31 October 2019

A propósito da porno-publicidade da McDonalds, duas recordações do mesmo encontro (em diferido) com o Bloody Sunday, sob o signo de Van Morrison:


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(clicar na imagem para ampliar)
Há que denunciar a PSP!!!... Então admite-se que sejam presas pessoas de enorme espírito empreendedor que se dedicam a um negócio - sem qualquer apoio do Estado! - que consiste em substituir substâncias tóxicas por produtos naturais (os quais, por efeito placebo, até são capazes de dar uma moca fixe) e aparelhos devoradores de lítio por ricas peças de decoração mural tradicional lusitana?...


Leitura recomendada: Historia Criminal del Cristianismo (tradução em castelhano), de Karlheinz Deschner: volumes I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX

30 October 2019


Priests - "And Breeding"



Katie Alice Greer: "I’m not interested in art that is didactic or comes across like propaganda, and we never set out to be a band that feels responsible for educating people. I think that’s incredibly presumptuous, and I would rather our audience feel motivated to learn about things on their own. I don’t see myself as some kind of expert with special knowledge to impart on. I believe in art as a transformative force in culture. And I believe in encouraging critical thinking people — thinking that way does an incredible disservice to the sanctity of art" (...) .

"While Obama certainly seems a million times better than our current president, there were still a lot of problems with [his] administration: We were still an imperialist country dropping bombs on brown people overseas. We still had the prison-industrial complex that literally murders hundreds of thousands of people every year. You know, we were still the fucked-up country that we are now. We're all sad that he's gone now, but he was a President like any other. There was lots to be desired with him as President and I think that broken neo-liberalism is to a large extent what elected Donald Trump. Thus, I still do feel the same way. I've been changing the line 'Barack Obama killed something in me and I'm going to get him for it' to 'Barack Obama killed something in me, fuck Donald Trump and his white supremacy' when we play it live now"


"Ou geramos competência política ou seremos destruídos pela Democracia, que nos foi imposta pelo falhanço de alternativas mais antigas. Porém, se o Despotismo falhou apenas por falta de um déspota benevolente e capaz, que hipótese terá a Democracia, que exige toda uma população de votantes capazes?" (George Bernard Shaw citado por Alberto Manguel em Monstros Fabulosos: Drácula, Alice, Super-Homem e Outros Amigos Literários)
Beethoven - Piano Concerto No 1 in C major Op 15 (Khatia Buniatishvili, piano; Israel Philharmonic Orchestra dir. Zubin Mehta)

29 October 2019

Kefaya + Elaha Soroor - "Bolbi"

SERENA ALUCINAÇÃO

  
Brian Eno, ateu confesso, afirmou uma vez que “o budismo é uma excelente religião para ateus”. Só se enganava num pequeno mas importante detalhe: não se trata, de facto, de uma religião – o conceito de “deus” é-lhe totalmente alheio – mas de uma filosofia de vida e, em particular no Zen, onde todos os ensinamentos de Siddhārtha Gautama se descobrem finamente decantados, um eficaz método de lubrificação mental. O próprio Siddhārtha aconselhava os discípulos a não desperdiçarem tempo com especulações metafísicas. Numa famosa parábola do Canone Pali, um monge dirige-se-lhe, inquieto, por nunca lhe ter escutado uma palavra acerca de se o universo é finito ou infinito, limitado ou ilimitado, ou se a alma é distinta do corpo. E o Buda, amavelmente enfastiado, pede-lhe para pensar num homem atingido por uma flecha envenenada: “Se, quando a família e os amigos chamassem um médico, ele se recusasse a ser tratado antes de saber quem o havia ferido, a que casta pertencia, qual a altura e côr da pele, e que arco, flecha e veneno tinha utilizado, decerto morreria antes de conhecer tudo isto. Seja o universo eterno ou não, a morte, a velhice, o sofrimento e a infelicidade continuarão a existir e só nesta vida poderão ser eliminados. Se não te expliquei todas essas coisas é porque elas são inúteis e não conduzem à libertação”



 
Inevitavelmente, porém, a popularização dos ensinamentos do Buda acabaria por transformá-los numa religião quase idêntica às outras com toda a corte de espíritos, amuletos e superstições, especialmente evidente na variedade do budismo tibetano, caldo de cultura de onde surgiu o Bardo Thodol ou Livro dos Mortos Tibetano – escrito no século VIII e redescoberto no século XIV –, um guia de viagem para as almas nos 49 dias que se seguem à morte. Songs From The Bardo, reune Laurie Anderson, Tenzin Choegyal e Jesse Paris Smith (filha de Patti Smith) para uma leitura musical de 80 minutos do texto tibetano (que já fertilizou o Ubik, de Philip K. Dick, em versão lisérgica, The Psychedelic Experience, de Timothy Leary e, por via deste, Tomorrow Never Knows", dos Beatles), num exercício de serena alucinação sonora e poética que, tal como poderia acontecer se fosse baseado nas mais febris escrituras da tradição judaico-cristã e gnóstica, faz as palavras levitar - “Dancing with a crescent knife and a skull full of blood, gesturing and gazing at the sky” –, por entre a evaporação dos timbres de violino, piano, violoncelo, gong, flauta, alaúde e taças de cristal.

28 October 2019

A tricologia política, disciplina sempre jovem e científica (IV - sub-label desta)

E, agora... o risco ao lado!

A longa marcha que, mais ou menos inevitavelmente, vem dar aqui 
(+ ligeiramente "off-topic" mas não muito)
LIMPAR O PÓ AOS ARQUIVOS (LX)

(com a indispensável colaboração do R & R)

(última linha: "seu ofício de 'songwriter'"; 
clicar na imagem para ampliar)

Nota: é incrível como em tão curto espaço se pode escrever tanta asneira...

"When Love Breaks Down" (ok, o video é terrível...)
À de aver sempre exeções


26 October 2019

Laurie Anderson, Tenzin Choegyal, Jesse Paris Smith - "Listen Without Distraction"

STREET ART, GRAFFITI & ETC (CCXLVII)

Lisboa, Portugal, 2019 (stra + ReZende)










(ver também aqui)

24 October 2019


Edit (19:00) - ... em 1987, porém, sob "parecer do Dr. Pedro Sameiro, especialista em heráldica", foi terminantemente repudiada a selvajaria de uma bandeira... "gironada a vermelho e azul, que não respeita as regras estabelecidas na heráldica". Degolem-se os infiéis mas, por Santiago!, respeitando as regras da heráldica!!!...
VINTAGE (DIII)

Dantalian's Chariot - Soma (Pts. 1 & 2) 


22 October 2019

Talvez fosse mais educativa (embora exija tempo e esforço) uma acção pedagógica continuada junto da comunidade cigana com o objectivo de explicar o absurdo de todas as superstições: dos sapos à senhora de Fátima, ao professor Karamba, aos cartomantes, aos "tarólogos", aos homeopatas, aos astrólogos, aos quiromantes, aos psicanalistas, aos "politólogos" e demais charlatães

É animador constatar que  
os grandes problemas da pátria 
não são esquecidos pelos legítimos representantes do p.o.v.o.
A curta distância da comemoração do dia do urso, sinais de tormenta no horizonte

(via S + V)
ROSA DOS VENTOS


Elaha Soroor estava num beco sem saída. Filha de exilados afegãos no Irão que só haviam regressado ao seu país quando o regime taliban, em 2001, foi derrotado, a atmosfera social e política que lá se vivia continuava a ser muito longe de ideal. Participante, em 2009, no programa televisivo de "descoberta de talentos”, “Afghan Star” - equivalente local do "Ídolos" - , rapidamente se tornaria alvo de várias e perigosas discriminações: enquanto mulher e cantora (uma condição moralmente intolerável aos olhos dos muçulmanos mais implacavelmente severos e da própria família) e como elemento da etnia Hazara, historicamente celebrada pela música e poesia mas, nem por isso, menos estigmatizada e perseguida. Após a publicação de "Sangsar", uma canção que denunciava a prática selvagem do apedrejamento das mulheres, as ameaças de morte escalaram e, com 18 anos, não teve outra solução a não ser a fuga de casa, acompanhada pela irmã. “Ninguém alugava um apartamento ou um quarto a uma mulher sozinha e, se me reconhecessem, seria obrigada a partir imediatamente. Acabei por ter de cortar o cabelo, usar roupas masculinas largas e fingir ser um rapaz. Durante algum tempo o truque resultou e podia caminhar livremente na rua. Foi muito bom desfrutar dessa liberdade. Mas vivia no medo constante de ser morta. Decidi que tinha de abandonar o Afeganistão: para salvar a vida e poder explorar a música”



O destino foi o Reino Unido onde se cruzaria com Al MacSween (teclista) e Giuliano Modarelli (guitarrista), aliás, Kefaya, antena permanentemente sintonizada nas “músicas do mundo”, no jazz, rock, electrónica e "dub", núcleo de “um grupo eclético de imigrantes” confessadamente alimentado por Angela Davis, Edward Said, Ken Loach, Frida Kahlo e Karl Marx, em frontal oposição às “grilhetas dos nacionalismos que pretendem confinar-nos dentro de fronteiras, 'checkpoints' e muros”. O resultado desse encontro foi o formidável Songs of Our Mothers, lugar de explosão de uma colecção de canções tradicionais afegãs onde, às belíssimas contribuições de Elaha, MacSween e Modarelli, se junta uma admirável rosa dos ventos sonora constituída por Manos Achalinotopolous (clarinete), Yazz Ahmed (fliscorne), Sarathy Korwar (tabla/dolak), Tamar Osborn (sax barítono), Sardor Mirzakhojaev (dambura), Gurdain Singh Rayatt (tabla), Jyotsna Srikanth (violino), Camilo Tirado (live electronics) e Sam Vicary (contrabaixo e baixo eléctrico), dedicada a “desmantelar todos os estereótipos de género, nacionalidade, raça, e estilo musical”.

21 October 2019


The Kiss (real. William Heise, 1896) + aqui
Gauche - "Surveilled Society"

Embora seja muito intrigante que apenas o músculo cardíaco possa ser considerado - redundantemente - "filho do pai" ("Coração de Jesus, Filho amado do Pai"), mas se entenda que seria falta de respeito chamar-lhe "filho da mãe", aguarda-se, agora, que todos os restantes orgãos, nervos, ossos, cartilagens, veias, artérias e tendões - não esquecer o Santíssimo Prepúcio! - sejam igualmente honrados 

A sacrossanta peça anatómica
Kefaya + Elaha Soroor - "Arose Jane Madar"

20 October 2019


Segundo o "JN", a nova secretária de estado da Educação é a mesma personagem que, enquanto presidente do Departamento Federativo das Mulheres Socialistas, há três anos, convidou o recluso nº 44 para apresentar uma conferência sobre política externa e globalização devido ao seu brilhante e memorável currículo académico (via OMQ)

Fotoautomat, Arles: - Michael Stipe
Howard Zinn - A People's History Of The United States (III)

Cap. 7: As Long As Grass Grows Or Water Runs

Cap. 8: We Take Nothing by Conquest, Thank God

Cap. 9: Slavery Without Submission, Emancipation Without Freedom

17 October 2019

Kefaya/Kefaya + Elaha Soroor - "Indignados"

Kefaya (c/ Chico Pere)

Kefaya + Elaha Soroor

"Por isso, por favor, usem-nos, como porta de entrada, como cobaias, para testar a forma de entrarem na Europa" (Ana Mendes Godinho, ex-secretária de Estado do Turismo, promovida a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social)

"Marx, Engels, Lenine e Estaline (...) recomendam instantemente a ligação estreita com as massas, e não o divórcio com relação a estas" (Mao Tsé-Tung)


"We're in Crazytown!"


(daqui; clicar na imagem para ampliar)
Qual é a novidade? A IURD e os recentes presidentes do Brasil têm-se dado sempre muito bem...

16 October 2019

PRECURSORES 

Alphonse Allais - Marcha Fúnebre para as Exéquias de um Grande Homem Surdo

À excepção, talvez, do Big Bang, do nada, nada surge. É por isso que, mesmo algumas atitudes aparentemente radicais e vanguardistas, se devidamente escrutinadas, revelarão ter antecedentes que as anteciparam ou lhes pavimentaram o caminho. A propósito de STUM433 – a caixa de 5 LP com 58 “versões” dos 4’33” de silêncio (1952), de John Cage, que, no próximo dia 25, será publicada a propósito dos 40 anos da Mute Records –, já aqui foi apontada a muito pouco cageana tentativa de procurar capturar aquilo que, por definição, não é capturável. Mas valerá também a pena darmo-nos conta de como esse silencioso separador de águas de Cage não teve lugar em território propriamente virgem. Entre, então, em cena Erwin Schulhoff (1894 – 1942), compositor e pianista checo, discípulo de Dvořák e Debussy, comunista e dadaísta, que morreria no campo de concentração nazi de Wülzburg, na Baviera. 

Erwin Schulhoff : In Futurum, Part III from Fünf Pittoresken (Gerard Bouwhuis)

Adepto do jazz e de uma ideia da música como arte revolucionária por excelência que “deveria escapar ao imperialismo da tonalidade e do ritmo para se elevar a uma extática mudança positiva”, entre as suas obras (que incluiram uma Sonata Erótica para voz feminina solista – aliás, “Solo-Muttertrompete" –, sonoro orgasmo em partitura minuciosamente notada, e uma versão musical do Manifesto Comunista), encontram-se as Fünf Pittoresken, para piano (1919), cuja terceira parte, "In Futurum", consiste de uma partitura inteiramente composta de pausas, ritmicamente intrincada e, claro, ... totalmente silenciosa. Não é, porém, impossível (embora não esteja registado) que Schulhoff se tenha inspirado em Alphonse Allais (1854 – 1905), escritor e humorista francês, cultor da holorima, participante do Salão das Artes Incoerentes, amigo de Erik Satie e pioneiro da pintura monocromática – e na sua Marcha Fúnebre para as Exéquias de um Grande Homem Surdo (1897), uma peça de 24 compassos em branco. É bem capaz de ter sido nestes dois precursores que o autor de um cartoon – descoberto pelo compositor e crítico musical do “Village Voice”, Kyle Gann – publicado em 1932, na revista para pianistas, “The Etude”, foi furtar a ideia de representar um jovem aluno de piano preguiçoso que, quando a mãe o repreende por não o ouvir a tocar, se defende, alegando estar a compor uma música que, a seguir, irá estudar. Meia hora mais tarde, ela, agastada, volta a dizer-lhe que continua a não o ouvir, e, compenetradíssimo, o Willie mostra-lhe a obra concluída: “Song of The Sphynx”, seis compassos integralmente preenchidos com pausas. O mais curioso, contudo, é que o autor do cartoon se chamava... Hy Cage.
Será "uma outsider na Agricultura" mas, já que chegou ao governo, poderia colocar, finalmente, na agenda a tecnologia, a inteligência artificial e o trabalho, temas que parecem interessar-lhe
Trash Kit - "Dislocate"

15 October 2019


A Música, a Guerra e a Revolução (II)

HUMANO, DEMASIADO HUMANO

  
Façamos o esforço de acreditar que tudo se passou realmente assim, tudo foi espontâneo, nada foi encenado nem planeado: a 23 de Setembro, no blog “The Red Hand Files” – criado por Nick Cave há um ano para, sob o lema “You can ask me anything. This will be between you and me. Let’s see what happens”, estabelecer uma relação mais íntima e directa com os seus seguidores –, o Joe, de Bexhill-on-Sea (a uma hora de comboio de Brighton, onde Cave habita), casualmente, perguntou-lhe quando poderíamos esperar um novo álbum. E a resposta veio rápida e precisa, como um “press release”: “Caro Joe, pode contar com ele na próxima semana. Chama-se Ghosteen. É um álbum duplo. A primeira parte inclui oito canções. A segunda consiste de duas canções longas articuladas por uma peça de spoken word. As canções do primeiro álbum são os filhos. As do segundo são os pais. Ghosteen é um espírito migrante”. O Joe terá sufocado de felicidade mas ainda não suspeitava que, para além desse anúncio surpresa, contra todas as regras, não haveria singles prévios nem cópias enviadas antecipadamente para os media: o álbum iria ter uma estreia global, em directo, via YouTube, na noite de quinta-feira, 3 de Setembro.



Durante todo esse dia, até às 22 horas, apenas a imagem muda da capa: uma representação "kitsch" do Jardim do Éden, do “gospel artist”, Tom DuBois (“O artista visual não tem desculpa para não ser um crente convicto. (...) É simplesmente impossível não estar apaixonadamente inspirado na criação de obras que exaltem a glória de Deus em nome de Jesus Cristo”, escreve ele no seu site). Horas antes, a caixa de comentários/chat começava a fervilhar de actividade. Expectativa, ansiedade, veneração, e os inevitáveis "trolls", num "scroll" ininterrupto, que iria acelerar vertiginosamente a partir do instante em que os sintetizadores de Warren Ellis levantam voo e, pouco depois, abrem espaço para a voz de Nick Cave – muito mais "sprechgesang" do que verdadeiro canto – nos narrar uma parábola, algures entre o Génesis e Graceland (“Once there was a song, the song yearned to be sung, it was a spinning song about the king of rock’n’roll, the king was first a young prince, the prince was the best, with his black jelly hair he crashed onto a stage in Vegas, the king had a queen, the queen's hair was a stairway, she tended the castle garden, and in the garden planted a tree”), que se conclui com um lancinante apelo: “Peace will come, a peace will come, a peace will come in time, a time will come, a time will come, a time will come for us”


Não poderíamos, então, ainda adivinhar mas tivera início uma longuíssima canção de 68 minutos em que cada um dos 11 pontos de paragem não chegariam a ser sequer diferentes andamentos – o tom, a atmosfera, a dinâmica, permaneceriam praticamente inalteradas até ao fim – mas apenas pausas de respiração, mudanças de página, numa espécie de sonho febril, que, qual monumental sequela de Skeleton Tree (2016), vive assombrada pela devastadora morte do filho adolescente (“ghost teen”), Arthur, em 2015, cuja imagem e memória reaparecem a todo o momento, mesmo quando, aparentemente, ausentes. Já há três anos, com esse álbum mas também com One More Time With Feeling, o documentário de Andrew Dominik que o acompanhava, tínhamos reparado: o Nick Cave que, por altura de Nocturama (2003) declarava “Os sentimentos estão muito sobrevalorizados e preocupamo-nos demais com a forma como nos sentimos. Os sentimentos são um conceito do final do século XX. E suspeito que, à medida que o século XXI for avançando, os sentimentos irão ter muito pouco a ver com tudo. Os sentimentos são um luxo dos ociosos”, já não existe. Aquele que sobreviveu à arrasadora tempestade emocional é o que confessa que “aprendeu a ver as pessoas de uma forma diferente e a ter uma total e absoluta compreensão acerca do que sentem”,




Aqui, como em Ghosteen, cresce, no entanto, um feixe de contradições ainda mais evidentes na “troca de correspondência” de “The Red Hand Files”: se, em Outubro de 2018, à Cynthia, de Shelburne Falls, na Virginia, que lhe perguntava se ele não sentia o mesmo tipo de comunicação com Arthur que ela acreditava ter com os familiares que perdera, responde que “No interior dessa vertigem, nasce todo o tipo de loucuras, fantasmas, espíritos e visitações em sonhos, tudo o que, na nossa angústia, tornamos realidade. (...) São dádivas preciosas, tão válidas e autênticas quanto precisamos que sejam. São os espíritos guia que nos conduzem para fora das trevas”, em Agosto passado, à Aylyn, de Bruxelas (que lhe dirigia interrogação idêntica) – embora admitindo que “o desejo de acreditar em algo para além de nós é uma função humana básica” –, citando Richard Dawkins, Sam Harris e Bertrand Russell, sublinhava que “crer em espíritos” é “delirante”,“intelectualmente desonesto”, “irracional”, “cobarde” e “estúpido”.


Humano, demasiado humano, é com este novelo de fragilidades que tem de lidar em Ghosteen. Excessivamente próximo e vivido para – como era o caso de Murder Ballads (1996) – não ser levado totalmente a sério (mas aquela capa de Tom DuBois...), não é tarefa fácil digerir este denso concentrado de alusões bíblicas (“I can hear the whistle blowing, I can hear the mighty roar, I can hear the horses prancing in the pastures of the Lord”; “It isn’t any fun to be standing here alone with nowhere to be, with a man mad with grief and on each side a thief, and everybody hanging from a tree”; “Jesus lying in his mother’s arms is a photon released from a dying star”; “A man called Jesus promised he would leave us with a word that would light up the night”), aqui e ali, pontuado por platitudes embaraçosas (“Everything is distant as the stars, and I am here, and you are where you are”; “I love my baby and my baby loves me”; “This world is beautiful, the stars are your eyes, I loved them right from the start”; “You were a runaway flake of snow, you were skinny and white as a wafer, yeah, I know“) onde nem sequer faltam os três ursinhos da Goldilocks (“Mama bear holds the remote, papa bear, he just floats, and baby bear he has gone to the moon in a boat”), e sempre, sempre, envolvido pelos corais digitais e pela gaze sonora, quase "new age", de Warren Ellis. Na caixa de comentários do YouTube, os fãs dividiam-se entre tratar-se de uma “ethereal masterpiece”, matéria de transcendência, uma herança tardia de Vangelis, Pink Floyd, Badalamenti ou dos Sigur Rós ou, simplesmente, cansativo, aborrecido e decepcionante. É bem capaz de ser um pouco de tudo isso. Mas Nick Cave merece, pelo menos, que deixemos o pó assentar antes de proferirmos um juízo definitivo.

14 October 2019

Qualquer coisinha de português (LXXIV)

"Há um português na equipa que fez o vídeo de 'Ghosteen' de Nick Cave" (como é que só mais de uma semana depois reparei em informação de tal importância?...)
Viva a Federação Ibérica! Liberdade para os presos políticos



Gauche - "Body Count", "Pay Day", "Conspiracy Theories"


STREET ART, GRAFFITI & ETC (CCXLVI)

Ponta Delgada, Portugal, 2019 (Helena Rocio Janeiro/Coração o Ditador)