31 October 2023

"O PASSADO NÃO ME INTERESSA" 

O plano estava milimetricamente delineado. Primeiro estabelecer o chamado "bom ambiente de trabalho" através do elogio de abertura afagador do ego, com a acrescida vantagem de ser absolutamente verdadeiro: o concerto dos Dexys Midnight Runners no Pavilhão do Dramático de Cascais, em 18 de Julho de 1981, um ano após a publicação do clássico de estreia Searching for the Young Soul Rebels, foi um daqueles três ou quatro que, dificilmente, alguma vez nos desocuparão a memória. Porém, após uns "A sério?... obrigado" e antes de passar ao novo The Feminine Divine com o qual os Dexys voltaram a Cascais (mais exactamente, ao Casino do Estoril), quando me preparava para a segunda etapa de contextualização, Kevin Rowland, sem piedade, desmantelaria uma tactica laboriosamente urdida. 

    Quando há 43 anos publicou Searching for the Young Soul Rebels, imaginava que hoje ainda poderíamos estar a falar sobre ele? 

Oiça: antes de mais, importava-se que nos concentrássemos sobre o novo álbum? Acabei de o publicar e considero-o uma obra-prima. Provavelmente, o nosso melhor álbum de sempre. Podemos falar primeiro dele antes de olharmos para o passado?

    ... por mim, tudo bem... 

É que, sabe, o passado não me interessa muito. Os Dexys não são uma banda revivalista. Foi por isso que alterámos o nome de Dexys Midnight Runners para Dexys. Não somos figuras do passado, Podemos falar dele mas o que importa é o presente, este álbum e este espectáculo. No concerto que vamos dar em Portugal, a primeira parte é totalmente dedicada ao novo álbum. E não vamos apenas tocá-lo, vamos apresentá-lo de uma forma dramática. (daqui; segue para aqui)

É o que a Bíblia tem de mais prático: há lá sempre uma citaçãozinha pronta-a-usar para todos os gostos

30 October 2023


(de Swordfishtrombones, na íntegra aqui)

 "A Terra Prometida?" (VII): No Land Without Heaven - The Freeland League

(ver também aqui e aqui)

Mais outra prestimosa agremiação de meditadeiros, pensabundos, debatentes, erudoutos e demais sábios avulsos, que, após terem, em vão, derramado luminosa sapiência pelos gentios, nos trazem, enfim, a palavra da redenção universal: "Entendemos que a esquerda, nas suas diferentes forças e visões, tem a responsabilidade de construir uma sociedade melhor, concebendo e executando reformas estruturais progressistas"! Como pudemos nunca ter pensado nisso antes? 
 
... e, por outros meios, noutros lugares, também se vai fazendo pela vidinha:
 

27 October 2023

 
(sequência daqui) De resto, a personagem-Tom Waits manter-se-ia em inalterável mutação ("A personagem-Tom Waits? Rouba-se um bocadinho daqui, outro dali. Umas coisas velhas, outras novas, um farrapo de pano azul, o chapéu do pai, a roupa interior da mãe, a moto do irmão, os tacos de bilhar da mana e aí vamos nós. Quer dizer, sou o Frank Sinatra ou o Jimi Hendrix? Ou o Jimi Sinatra? Claro que sou ventríloquo como todos os outros. Ninguém se rala se estamos a dizer ou não a verdade. No nosso ramo de actividade, não me parece que isso seja muito importante"), com um pé na realidade ("O mundo está a arder e eu às vezes penso que raio de vida é a minha a fazer joalharia para os ouvidos. Quando foi a última vez que numa sala toda a gente cantou a mesma canção? Há muitas coisas que têm de acontecer antes de se ligar um giradiscos. Roupa e alimentos. Não duvido do poder da música mas parece-me que uma ideia exagerada de nós mesmos e do valor daquilo que fazemos pode fazer-nos acreditar que escrever uma canção é capaz de mudar o mundo") e outro nunca se saberá bem onde: "Em Hermosillo, uma prostituta anã subiu para o meu banco no bar, sentou-se-me ao colo, pediu um Double Suicide para beber e contou-me como tinha assassinado o chulo dela, a sangue frio, no Bali-Hai de Tijuana. Isso tinha-se passado há 30 anos, desde então tornara-se cristã 'born again' e queria que eu a ajudasse a juntar dinheiro para ir a Fátima". (Desde 6 de Outubro, Swordfishtrombones, Rain Dogs, Franks Wild Years, Bone Machine e The Black Rider, remasterizados a partir das "master tapes" analógicas originais, foram reeditados em vinil e CD)
Confesso que sou fã, grande fã, 

É mesmo um nunca mais acabar 
Convém ler sempre com muita atenção a posologia recomendada!

24 October 2023

"A Terra Prometida?" (VI): "My book, In the Shad­ow of Zion: Promised Lands before Israel, details six mod­ern efforts to cre­ate Jew­ish home­lands beyond the bor­ders of bib­li­cal Israel. Most of these plans were advanced by ter­ri­to­ri­al­ists — Jew­ish nation­al­ists who sought to set­tle a land oth­er than Eretz Israel. While con­duct­ing archival research, I vis­it­ed each of the poten­tial ter­ri­to­ries my work describes: Ango­la, Kenya, Mada­gas­car, upstate New York, Suri­name, and Tas­ma­nia. But there were sev­er­al oth­er plans for Jew­ish states I didn’t exam­ine, either because they nev­er advanced far enough to be con­sid­ered seri­ous pro­pos­als, or because I didn’t want get myself killed. Here’s a list of alter­nate Zions - Arc­tic Ocean Islands (1931);  New Cale­do­nia (1936); Baja Cal­i­for­nia (1933); Guyana (1938); Libya (1908) - for that sequel I’ll nev­er write"

23 October 2023

(Franks Wild Years, na íntegra aqui)

(sequência daqui) Ao longo de Rain Dogs (1985), Franks Wild Years (1987) Bone Machine (1992) e The Black Rider (1993), Waits montaria, peça a peça, uma improvável escultura sonora feita dos escombros de Kurt Weill, Harry Partch, Captain Beefheart, aromas de New Orleans, folk irlandesa, blues, tango e rascunhos de Tin Pan Alley, em busca do essencial: "É verdade que a minha música se tem tornado cada vez mais despojada. Até se reduzir quase só a uma frase. Sinto necessidade de qualquer coisa rudimentar, fundamental. Actualmente, prefiro escrever sem nenhum instrumento, só com a minha voz. E estalando os dedos. Isso liberta-me da tirania do teclado ou da escala da guitarra. Repare na pop: actualmente, parece o Exército de Salvação, uma troca de trapos velhos. O que faz falta são canções. O que é superficial desaparecerá. No hip-hop, uma bateria e um órgão podem chegar. São simétricos, satisfatórios. E quais são as raízes do hip-hop? Os blues". (segue para aqui)



Hieronymus Bosc - O Jardim das Delícias Terrenas (detalhe, 1504)

22 October 2023

... e propõe-se à FENPROF que, para maior mobilização e galvanização das massas docentes, o evento seja antecedido de uma projecção de vídeos das incomparáveis vocalizações de Natália de Andrade
 
(a este, acrescentar-se-iam este, este e estes)

A joke a day keeps the doctor away (CIII)

"Acção de vocalização da luta dos professores frente ao Ministério das Finanças" (em registo operático? tirolês? gutural difónico?)

Mary Schneider - Yodelling Overtures

20 October 2023



(ver também aqui)
Bone Machine (álbum integral aqui)
 
(sequência daqui) Se, entre Closing Time (1973) e Blue Valentines (1978), ele se imaginava como a encarnação de uma personagem da ficção de Kerouac, Damon Runyon ou Raymond Chandler cambaleando por entre coreografias de jazz desmoronado ("Para a maioria dos músicos, há o 'onstage' e o 'backstage'. Eu cresci mais ou menos em público. Tinha vinte e dois anos quando gravei o primeiro disco. Ainda andava a tropeçar pelas escadas abaixo. Não fazia ideia do que estava a fazer mas sabia que iria ser músico. Há pessoas que aparecem logo completamente formadas, como um ovo. Comigo, não aconteceu assim. Fui juntando as peças pelo caminho. Uma 'persona' de palco é muito diferente daquilo que somos. De facto, uma 'persona' é algo que não acreditamos ser mas que tentamos desesperadamente convencer os outros que somos"), a partir daí, contando com Kathleen como insubstituível braço direito, tudo se transformaria: "Escrever canções com a minha mulher é assim: um segura no prego e o outro bate-lhe com o martelo. Colaboramos em tudo. Ela escreve mais inspirada por sonhos e eu pelo próprio mundo. Quando escrevemos, navegamos pelo meio da escuridão e não sabemos a direcção certa. Cinco minutos a mais e pode dar-se cabo de uma canção. Por isso, o tempo também participa do processo. Temos o nosso negociozinho familiar. Eu sou o prospector e ela cozinha. Eu trago o flamingo para casa e ela corta-lhe a cabeça. Eu meto-o na água e ela depena-o. Depois, ninguém lhe apetece comê-lo. Agora, o meu ponto mais forte é pegar numa coisa, combiná-la com outra com que não tenha nada a ver e conseguir que isso faça sentido. Digamos que procuro formas diversas de usar um guarda-chuva. A maior parte dos instrumentos são quadrados mas a música é sempre redonda e a verdade é que não gosto de linhas rectas". E, reforçando o louvor público, "Eu sou a Ingrid Bergman e a Kathleen é o Bogart. Ela tem um brevet de piloto de aviação e, antes de nos casarmos, estava para ser freira. Pus um ponto final nisso. Ela sabe de tudo desde reparação de motos até à alta finança e é uma excelente pianista. Uma das maiores autoridades mundiais acerca da violeta africana. É feita de material muito rijo. É como a Super-Mulher, com a capa a flutuar ao vento. Funciona. Já andamos nisto há muito tempo". (segue para aqui)

 
"I Don't Wanna Grow Up" (real. Jim Jarmusch)
(real. Eliyahu Ungar-Sargon, 2014)

18 October 2023

"Por mais cruéis que os ataques do Hamas possam ser, e são-no de facto, eles não fazem mais nada do que continuar a lógica de guerra israelita: a guerra civil, a guerra contra civis, a guerra contra os palestinianos como cidadãos sem direitos e como povo sem existência ou em sub-existência. É condenável o ataque do Hamas, como são condenáveis todas as formas de violência que Israel tem exercido incessantemente. O cinismo ocidental está precisamente aí: condenar o Hamas por fazer aquilo que Israel não cessa de fazer. Ora, isto não significa legitimar a acção do Hamas, significa situá-la no contexto de uma guerra que fez da vida civil uma vida nua — para tomar de empréstimo o conceito cunhado por Giorgio Agamben —, uma vida sem direitos reduzida ao limiar da subsistência e que está sempre perante a possibilidade de ser tomada enquanto objecto da violência militar, vida exposta à morte. Um Estado que lança herbicida sobre as colheitas de um outro 'território', um Estado que mata sumariamente, ao arrepio de qualquer legalidade, crianças, mulheres, jornalistas, é um Estado que mobiliza tácticas de terror, é um Estado terrorista. Terrorismo de Estado não deixa de ser terrorismo. E é isso que a 'comunidade internacional' prefere não ver, tem pudor em aceitar" (daqui; + aqui)
 
A peçonha anti-científica não se extingue facilmente

15 October 2023

(sequência daqui) The Black Rider (1993) seria o último dos cinco álbuns que gravaria para a Island após o abandono da Asylum Records. As relações com o patronato nunca seriam, aliás, fáceis e ele não o disfarçaria: "As grandes editoras assemelham-se mais a países do que a empresas. Ou a alforrecas. Não possuem anatomia própria. Mas ferram. Perderam o interesse em apoiar o crescimento de um artista. Querem que comeces a dar leite a partir do momento em que assinas com elas. Mas, assim que a teta seca, mandam-te para o churrasco. Devemos lutar a todo o custo pela nossa independência e liberdade. Continuamos a viver no regime das plantações de algodão. Uma editora discográfica é apenas um banco que te empresta uns dinheiritos para fazer um disco e que fica proprietária de ti para toda a vida. Nem sequer somos donos do nosso próprio trabalho". O primeiro volume da era-Island, Swordfishtrombones (1983) tinha, entretanto, inaugurado um novo capítulo no universo de Tom Waits. (segue para aqui)
 
"Clap Hands" (de Rain Dogs, na íntegra aqui)
(1º ANO A SEGUIR AO) ANO DO TIGRE (CLXVII)


13 October 2023


Critchley Parker
(sequência daqui) E ele terá também tanta consciêndia disso que, em 2008, enviaria para a Anti Records, um texto promocional constituido por uma entevista que fizera a si mesmo. A introdução era esclarecedora: "Tenho de reconhecer, que antes de me encontrar com o Tom, tinha ouvido tantos boatos e rumores que estava com algum medo. As dívidas de jogo, o magnetismo animal, o desprezo pelos sentimentos dos outros... a requintada colecção de armas, a fúria consumista, as operações plásticas, as estâncias de ski, as rusgas por posse de drogas, as centenas de quartos da sua mansão. Estava nervoso por ir encontrá-lo. Mas acabei por achá-lo amável, inteligente, aberto, brilhante, disponível, bem humorado, bravo, audacioso, loquaz, asseado e reverente. Na verdade, um autêntico escuteiro e um grande homem. Acompanhem-me agora numa olhadela ao coração de Tom Waits. Descalcem os sapatos e é proibido fumar" (segue para aqui)

"Underground" (de Swordfishtrombones, na íntegra aqui)

12 October 2023

"Israel é um Estado colonial que assenta num racismo de Estado, um racismo que incorporou na figura do palestiniano o seu inimigo único e total. A fundação do Estado de Israel assenta numa profunda lógica de sobrevivência cujo destino não poderá ser outro que o aniquilamento do seu inimigo. Uma das mais terríveis ironias da história: aquele povo que foi nas mãos dos Nazis sujeito às piores atrocidades imagináveis, objecto de um genocídio calculado e implacável, em nome de uma superioridade moral e racial, em nome de um lebensraum, de um espaço vital de sobrevivência, tomou para si a figura, os métodos e a lógica, do seu próprio executor. (...) É o próprio Estado de Israel que se realiza enquanto consumação plena do destino histórico dos pesadelos forjados pelo pensamento político Ocidental: a unidade total entre Estado, Religião e Raça, onde toda a violência é legitimada enquanto violência única e total sobre um território, sobre um sujeito, sobre um povo" (daqui)
Custa a compreender como, lá na terra dele, há sangue e tripas de fora e o filho do Panthera mete o rabo entre as pernas e não tuge nem muge
 
O grau zero da política (a seguir, vão fazer corninhos como o outro, manguitos e deitar a língua de fora)
 
 

10 October 2023

ESCULTURA DE ESCOMBROS 


Era o início de Outubro de 1990 e, junto à janela do primeiro andar de um pequeno café da Rue du Bac, em Paris, com os pés descontraidamente pousados sobre a cadeira da frente, Tom Waits discursava acerca do motivo que o conduzira à capital francesa: a apresentação, no Théâtre du Châtelet, da ópera The Black Rider que escrevera com William Burroughs e Robert Wilson. De súbito, lá em baixo, na rua, a figura de Kathleen Brennan - co-compositora, companheira e força da ordem no mundo de Waits -, saída do hotel em frente, surge, gesticulando para ele. Como quem faz apenas uma pausa para logo a seguir continuar o que ficara suspenso, em modo de ditador benévolo, Tom Waits diz-me: "Faça-me a próxima pergunta, deixe o gravador aqui e, por favor, vá até à rua para saber o que ela quer". Qual pombo correio, cumpri a missão em 5 minutos. Mais tarde, verificaria que ele fora também fiel ao compromisso, falando ininterruptamente durante todo o tempo. Apenas mais uma prova de que, pelo menos tão fascinante como a sua obra musical, Tom Waits em discurso directo é invariavelmente muito melhor do que qualquer tentativa de o caracterizar (daqui; segue para aqui)


"November" (The Black Rider, na íntegra aqui)

04 October 2023

"O que os distópicos digitais não conseguem mesmo compreender é que, nos dias de hoje, é mais importante uma sólida formação científica inicial do que outrora. Porque é necessário um trabalho de cotejo muito maior do que era quando o material usado em sala de aula era apenas o manual e pouco mais.
 
O que os distópicos digitais não querem compreender é que a mestria na utilização das plataformas e demais ferramentas digitais não é a condição primeira para conseguir guiar os alunos de hoje na selva de informação que os cerca. 
 
O que os utópicos das pedagogias, ditas 'activas', nunca conseguirão compreender – não está no seu adn ideológico – é que um professor desqualificado academicamente só por um acaso quase cósmico conseguirá formar alunos com todas aquelas competências que gostam de enumerar a partir do 'Perfil do etc e tal'” (daqui)
(álbum integral)
Em que alínea do contrato de trabalho consta "a boa vontade"?

03 October 2023

 
(sequência daqui) "A mais imaterial das artes", em Ticket To Fame, emergiu de um processo informal de composição, no qual, uma vez sintonizado o "writing flow", as canções "transpiravam com agilidade". Entre um estúdio de Colónia (Alemanha) - "uma nave espacial recheada de sintetizadores: um Prophet, um modular, um Juno, um Jupiter, um Rodeo, um com o desenho de uma abelha e outro dos anos 80 que a Kate conhecia", conta Deradoorian -, uma sala de ensaios de Los Angeles e um roupeiro onde gravaram as vozes, erguer-se-ia-se-ia um jogo de transparências sonoras em modo de geometria colorida mais leve do que o ar, que tanto pisca o olho aos Talking Heads como à 9ª de Beethoven, a Laurie Anderson e aos Gershwin, ou verte o "ennui" contemporâneo em poesia Dada/lista de compras: "Anatomy bathing suit, real life potato head, kitty thief piggy bank, lizard glow bowling ball".