09 February 2007

EVAPORAÇÃO


Leonard Cohen - Dear Heather

Para que conste: escrevo este texto ao abrigo do artigo 1º da Lei de Liberdade Religiosa o qual garante que "a liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável e garantida a todos". Sucede que a minha religião tem como único mandamento a proibição de, aconteça o que acontecer, denegrir o bom nome e a imagem de Leonard Cohen. Pelo que — excepção única que me autorizo — me encontro impossibilitado de, em qualquer circunstância, admitir que qualquer álbum seu é menos do que sublime. O que é, então, naturalmente, o caso de Dear Heather. E, no momento em que Cohen se torna oficialmente a primeira figura da cultura pop moderna (dizer "cultura pop moderna" a propósito dele não soa nada bem mas não me ocorre nada melhor) a entrar na sétima década de vida, isso ganha ainda um significado acrescido. De que ele, o "ladies' man" eternamente ressuscitado, fala em muito poucas palavras (Cohen escreve cada vez com menos palavras) em "Because Of": "Because of a few songs wherein I spoke of their mystery, women have been exceptionally kind to my old age, they make a secret place in their lives and they take me there, they become naked in their different ways and they say 'Look at me Leonard, look at me one last time', then they bend over the bed and cover me up like a baby that is shivering".



Não é o texto mais curto deste disco. Esse é o da canção-título, outro momento de culto à figura da Shekinah/Sophia judaica: "Dear Heather, please walk by me again with a drink in your hand and your legs all white from the winter". Cinco linhas mínimas. Onde diz, outra vez, o mesmo que, sobre uma antiga melodia tradicional do Quebeque, em "The Faith": "The blood, the soil, the faith, these words you can't forget, your vow, your holy place, O love, aren't you tired yet?". E a memória, o chão, o sangue e os "lugares sagrados" da poesia canadiana pairam sobre todo o álbum na dedicatória aos amigos Irving Layton e Carl Anderson de "Go No More A-Roving" (sobre um poema de Lord Byron) e "Nightingale", na escolha de um texto de Frank Scott (que foi seu professor na McGill University) ou na recuperação de um velho poema de The Spice-Box Of Earth, "To A Teacher", para A. M. Klein. O resto do mundo aparece só em "On That Day" ("Some people say it's what we deserve, for sins against god, for crimes in the world, I wouldn't know, I'm just holding the fort, since that day they wounded New York"), alegoria sobre o 11 de Setembro. Leonard Cohen precisa cada vez de dizer menos, precisa cada vez de cantar menos, precisa cada vez menos de usar as suas próprias palavras ou de escrever palavras novas, a música — só ele saberá por que prefere este "lounge/country/jazz" (ainda mais amaciado pelas vozes de Anjani Thomas e Sharon Robinson) a que nunca me ouvirão chamar soporífero — já é quase só um pano de fundo para a vibração da voz. Suponho que é disso que ele fala em "Morning Glory": "No words this time? No words. No, there are times when nothing can be done, not this time. Is it censorship? No, it's evaporation". (2004)

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