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04 August 2024

The Unthanks - "Three Shaky Ships"
 
(sequência daqui) Não porque isso tivesse algo a ver com o seu passado: "Não, na altura, não ouvia os Roxy Music. Provavelmente, escutava música folk búlgara. Líamos Blavatsky e Gurdjieff, todos esses velhos charlatâes, e acreditávamos em tudo. E, ui!... o Livro Tibetano dos Mortos... Levavamo-nos muito a sério e, agora, não sou sequer capaz de perder um segundo com aquilo", confessou Linda ao "Guardian". Na verdade, o que aqui importa é a fantástica legião de músicos, vozes e instrumentos que, para Proxy Music convergiram: os filhos Teddy e Kami, o neto Zak, Richard Thompson, as Unthanks, The Proclaimers, The Rails, Martha e Rufus Wainwright, Eliza Carthy, John Grant, o veterano violinista Aly Bain, e as óptimas revelações Ren Harvieu e Dori Freeman, entregues a belíssimas e saborosas confissões auto-irónicas ("I’m alone now, you’d think I’d be sad, no voice, no son, no man to be had, you’re wrong as can be boys, I’m solvent and free boys, all my troubles are gone”), abrindo espaços por ocupar na riquíssima linhagem das dinastias folk - os Wainwrights, Roches, McGarrigles, Watersons, Carthys, Coppers e Thompsons - que, por entre afinetadas avulsas (“And if it’s true, that only the good die young, lucky old you, ’cause you’ll be around until kingdom come”), em "Those Damn Roches", celebram, identificando com precisão a delicada relojoaria familiar que tudo move: “Faraway Thompsons tug at my heart, can’t get along ’cept when we’re apart, Is it life, or is it art? One and the same”.

29 August 2023


 
 
(sequência daqui) A Blackletter Garland, da Hack-Poets Guild, retoma essa mesma tradição num percurso iniciado após o convite para visitar a Bodleian Library de Oxford e vasculharem em total liberdade séculos e séculos de textos e - quando as descobriam - partituras. A tarefa estava em boas mãos: Marry Waterson, embaixadora da dinastia Waterson, família real da folk britânica; Lisa Knapp, valor seguríssimo abençoado pelo sumo-sacerdote Martin Carthy e, em apenas três álbuns, multi-premiada e estrelada; e Nathaniel Mann, compositor experimental, construtor de instrumentos, cineasta e "sound designer". O que daí resultou, orientado por coordenadas muito próximas das dos Stick In The Wheel mais recentes, é uma gloriosa e cinemática mescla de trip-hop gótico, fantasmagorias de vozes distorcidas sobre matéria-prima do século XVI, e instantâneos da luta de classes projectados numa tapeçaria de "drones" e "found sounds".

14 February 2022

04 February 2022

"Long The Day"
 
(sequência daqui) Se, há seis anos, a propósito do álbum de estreia, From Here, era inteiramente legítimo descrever a sua música como “crua, abrasiva, ‘no nonsense’, proletária e encardida, com a alma dos Watersons e faca punk na liga”, Hold Fast (2020), “rude e sofisticado, electrónico e artesanal”, assinalava o instante em que “a raiz tradicional, a História, a literatura popular e o remoínho da(s) folk(s) se embrenham na modernidade e renascem mais uma vez”. A ascensão que aí se iniciava conclui-se agora, algures entre os milhares de anéis de Saturno e um qualquer exoplaneta onde se desfibra a memória das origens, a pura abstracção sonora é rasgada por interferências – pulsações oriundas do "Tottenham Hale Monolith", vozes "auto-tuned" tropeçando em estlhaços de Sonic Youth, ficheiros midi de 1600 vaporizados em jogos de vídeo – e o exacto ponto onde tudo começou ficou para sempre perdido. Sem regresso possível.

24 February 2021

(sequência daqui) Tinha-a entrevisto num álbum dos Watersons mas encontrou-a junto do mestre Stanley Robertson – cigano de Aberdeen, sobrinho da lendária Jeannie Robertson de quem herdou o reportório tradicional – e da também cigana Freda Black (não espanta, pois, que, num episódio da extraordinária série Peaky Blinders, tenha aparecido como cantor num casamento cigano). De ambos, aprendeu “o que realmente significa habitar uma canção e como permitir que a música nos guie”. Exactamente o que acontece quando "Turtle Dove" e "Soul Cake" se deixam exaltar nas vagas orquestrais buckmasterianas do ex-Suede, Bernard Butler, quando Liz Fraser (Cocteau Twins), furtivamente, com "Wild Mountain Thyme", alimenta o crescendo de "The Moon Shines Bright", e quando, em todas, a voz de Sam Lee – algures entre os dois Buckley, Tim e Jeff, com Christy Moore na memória –, altiva mas reverente, declama o passado como quem inventa o futuro.
 

29 September 2020

Stick in the Wheel go Archive Digging at Cecil Sharp House (sugerido nesta caixa de comentários)
 

26 June 2018

BOAS ÁGUAS

  
Robin Hood’s Bay é uma pequena vila piscatória na costa Norte do Yorkshire. É pouco provável que Robin Hood alguma vez tenha andado por lá – tão pouco provável quanto a própria existência histórica da personagem – mas uma velha balada conta que, após um saque das embarcações de pescadores locais por piratas franceses, o lendário herói terá vencido os corsários e distribuído o produto da pilhagem pelos pobres da terra. O lugar situa-se a pouco mais de hora e meia, a pé, do porto de Whitby, cenário inspirador para o Dracula, de Bram Stoker, povoação natal de Cædmon, o mais antigo (sec. VII) poeta inglês de que há registo, e não demasiado longe de Scarborough, cuja feira foi usada como intrigante metáfora para "Scarborough Fair", balada possivelmente anterior ao sec XVII e que, depois de diversas versões – Ewan Mac Coll, A.L. Lloyd, Martin Carthy, Shirley Collins, Bob Dylan (sob o título "Girl From The North Cuntry") – se tornaria um êxito para Simon & Garfunkel, em 1966. Foi com Martin Carthy que Paul Simon a aprendeu, numa das suas, então habituais, deslocações a Inglaterra. 



Feche-se, agora o círculo: gravado na Fisherhead Congregational Church de Robin Hood’s Bay (onde reside o casal Martin Carthy/Norma Waterson), Anchor assinala o momento em que Carthy, que jurara não voltar a cantá-la (memórias amargas de direitos de autor sonegados na banda sonora de The Graduate...), regressa a "Scarborough Fair". É uma interpretação óptima e consideravelmente diferente mas a importância do álbum está muito longe de se ficar por aí: verdadeira reunião de duas gerações da realeza folk britânica, Norma Waterson & Eliza Carthy With the Gift Band – tal como já acontecera antes sob a designação Waterson:Carthy – junta Eliza com os pais, Marty e Norma (ambos a chegarem aos 80 anos), e, em geografia historicamente adequada, não apenas convoca toda a memória dos Watersons, Steeleye Span, Fairport Convention, Albion Band e Brass Monkey, mas, sem reflexos nostálgicos, abre-a também a saborosas contiguidades ("Lost In The Stars", de Kurt Weill, a desaguar em "The Galaxy Song", dos Monty Python), belíssimas transfigurações ("Strange Weather", de Tom Waits, "The Beast", de Michael Marra, a assombrada "Shanty Of The Whale", de KT Tunstall), ou à redescoberta da empolgante "The Elfin Knight", prima afastada de... "Scarborough Fair". Depois do óptimo Lodestar (2016), gravado por Shirley Collins aos 81 anos, Anchor confirma: a folk britânica só pode ser, sem dúvida, território de boas águas.

29 November 2016

PERGAMINHO

  
“Repent, repent, sweet England, for dreadful days are near”, escreveu, em 1580, Thomas Deloney por ocasião do grande terramoto que então sacudiu Londres. Ralph Vaughan Williams recolheu-a, em 1909, e, agora, aos 82 anos, Shirley Collins escolheu-a para abertura de Lodestar, improvável regresso aos discos após quase quatro décadas de ausência. O álbum de homenagem, Shirley Inspired..., de 2015 –, no qual intervinha gente de tão diversas proveniências como Lee Ranaldo, Meg Baird, Rozi Plain, Bonnie Prince Billy ou Graham Coxon – oferecia uma esclarecedora visão da imensa ressonância que, mesmo após tão prolongada ausência, Collins continuava a possuir. Ela que, em 1959, nos primórdios do "folk revival", viajara com o folclorista Alan Lomax até ao Sul dos EUA para o registo de espécimes musicais de blues, bluegrass e folk, e que, a seguir, com a Albion Band, Watersons, Young Tradition, o Early Music Consort, de David Munrow, foragidos dos Fairports e Steeleye Span, e a irmã, Dolly, publicaria preciosidades da dimensão de Anthems In Eden (1969) Love, Death And The Lady (1970), No Roses (1971), ou o colectivíssimo Son Of Morris On (1976), descobriu-se emudecida, desde 1978, em consequência de uma disfonia.


Agradeçamos, pois, os bons ofícios de David Tibet (Current 93) que a persuadiu a não desistir e, inesperadamente, a aceder em gravar Lodestar. Produzido por Ian Kearey, da Oysterband, pode dizer-se que se trata da matriz, em estado de natureza, das Murder Ballads, de Nick Cave: reunindo peças do século XVI ao XX, num tremendo painel gótico de uma "olde weird England" – com desvio cajun pela América – onde até uma festiva e pagã cantiga de Maio não abdica de encerrar com a ameaça “and when you are dead and you're in your grave, you're covered in the cold, cold clay, the worms they will eat your flesh, good man, and your bones they will waste away”, imperial, por entre sanfonas, concertinas, dulcimers, violoncelos, rabecas e orgãos de tubos, a voz de pergaminho de Shirley Collins, faz desfilar personagens e cenas de horror, vingança, negríssimo humor e inquietante "nonsense", com a deliciosa ligeireza amoral da tradição capaz até de tornar cativantes palavras como “There was blood in the kitchen, there was blood in the hall, there was blood in the parlor where the lady did fall”.

29 October 2015

HERESIAS

  
Quando, em Janeiro passado, se comemorou o centenário de Ewan MacColl (morto em 1989), Shirley Collins, a matriarca da folk britânica, chamada a depor pelo “Guardian”, não mediu as palavras: “Ewan teve uma influência bastante perniciosa na folk. Todos os músicos sobre quem exerceu influência acabaram a soar iguais. Era terrivelmente sexista, pretensioso e pomposo”. Não era, de facto, flor que se cheirasse o fulano que, aos 17 anos, enquanto militante da Juventude Comunista, já tinha dossier aberto no MI5: de acordo com o dogma maccoll-zhdanovista, a folk deveria manter-se imaculadamente pura e fidelíssima à vetusta tradição, higienicamente afastada de qualquer influência burguesa e/ou imperialista – cada canção teria de ser cantada no sotaque de origem, nada de vis contaminações americanas, mesmo o jovem Dylan-cantor-de-protesto era encarado como “lixo capitalista” –, cantora folk digna desse nome livrasse-se de pintar as unhas e, até ao fim (tendo, nos anos 60, alinhado com a dissidência maoista do Partido Comunista da Grã Bretanha), nunca renegaria a sua "Ballad Of Stalin" (“Joe Stalin was a mighty man and a mighty man was he, he led the Soviet people on the road to victory”). 



Mas foi também o dramaturgo e actor aplaudido por Bernard Shaw, o criador, nos anos 50, do programa “Radio Ballads”, para a BBC, e fundador do Singers Club, em Londres – que, apesar do colete de forças ideológico, foram gatilhos decisivos para o "folk revival" –, o intérprete e colector (com A. L. Lloyd) de centenas de espécimes tradicionais, e autor de canções como "Dirty Old Town" ou "The First Time Ever I Saw Your Face", gravadas por Elvis Presley, Phil Ochs, Pogues, Planxty e Johnny Cash. Shirley Collins terá, então, de se resignar ao facto de, no ano em que foi publicado o seu álbum de homenagem, Shirley Inspired, sair também Joy Of Living - A Tribute to Ewan MacColl, sobreexcelente duplo CD que reúne a "crème de la crème" de várias gerações e dinastias folk (Marry e Norma Waterson, Martin e Eliza Carthy, Christy Moore, Martin Simpson, The Unthanks) com "snipers" exteriores (Paul Buchanan, Jarvis Cocker, Billy Bragg, Steve Earle), entregues às heréticas delícias da desobediência à linha dura em matéria de estética.

21 October 2015

PORQUE TEM DE SER

  
“Londres, a cidade que se devorou a si mesma”, escrevia-se no “Guardian” de Junho passado, denunciando o processo através do qual, bairros populares, mercados, pubs, comunidades inteiras, se vêem dizimados e expulsos pelo frenesim ávido de construção de blocos de escritórios, comércio e apartamentos de luxo, enquanto, impante de felicidade, o mayor, Boris Johnson, declarava “Londres está para os bilionários como a selva de Sumatra está para os orangotangos, é o seu habitat natural!”. Três meses antes, o grito de alerta era “Salvem-nos da visão dos empreendedores urbanos de uma Londres anti séptica!”, em uníssono com outros acerca da “morte lenta de Portobello, Covent Garden, Camden Lock e Chinatown”, ou a propósito do encerramento de um terço das pequenas livrarias de bairro. E, desde Fevereiro, o projecto “London Is Changing” (de Rebecca Ross e Duarte Carrilho da Graça), apelou ao envio, para o seu site na Internet, de testemunhos acerca do “impacto das mudanças políticas e económicas sobre a cultura e a diversidade de Londres” que seriam projectados em grandes placards digitais, no centro da cidade, em Holborn e Aldgate. 



Entoadas em orgulhoso sotaque cockney, é também essa uma das preocupações das canções do quinteto folk londrino Stick In The Wheel e do álbum de estreia, From Here: “Esta música é parte da nossa cultura, assenta nas nossas raízes londrinas. Não fingimos ser limpa-chaminés ou dandies do século XVII. Tocamo-la porque tem de ser tocada. Nada temos a ver com nostalgias ou atitudes retro mas há demasiada gente completamente desligada do passado e incapaz de estabelecer uma relação entre ele e o nosso presente. Soa exactamente como desejamos: se a melhor 'take' foi gravada na cozinha, é essa que fica”. Não se conte, pois, com folk sofisticada ou “moderna” à maneira de Shirley Collins ou das Unthanks: a de Nicola Kearey e cúmplices é crua, abrasiva, "no nonsense", proletária e encardida, com a alma dos Watersons e faca punk na liga, à volta de histórias de há 500 anos e dos London riots de 2011, vozes, dobro, violino e cajon, entre cartas de prisão, o duro neo-realismo de Ewan MacColl e a assombração pagã das quatro peças – "Hasp", "By Of River", "Who Knows?" e "By Of River (Reprise)" – do devastador políptico final.

09 July 2015

PEGADAS


Shirley Collins tinha 24 anos quando, em 1959, acompanhou, o folclorista norte-americano, Alan Lomax (desde 1950 exilado em Londres devido à caça às bruxas mccarthysta), numa expedição aos EUA para recolha e gravação de música tradicional – blues, bluegrass, folk –, através da Virginia, Arkansas, Kentucky, Alabama e Mississippi. A atmosfera familiar proletária, em Hastings, tinha-a educado no gosto pelo conhecimento e interpretação do reportório folk britânico mas seria após essa viagem e a verificação in loco de como as formas tradicionais se transformavam na travessia do Atlântico, que Shirley se lhe entregaria, por inteiro. Primeiro com o lendário guitarrista Davy Graham (Folk Roots, New Routes, 1964), depois, com a irmã, Dolly, e músicos do Early Music Consort, de David Munrow, em Anthems In Eden (1969) e Love, Death And The Lady (1970), e, em No Roses (1971), acompanhada por elementos dos Fairport Convention, Albion Band, Watersons e Young Tradition, tornar-se-ia figura central do "folk revival" e, a seguir, do felicíssimo matrimónio entre tradição, “música antiga” e rock eléctrico. 



Retirada desde 1978 quando começou a sofrer de disfonia, isso não impediu que se mantivesse activíssima enquanto "folk scholar" nem que tenha sido, regularmente, “redescoberta” por músicos de gerações posteriores. Shirley Inspired..., álbum triplo, comprova-o mais uma vez: destinado a financiar um documentário sobre Collins – The Ballad Of Shirley Collins –, reúne 45 músicos e bandas dedicados a reinterpretar parte substancial do seu reportório e, como seria inevitável em tamanho baú, nem tudo são pedras preciosas. Mas, na impossibilidade de referir todas, há que puxar devidamente o lustro aos contributos de Lee Ranaldo, Meg Baird, Sally Timms &The Mini Mekons, Rozi Plain e Bonnie Prince Billy, exemplos superiores da arte da desconfiguração, fazer vénia perante os melhores alunos da turma, Trembling Bells, Owl Service, Ulver, Johnny Flynn e Graham Coxon, e recordar as palavras de Shirley ao “Guardian”: “Cantar estas canções é-me tão essencial como caminhar pela paisagem do Sussex onde as pegadas dos nossos antepassados estão por todo o lado. São a história indiscutivelmente bela e poderosa de uma comunidade”.

07 December 2009

A REPÚBLICA ESPIRITUAL DE NORTHUMBERLAND



The Unthanks - Here’s The Tender Coming

Os Elliotts, de County Durham, são uma lenda do folk revival britânico: dinastia de mineiros do nordeste de Inglaterra – Jack, Em e os quatro filhos –, intérpretes da tradição musical do proletariado industrial, comunistas, fundaram, em 1962, o Birtley Folk Club, onde, em plena efervescência da redescoberta do baú de tesouros da música popular, gente como Peggy Seeger, A. L. Lloyd ou Ewan MacColl os foi encontrar e, como relata Pete Wood, no livro The Elliotts of Birtley, os fez chegar à rádio, à televisão e à gravação de discos. Chamemos (como já outros o fizeram) a esta atmosfera geográfica, social, musical e política que se respirava no Birtley Folk Club a “república espiritual de Northumberland” e acrescentemos que foi nela que os pais de Rachel e Becky Unthank cresceram e, mais tarde, as educaram, embaladas pelos "sea shanties" que, nos Keelers, Mr. Unthank cantava, ou pelos álbuns da série Morris On (conspiração folk-rock de Ashley Hutchings, Richard Thompson, Shirley Collins e outras cabeças coroadas do género) que animavam os fins-de-semana domésticos. Acessoriamente, esclareça-se que o apelido “Unthank” deriva da designação dos ocupantes ilegais dos terrenos "de ninguém" (os "squatters" primordiais) entre o norte de Inglaterra e a Escócia.



O que não deixa de ser belissimamente simbólico no que respeita à música das irmãs Unthank (anteriormente, Rachel Unthank & The Winterset): se a matéria sobre que trabalham é (quase) toda ela profundamente enraizada na memória das terras da Northumbria, depois de haver sido filtrada pelas assombrosas vozes de ambas e transfigurada pela requintada relojoaria dos arranjos instrumentais (para cordas, sopros, acordeão, ukulele, bandolim, marimba, autoharp e piano), pertence tanto às antiquíssimas lendas mineiras como ao idioma barroco revisto por Steve Reich, ao jazz tal como, obliquamente, Robert Wyatt o sobrevoa, ou à pop de câmara que habita as fantasias de Sufjan Stevens. A propósito do anterior, The Bairns (2007), era impossível não invocar como termos de comparação June Tabor ou o melhor de Richard & Linda Thompson, de Shirley Collins e dos Fairport Convention. A partir de Here’s The Tender Coming e de puríssimos milagres da estirpe de "The Testimony of Patience Kershaw", "Living By The Water", "Sad February" ou "Tender Coming" (em rigor, todas, da primeira à décima segunda faixa, entre tradicionais e temas de Anne Briggs, Ewan MacColl ou Lal Waterson), dificilmente se encontrará forma de não ter as Unthanks como padrão para tudo o que, na muito ampla área da folk e imediações, vier a seguir.

(2009)