09 February 2007

JUDIARIAS (off the records)

Dirck van Baburen - Young man with jew's harp (1621)

Cito o Dicionário de Música (Ilustrado) de Tomás Borba e Fernando Lopes Graça (quase cinquenta anos após a sua primeira edição, ainda a única obra portuguesa de referência do género): "instrumento de palheta e sopro, mas com características muito especiais. A forma é a dos dois braços de uma lira de ferro de cuja base sai a palheta de aço que o sopro pulmonar fará vibrar. Coloca-se a lireta na boca, próximo dos dentes, e, accionando a palheta com qualquer dedo da mão direita, o executante, sem a intervenção das cordas vocais, vai emitindo, silabando, os sons que lhe apraz, produzindo-se a sua ressonância na boca e nos lábios".


A designação correcta da coisa é "guimbarda" embora, em português (como acontece na obra de Borba e Lopes Graça), seja frequentemente chamada "berimbau", o qual, em rigor, é aquele arco de uma corda única percutida — descendente do muito primitivo "arco musical" ou "arco bocal" — bastante utilizado na música africana e brasileira. Acontece que o termo inglês para a "guimbarda" é "jew's harp". Na verdade, o "jew's" está lá de contrabando: é apenas uma corruptela de "jaw's harp" (harpa mandibular) o que faz algum sentido. Mas, desde o século XVII, quando um erudito atribuiu a sua invenção a Tubal-Caim e "descobriu" que a guimbarda (aliás, a "jew's harp"...) serviu provavelmente para acompanhar o cântico de Moisés na passagem do Mar Vermelho, as fantasias e analogias delirantes a seu propósito não mais tiveram fim.


As mais recentes aconteceram agora com a edição de Dear Heather, de Leonard Cohen, onde, em duas canções — "On That Day" e "Nightingale" — a guimbarda figura proeminentemente. Claro que "isso" só poderia ter a ver com a "jewishness" de Cohen e, lendo as muitas críticas publicadas um pouco por todo o lado (em Portugal, naturalmente, houve quem - João Miguel Tavares - lhe chamasse "harpa judia"...), a descodificação "simbólica" da coisa foi abundante e saborosa... Já agora, teria piada investigar como as designações italiana ("scaccia pensieri"), polaca ("dremla"), sueca ("numgiga"), malaia ("genguegongue") e holandesa ("grinding") determinaram a recepção das canções de Cohen. Sim, "language is a virus from outer space". (2004)

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