No Outono passado, Laurie Anderson inaugurou no Massachusetts Museum of Contemporary Art, Chalkroom, uma instalação de Realidade Virtual, em colaboração com Hsin-Chien Huang, artista e programador de Taiwan, com quem já havia trabalhado em Puppet Motel (1994). A intenção era “investigar como seria viajar pelo interior da arquitectura das histórias, explorar um universo de letras, frases e palavras desenhadas com giz, nas paredes, flutuar através de rampas e corredores que desembocam em torres gigantescas, criar sons tridimensionais”. Num vídeo publicado por Laurie no Vimeo (“A Virtual Reality of Stories”) podemos ter uma aproximação dessa navegação labiríntica pelo meio de túneis negros, pontuados por constelações de palavras luminosas, “voando, como nos sonhos, por uma biblioteca de histórias que nunca ninguém conseguirá decifrar na totalidade”. Mas alertava: “Trata-se, na verdade, de linguagens fracturadas, coisas explodidas”.
Na interpretação em palco do recente Landfall, com o Kronos Quartet, a linguagem é também explodida por meio de um programa informático que, a partir dos solos do violinista John Sherba, gera, aleatória e vertiginosamente, texto projectado num ecrã. O pano de fundo narrativo é a devastadora investida, em 2012, do furacão Sandy sobre a costa Atlântica dos EUA que provocou duas centenas de mortos e milhares de milhões de prejuízos. Entre os quais, a cave da casa de Laurie Anderson, em Tribeca, Nova Iorque: “October 2012. The river had been rising all day and a hurricane was coming up slowly from the south. We watched as the sparkling black river crossed the park, then a highway, then came silently up our street. From above, Sandy was a huge swirl, it looked like galaxies whose names I didn't know”. Após o desastre, Anderson, friamente perplexa, reflecte: “And I looked at them floating there, all the things I had carefully saved all my life becoming nothing but junk – and I thought, 'How beautiful; how magic; and how catastrophic’”. Predominantemente instrumental, em CD, essa fragmentação do discurso surge como apartes, interlúdios, de Laurie, que, nos 70 minutos e 30 faixas do álbum, sobre a ciclotímica geometria do Knonos – da impassível serenidade à mais estridente dissonância –, em regime de livre associação, conta a sua tentativa de cantar uma canção coreana num karaoke holandês, elabora listas de espécies extintas e, como que em síntese, borgesianamente, recorda-nos o aleph, primeira letra do alfabeto hebraico, “a letter with no sound, a mental letter”.
"Estão as garças de regresso à tua porta? Retomaram
Os barcos seu curso até às tuas costas? Já acalmaram as ondas
Na respiração das brisas por nós tão aguardadas? [...]
Está a Jónia em fôr? Está na altura? [...]
Diz, onde está Atenas? Talvez por cima das urnas dos mestres
A tua amada cidade
[...]
afundou-se por completo por entre as cinzas?
Resta ainda algum sinal dela, para que o marinheiro
De passagem a possa mencionar ou lembrar? [...]
O deus Délfco silenciou, os caminhos são longos
Desolados e sós [...]"
Não é um desafio fácil tentar descobrir quem, após um primeiro álbum indiscutivelmente excelente mas ainda em busca de uma voz própria, tenha sido capaz de lhe fazer suceder, de imediato, uma trilogia de obras-primas. É um duro teste de esforço para a memória que, muito provávelmente, não encontrará senão uma resposta: Momus/Nicholas Currie e Circus Maximus (1986), The Poison Boyfriend (1987), Tender Pervert (1988) e Don’t Stop The Night (1989). Próximo disso – mas não exactamente coincidente – talvez só o tríptico inicial de Leonard Cohen, não por acaso, um dos "maîtres à penser" de Currie. O que é particularmente evidente (com um generoso suplemento de cinismo) em Circus Maximus que ele próprio descreveria como “Momus (na mal ajustada pele de um jovem universitário escocês) senta-se num quarto alugado de Streatham, no sul de Londres, a dedilhar uma guitarra acústica. Decide reescrever a Bíbia. Desafiando os seus antepassados fundamentalistas, pinta as vidas de santos do Antigo Testamento como Lot e João Baptista em nove tonalidades de vermelho-fogo-dos-infernos. Reemergem egocêntricos, lascivos e ávidos. Tratava-se, afinal, dos anos 80”.
À estreia na él Records, seguir-se-ia a passagem à Creation, de Alan McGee, não demasiado facilitada pela declaração de Currie segundo a qual Jacques Brel era infinitamente mais perigoso do que os Jesus & Mary Chain (então, a máquina de assalto da editora). Mas, por aí mesmo, entre Cohen, Brel, e, logo depois, Gainsbourg, se determinaria o itinerário futuro da “trilogia de Chelsea” – assim designada por ter sido concebida numa espelunca de Draycott Place, em Chelsea e agora reeditada pela Cherry Red sob o título Create 1 – Procreate –, suprema peça de literatura em formato canção e declinada em múltiplos registos. The Poison Boyfriend era, dizia o autor, “doce, triste e feminino” e deveria ser arrumado “juntamente com os álbuns de infelizes namoradas de rockers como Marianne Faithful ou Joni Mitchell”. Na verdade, uma amarga reflexão sobre a Inglaterra de Thatcher (“And the Age of Aquarius changed overnight to an Age of Economists serving the right”), a vacuidade social e a morte, muita morte. O golpe aprofunda-se em Tender Pervert – “God is a tender pervert and the angels are voyeurs” – venenoso concentrado de azedume, ironia e misantropia decantado por Mishima, Gide e os Pet Shop Boys, mas é em Don’t Stop The Night que se abrem as comportas para uma formidável e devassa orgia de jogos de sexo e poder, um imoralíssimo bordel onde desabrocham as mais aromáticas flores do mal. Irrepetível.
Esta preciosidade (com organização e prefácio de Raoul Vaneigem) descoberta a 5€, na inesgotável banca da Europa-América, no corredor central do Colombo...
... onde se tropeçará também noutros petiscos como este:
Enquanto o funcionário Clemente da Vaticano S.A. não apanha o avião, aconselhava-se o Turnbull a criar já, já, já, as BAF (Brigadas Anti-Fodinhas), equipas de vigilantes "undercover" espalhados pelos ministérios
(um verdadeiro discurso de Estado, sereno e ponderado, que não cedeu às pressões para o uso obrigatório do cinto de castidade)
Confirmadíssimo! Rute Lima - presidente da Junta de Freguesia dos Olivais e deputada do PS na Assembleia Municipal de Lisboa, integrando, desde 2010, o Secretariado do PS Lisboa e o Secretariado do PS Olivais e também vogal da Comissão Diretiva da Associação Nacional de Autarcas do PS - ainda, um dia destes, vai bater à porta da Sãozinha Cristas (os médicos "afirmarem sobre compromisso de honra" também é muito bom)
A componente de formação em princípios da acupunctura abrange, designadamente, a formação no domínio de:
a) Teorias fundamentais da acupunctura, incluindo formação nos domínios de yin e yang, cinco movimentos, qi, sangue e líquidos orgânicos, os oito princípios de diagnóstico, o sistema dos meridianos e ramificações jin luo, síndromes gerais e síndromes dos zang fu, patologia e etipatogenia energéticas, os seis níveis, as quatro camadas, os três aquecedores.'
Toda esta descrição é impressionante. Mas tem um pequeno problema: é pura fantasia. (...) É o equivalente a querer criar na Academia Militar uma licenciatura em poderes dos Pokemons" (daqui)
Hurray For the Riff Raff: NPR Music Tiny Desk Concert
O DEDO NA FERIDA
A 10 de Janeiro passado, o “New York Magazine” publicou um artigo de Molly Fischer – “The Great Awokening: What happens to culture in an era of identity politics?” – no qual se afirmava que “o primeiro ano da presidência de Donald Trump tinha tornado as prioridades claras”: “Com uma vedeta racista de ‘reality shows’ na Sala Oval e neo-nazis reivindicando Taylor Swift como a sua princesa ariana, é, de certeza, o momento exacto para analisarmos o conteúdo do que consumimos e averiguar o que diz sobre a América em que vivemos”. Seguia-se uma extensa lista de casos na televisão, música, cinema, abrangendo os diversos debates em curso acerca de políticas de identidade, apropriação cultural e, inevitavelmente também, as infinitas sequelas do "affaire"-Weinstein, que delimitariam as hipóteses de uma nova atitude “sensível a experiências raciais, culturais, sexuais e identidades de género diferentes das nossas”. Já em 2011, aquando da publicação de whokill, Merrill Garbus (Tune-Yards) confessava, em público, as suas perplexidades face ao uso que fazia das poliritmias africanas: “Devo pedir autorização? Se tenho medo de pedir autorização, quererá isso dizer que não o deveria fazer? Até gosto que me acusem de pilhar a música africana se isso me permitir iniciar a discussão desse assunto”.
Um post que, sem dúvida, merece ser raptado e transformar-se no Qualquer coisinha de português (LXVI), de braço dado com o Les portugais sont toujours gais (LXXIII)