26 December 2011

SEM SE RIR


















Kate Bush - 50 Words For Snow

Antes de mais: ao contrário do que o largamente disseminado mito nos pretende fazer crer, os esquimós (isto é, os Inuit) não possuem 50 palavras distintas para nomear a neve. Ficam-se por um número equivalente, por exemplo, ao do Inglês contemporâneo. É uma lenda poeticamente simpática – criada, no início do século passado, pelo linguista e antropólogo, Franz Boas, que tenderia a reforçar a ideia segundo a qual é a linguagem que cria o real – mas, infelizmente, falsa. Não seria, no entanto, por esse motivo que o último álbum de Kate Bush e a faixa que lhe oferece o título (onde Bush, citando o mito esquimó, qual Jamie Lee Curtis perante o italiano de Kevin Kline em Um Peixe Chamado Wanda, desafia Stephen Fry a inventar termos ingleses para neve) seriam melhores ou piores.

O enorme problema deste opus ártico e invernal é deixar absolutamente evidente, de uma vez por todas, que, muito mais do que alegada ascendência estética de Tori Amos ou Goldfrapp, Kate Bush é a verdadeira mãe espiritual de Joanna Newsom: quem mais, sem se rir, seria capaz de nos contar histórias de flocos de neve falantes, encontros com o Yeti, espectros aquáticos que chamam pelo cãozinho de estimação perdido e – ponto culminante – "one night stands" com bonecos de neve que (sejamos justos, isso não acontece apenas com bonecos de neve e Kate não será a primeira a queixar-se) se derretem muito antes do momento desejável? Não reparando demasiado na participação de Elton John, o design sonoro até é muito agradavelmente não-bushiano, quero dizer, nada exibicionista e barroco mas, quase sempre, minimal e rarefeito, com os mui estimáveis Danny Thompson e Steve Gadd a participarem activamente na concepção da espaçosa tundra sonora de uma hora em que se alojam sete fantasias vagamente semelhantes a canções. Assaz embaraçosas.

(2011)

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