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28 March 2013

DIY


Quando, em 1981, no departamento das pequenas e médias polémicas, se desencadeou a fugaz mas intensa querela acerca dos malefícios que a programação de videoclips musicais pela MTV iria provocar na capacidade imaginativa de quem escuta música, não ocorreu a ninguém recordar como um bem mais avassalador assalto tinha acontecido, cem anos antes, com o surgimento das tecnologias de gravação e reprodução sonora: primeiro, Edison, em 1877, com o fonógrafo, e, em 1889, Emile Berliner, com o disco de vinil, punham fim a vários séculos em que uma peça musical consistia, primariamente, de uma partitura manuscrita ou impressa, cabendo a cada intérprete a missão de – segundo a sua intuição, talento e experiência – a bafejar com o sopro da vida. Deve dizer-se que, mesmo nos primórdios (como recorda David Byrne em How Music Works), a ideia do registo mecânico da música não foi unanimente acarinhada. John Philip Sousa, “the march king”, por exemplo, insurgia-se contra as máquinas “que se preparam para reduzir a expressão da música a um sistema matemático de megafones, rodas dentadas, discos, cilindros e todo o tipo de geringonças giratórias”, agredindo aquilo que, bastante mais tarde, Walter Murch definiria como a sua essência: “A música é a principal metáfora poética para o que não pode ser preservado”. Coisa idêntica, aliás, ao que se passaria na transição do cinema mudo para o sonoro, com os defensores do primeiro a clamarem contra a descaracterização da “arte do movimento dirigida pela luz” que a transformaria numa mera subsidiária do teatro.



É, por isso, algo intrigante que, o único gesto verdadeiramente radical produzido pela cultura retromaníaca dominante – a publicação, no final do ano passado, de Song Reader, de Beck – não tenha provocado mais do que um suave agitar de águas. Há quatro anos, Matt Friedberger, dos Fiery Furnaces, já havia ameaçado realizar algo semelhante com o ainda por materializar, Silent Record (“um livro de cerca de 200 páginas de canções com muito diversos tipos de notações”), mas, agora, Beck concretizou-o: 108 páginas com 20 partituras originais e artwork de Marcel Dzama, Leanne Shapton, Josh Cochran e outros. Mais do que um álbum que apenas poderemos escutar se decifrarmos a notação musical (ou alguém o fizer por nós) trata-se de uma peça conceptual, não realmente anti-tecnológica, mas contra a passividade criativa: correndo deliberadamente o risco de, como ele próprio afirma, o projecto ser encarado “como um truque ou uma condescendência estilística, destinada exclusivamente a amantes de curiosidades e revivalistas”, a intenção é a de, sem demasiadas cerimónias (“Usem os instrumentos que quiserem. Mudem os acordes. Se vos apetecer, mantenham apenas os textos”), nos recordar como “não assim há tanto tempo, uma canção era apenas uma folha de papel até que alguém a tocasse. Qualquer pessoa. Até tu”. O Portland Cello Project já o registou em álbum (Beck Hansen's Song Reader), Stephin Merritt atirou-se a "Old Shangai" armado de um "toy piano" e, em Songreader.net, já se contam alguns milhares de "uploads". Mas é ainda pouco. Deve haver muito mais.