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12 February 2024

O IMENSO ABISMO NEGRO

Não é propriamente uma inovação herética: na banda sonora de Marie Antoinette, de Sofia Coppola (2006), escutámos, sem sobressalto, Siouxsie & The Banshees, New Order, Cure, Bow Wow Wow ou os Gang Of Four lado a lado com Vivaldi, Rameau ou Scarlatti; em Moulin Rouge, de Baz Luhrmann (2001), cruzarmo-nos com Madonna, T. Rex, Police, Nirvana e Elton John ou assistirmos ao parto de "The Sound Of Music" na trepidante Montmartre da viragem do século, não foi motivo de nenhum escândalo. E, pulando para o domínio das séries de televisão, na belíssima Westworld (2016/2022) - "um 'western' com robots" -, 'Paint It Black', dos Rolling Stones, 'House Of The Rising Sun', dos Animals, 'A Forest', de The Cure, 'Black Hole Sun', dos Soundgarden, ou 'Exit Music (For A Film)', dos Radiohead, tocadas por uma vetusta pianola, não provocaram a menor perplexidade. Mas, provavelmente, nenhuma outra atingiu tão plenamente a perfeição no encaixe entre música eléctrica contemporânea e contexto histórico "divergente" (início do século XX) como Peaky Blinders (2013/2022). (daqui; segue para aqui)
Anna Calvi- "Miquelon"

21 August 2023

 
(sequência daqui) Foi, por isso, quase uma surpresa que, a 24 de Junho do ano passado, ela tenha aparecido no palco do Newport Folk Festival. Era, afinal, apenas a sequência lógica das "Joni Jams" que, desde há algum tempo, vinham acontecendo em casa dela, no Laurel Canyon. Incluindo "um círculo de amigos muito especial", por lá passaram, entre vários outros, Herbie Hancock, Paul McCartney, Elton John e Bonnie Raitt. Eram encontros absolutamente informais nos quais, enquanto os diversos participantes iam abordando o reportório de Joni sob todos os ângulos, ela escutava, aqui e ali, experimentava cantar alguns compassos e, lentamente, ia ganhando balanço para voos mais altos. Ao mesmo tempo, procurava reaprender a tocar guitarra vendo vídeos de actuações suas: "Tive de voltar a aprender tudo. Observo videos na Net para descobrir onde devo colocar os dedos na guitarra, procuro decifrar os acordes. É espantoso... Quando temos um aneurisma, não sabemos como fazer para nos sentarmos numa cadeira. Não sabemos como sair da cama. É preciso reaprender tudo. É quase como se tivéssemos regressado à infância", diria numa entrevista â CBS. (segue para aqui)

07 February 2017

ANACRONISMOS 

Siouxsie & The Banshees - "Hong Kong Garden" (Marie Antoinette, real. Sofia Coppola, 2006)

Na segunda sequência de Once Upon a Time In The West, pretendendo que não restem dúvidas sobre a origem irlandesa da família McBain – que, pouco depois, será implacavelmente chacinada –, Sergio Leone faz questão que uma das personagens trauteie meia dúzia de compassos de "Danny Boy", um quase hino da comunidade irlandesa emigrada. Detalhe relevante: a acção do filme decorre na segunda metade do século XIX mas "Danny Boy" apenas foi escrita em 1910, por Frederic Weatherly. Na verdade, nada de muito grave: deliberados ou involuntários, anacronismos desse género integram a própria natureza do cinema – sempre que nos dispomos a ver um filme, não assinamos necessariamente um pacto de "suspension of disbelief"? Sem recuar demasiado, escutar Siouxsie & The Banshees, New Order, Cure, Bow Wow Wow ou os Gang Of Four lado a lado com Vivaldi, Rameau ou Scarlatti, na banda sonora de Marie Antoinette, de Sofia Coppola (2006), terá sido sequer vagamente escandaloso? Descobrir Madonna, T. Rex, Police, Nirvana ou Elton John na Montmartre "fin de siècle" (onde “eclodirá” também "The Sound Of Music”), em Moulin Rouge, de Baz Luhrmann (2001), despenteou irremediavelmente alguma regra de ouro? 

"Smells Like Teen Spirit" (Nirvana - em Moulin Rouge, Baz Luhrmann, 2001)

No território das séries de televisão, no qual boa parte da narrativa audio-visual contemporânea mais interessante ocorre, os exemplos não faltam. Em The Borgias (2011), ilustrar a coroação do papa Alexandre VI com Zadok The Priest, de Haendel, composta só três séculos mais tarde, poderá ter esticado demais a corda. Mas é impossível não falar da recente Westworld. Num universo paralelo – um parque temático "western" virtual habitado por andróides que, à medida que o argumento progride, obrigam a reformular tudo o que supomos saber acerca das fronteiras do humano e da relação com a inteligência artificial –, uma pianola mecânica (sugerida pelo Player Piano, de Kurt Vonnegut) instalada no bordel de Sweetwater (vénia subliminar ao nome do terreno dos McBain, de Leone), de acordo com as exigências do guião, vai extraindo dos rolos de papel perfurado versões instrumentais de "Paint It Black", dos Rolling Stones, "House Of The Rising Sun", dos Animals, "A Forest", de The Cure, "Black Hole Sun", dos Soundgarden, ou "Exit Music (For A Film)", dos Radiohead. Afinal, como justifica Ramin Djawadi, responsável pela música da série, “num 'western' com robots, por que motivo não poderia haver canções modernas tocadas por um robot primitivo (a pianola)?”

02 January 2017

FALTAS JUSTIFICADAS


É um aborrecimento. Ninguém quer ir abrilhantar a cerimónia de inauguração da presidência de Donald Trump. Elton John escusou-se alegando que é inglês, não tem nada a ver com a política norte-americana, não joga na equipa dos Republicanos e já tinha, aliás, protestado contra a utilização da sua canção "Rocket Man" na campanha eleitoral. Com justificações várias, outras vedetas nem sequer particularmente politizadas ou militantes – Celine Dion, Andrea Bocelli, Garth Brooks – pediram dispensa. Em pânico, o "staff" de Trump, contratou Suzanne Bender (produtora de êxitos de televisão como “American Idol” e “America’s Got Talent”) para a específica missão de recrutar celebridades. O alvo eram espécimes como Justin Timberlake, Katy Perry, Beyoncé e Bruno Mars. Mas, se em relação ao apolítico Mars ainda poderiam sonhar, os restantes, sonoros apoiantes de Hillary Clinton, eram óbvios tiros na água. Nada feito: mesmo com garantia de cachets chorudos e futuras honrarias, nenhum aceitou. Um bocadinho mais humilhante foi a não comparência de uma única "marching band" das escolas públicas de Washington D.C. que haviam participado nas cinco últimas inaugurações presidenciais: aparentemente, os miúdos não manifestaram interesse em desfilar pela Pennsylvania Avenue festejando Trump. 



E, assim, indo pela cadeia alimentar das notabilidades abaixo, o elenco encontra-se reduzido à equipa B dos Beach Boys (sem Brian Wilson nem Al Jardine), a uma ex-concorrente do “America’s Got Talent”, Jackie Evancho, e ao Mormon Tabernacle Choir, essa veneranda instituição da pitoresca seita religiosa que acredita num Deus residente no planeta Kolob e apenas em 1978 se resignou a admitir negros no seu seio. A cerejinha no topo do bolo seriam, porém, as manobras de pressão para que a companhia feminina de dança do Radio City Music Hall, The Rockettes (que, curiosamente, também só integrou bailarinas afro-americanas a partir de 1987), se apresentasse ao serviço. Inicialmente pressionadas pela AGVA – o sindicato (!) dos artistas de variedades – com ameaças de despedimento, perante o protesto público de muitas (“Seria chocante actuarmos para um homem que defende tudo aquilo a que nos opomos”), ficou acordado que somente seriam convocadas aquelas que, livremente, o desejassem. O que, naturalmente, não evitou que, de imediato, se comentasse quão apropriado seria, na tomada de posse de Trump, haver um grupo de mulheres obrigadas a usar o corpo contra a sua vontade...

26 December 2011

SEM SE RIR


















Kate Bush - 50 Words For Snow

Antes de mais: ao contrário do que o largamente disseminado mito nos pretende fazer crer, os esquimós (isto é, os Inuit) não possuem 50 palavras distintas para nomear a neve. Ficam-se por um número equivalente, por exemplo, ao do Inglês contemporâneo. É uma lenda poeticamente simpática – criada, no início do século passado, pelo linguista e antropólogo, Franz Boas, que tenderia a reforçar a ideia segundo a qual é a linguagem que cria o real – mas, infelizmente, falsa. Não seria, no entanto, por esse motivo que o último álbum de Kate Bush e a faixa que lhe oferece o título (onde Bush, citando o mito esquimó, qual Jamie Lee Curtis perante o italiano de Kevin Kline em Um Peixe Chamado Wanda, desafia Stephen Fry a inventar termos ingleses para neve) seriam melhores ou piores.

O enorme problema deste opus ártico e invernal é deixar absolutamente evidente, de uma vez por todas, que, muito mais do que alegada ascendência estética de Tori Amos ou Goldfrapp, Kate Bush é a verdadeira mãe espiritual de Joanna Newsom: quem mais, sem se rir, seria capaz de nos contar histórias de flocos de neve falantes, encontros com o Yeti, espectros aquáticos que chamam pelo cãozinho de estimação perdido e – ponto culminante – "one night stands" com bonecos de neve que (sejamos justos, isso não acontece apenas com bonecos de neve e Kate não será a primeira a queixar-se) se derretem muito antes do momento desejável? Não reparando demasiado na participação de Elton John, o design sonoro até é muito agradavelmente não-bushiano, quero dizer, nada exibicionista e barroco mas, quase sempre, minimal e rarefeito, com os mui estimáveis Danny Thompson e Steve Gadd a participarem activamente na concepção da espaçosa tundra sonora de uma hora em que se alojam sete fantasias vagamente semelhantes a canções. Assaz embaraçosas.

(2011)

04 August 2009

NEIL HANNON PARA O CLUBE DISNEY



Patrick Wolf - The Bachelor

Patrick Wolf é um Elton John contemporâneo que escreve canções sobre minotauros, um Marc Almond que se deixa inspirar por conversas com satanistas em quartos de hotel, um Billy Corgan sinfónico que imagina que “over the top” é sinónimo de “less is more”, um "ersatz" do Bowie andrógino com queda para compor hinos de realismo-socialista com revolucionários apelos corais de “rise up!”, uma Kate Bush algo mais destrambelhada. Em The Bachelor, tudo isso acaba por se sintetizar numa versão um bocadinho peculiar de Neil Hannon-para-o-Clube-Disney, com pinceladas “célticas” (cortesia de Eliza Carthy”) e interpelações em spoken word da “voz da esperança” (Tilda Swinton). Sim, o moço (se esquecermos os satanistas) até sabe escolher as companhias mas, no que era suposto ser um duplo-álbum – afinal, o segundo tomo só será publicado no próximo ano – de despenteada maturidade (“I want to grow old disgracefully. I want to become more and more unconventional”), isso não é, de todo, suficiente. Sem querer ser excessivamente desagradável, dir-se-ia mesmo que The Bachelor até é bastante aborrecido.

(2009)