator who was a Presidential candidate with the Natural Law Party. He voted for Barack Obama in 2012, for Bernie Sanders in the 2016 Democratic primary, and (he thinks) for the Libertarian candidate, Gary Johnson, in the last general election"
Não há maior autoridade em matéria de natalidade do que um bispo (deve ser porque a Vaticano S.A. ainda não processou bem aquela cena dos contraceptivos)
STREET ART, GRAFFITI & ETC (CCXV)

Lisboa, Portugal, 2018