Showing posts with label Everly Brothers. Show all posts
Showing posts with label Everly Brothers. Show all posts

19 June 2024

FILIGRANA E LABAREDAS

No passado dia 30 de Abril, contaram-se 50 anos sobre a publicação de I Want To See The Bright Lights Tonight, de Richard e Linda Thompson, eterno (e justíssimo) candidato a figurar nas listas dos melhores álbuns de sempre. Por essa altura, Richard tinha no currículo "apenas" 5 álbuns com os Fairport Convention - entre os quais a trilogia de ouro de 1969, What We Did On Our Holidays, Unhalfbricking e Liege & Leaf -, o primeiro álbum a solo, Henry The Human Fly (1972), No Roses (1971), com Shirley Collins e a Albion Country Band, Rock On (1972), integrado em The Bunch, selecção de notáveis do emergente folk-rock na hora do recreio à volta de canções de (entre outros) Elvis Presley, Buddy Holly e Everly Brothers, e Morris On (1972), espécie de derivação do anterior com a tradição das "morris dances" como eixo. Faltava, porém, ainda muito (nunca menos do que brilhante) caminho até se atingir o bonito total actual de 24 álbuns a solo, 18 "live" (a solo e com os Fairports), 10 compilações, 5 bandas sonoras para televisão e cinema, e dispersas pelas esquinas do universo sonoro, literalmente incontáveis colaborações mais ou menos notórias. Mas, desde o agora cinquentenário, a atmosfera na qual tudo o que viria a seguir se instalaria ficava definitivamente estabelecida na canção de embalar "The End Of The Rainbow" dedicada a Muna, a filha recém-nascida: "I feel for you, you little horror, safe at your mother's breast, no lucky break for you around the corner, 'cos your father is a bully and he thinks that you're a pest, and your sister, she's no better than a whore, life seems so rosy in the cradle, but I'll be a friend I'll tell you what's in store, there's nothing at the end of the rainbow, there's nothing to grow up for anymore". (daqui; segue para aqui)


25 March 2020

Conselho dos psiquiatras: Neste período anormal de quarentena é considerado normal falar com flores e plantas. Procure-nos só se elas responderem.

The Everly Brothers - "Talking To The Flowers"

12 June 2014

SUJO OU LIMPO?



O Voice-O-Graph assemelhava-se bastante a uma cabine telefónica das antigas. Como anunciava a International Mutoscope Reel Co., de Long Island, Nova Iorque, em 1957, “basta entrar, pegar no microfone, inserir 25 cêntimos, esperar pelo sinal luminoso e ditar uma carta, cantar uma canção ou gravar os parabéns pelo aniversário”. Concluído este processo, a máquina, qual Photomaton, cuspia um vinil de 45 ou 78 rotações o qual, entre outras utilidades, permitiria confirmar que “Há um pequeno Bing Crosby ou John Barrymore dentro de todos nós!” Popularizado dos anos 40 até ao final dos 60 do século passado quando o surgimento das cassetes de fita magnética lhe ditou o final do prazo de validade, o único Voice-O-Graph actualmente em funcionamento encontra-se nas instalações da Third Man Records, de Jack White, em Nashville, Tennessee. Foi, precisamente, nesse exemplar da arqueologia fonográfica que Neil Young optou por registar o seu último álbum, A Letter Home, uma colecção de versões acústicas para temas de Phil Ochs, Dylan, Tim Hardin, Everly Brothers e diversos outros, obviamente, em mono, e fazendo gala do primitivismo tecnológico assim recuperado.


A singularidade do objecto será ainda mais acentuada se nos recordarmos como, uma das últimas tábuas de salvação de que, no naufrágio destes anos, a indústria discográfica se tem socorrido é a múltipla reedição de obras sucessivamente remasterizadas e higienicamente expurgadas de todas as impurezas e imperfeições sonoras de origem. Caso mais recente: Skylarking, álbum de 1986, dos XTC. Já por diversas vezes submetido a operações de limpeza, foi apenas em 2010, por ocasião da sua (re)conversão para vinil, que, numa das obras maiores da banda de Andy Partridge – fruto improvavelmente milagroso do épico confronto entre este o produtor Todd Rundgren –, se diagnosticou uma falha imperdoável: o disco padecia de “polaridade invertida” (não façam perguntas, por favor). Entregue aos bons cuidados do mago John Dent que tratou de reparar tão indesculpável mácula, ei-lo, agora, por fim, em formato CD, com a censurada capa original das pudendas salpicadas de malmequeres e a portentosa invectiva ateia, "Dear God", que a edição americana excluíra. É provável que só os fãs com ouvidos de mocho se apercebam da diferença. Mas todos os pretextos são bons para voltar a escutar esta extraordinária "life in a day" da melhor colheita pop de 80.

20 December 2013

LIGAÇÃO INSTANTÂNEA

   
"Paddy’s Lamentation" é uma canção tradicional irlandesa que fala das tragédias da emigração para os EUA, no século XIX, quando os recém-chegados ao Novo Mundo – miseráveis, iletrados e imaginando que as portas do paraíso lhes seriam escancaradas – se descobriam recrutados, à força, para combater na Guerra Civil (“Here's to you boys, now take my advice, to America I'll have ye's not be going, there is nothing here but war, where the murderin' cannons roar, and I wish I was at home in dear old Dublin”). Gangs Of New York (2002), de Martin Scorsese, situa-se exactamente nessa época, pelo que a sua banda sonora, muito para além das contribuições de Howard Shore, Peter Gabriel ou dos U2, inclui uma extensa colecção de temas populares tradicionais. Entre eles, encontra-se, justamente, "Paddy’s Lamentation", interpretado por Linda Thompson. E, conta esta nas "liner notes" do recentíssimo Won’t Be Long Now, no momento em que Hal Willner, produtor musical do filme, lhe sugeriu essa possibilidade, Scorsese terá perguntado: “Mas... ela ainda é viva?” Linda – na altura, senhora de 50 e picos anos – comenta, agora: “Martin Scorsese supor que eu já tinha morrido foi o pico da minha fama”


Não era necessária tanta modéstia. Linda Thompson não é Madonna mas, pelo menos, os anos (1974 a 1982) em que cantou e viveu ao lado de Richard Thompson e, oferecendo a voz a clássicos absolutos como I Want To See The Bright Lights Tonight (1974), Pour Down Like Silver (1975) ou Shoot Out The Lights (1982), disputou com Sandy Denny o titulo de "first lady of british folk-rock" – cantaram juntas uma única vez, em "When Will I Be Loved", dos Everley Brothers, no álbum-divertimento-de-"covers", Rock On (1972) da nata folk-rock inglesa, dissimulada sob o nome The Bunch – bastariam para que não precisasse da baralhação de Scorsese a fim de ser recordada. É certo que, nas três décadas pós-Richard & Linda Thompson, apenas gravou três álbuns a solo e nenhum deles particularmente impressionante.


Mas, se isso for indispensável, Won’t Be Long Now tratará imediatamente de repor a justiça: parte assunto de família (os três filhos músicos, Teddy, Kamila e Muna, o neto-idem, Zak, e Richard Thompson a dar uma mão), parte reunião de sábios da cena folk (Martin e Eliza Carthy, John Kirkpatrick, Dave Swarbrick e Gerry Conway), é o género de disco que estabelece ligação instantânea com o melhor dela que guardávamos na memória. "Love’s For Babies And Fools" (“My father is a traveller, he has a cuckold's luck, my mother is a queen, but her hands are tied with blood, I have a brother in the graveyard, my sister has the blues, I care only for myself, love's for babies and fools”), parece destilada no mesmo alambique de fel da velha "The End Of The Rainbow", "Never The Bride" (“At sixteen I fell for Billy, he was a tall and bonny youth, a friend to every pretty girl but a stranger to the truth”) transporta os Fairports para o século XXI, e, por entre outras nove jóias – a exuberante "Mr. Tams", a gélida a cappella, "Blue Bleezin Blind Drunk"… –, também "Paddy’s Lamentation", só voz e guitarra, em levitação sobre o tempo.

11 May 2013

LADO B


Logo ao princípio, fica-se na dúvida: será Sandy Denny ou Linda Thompson? Mas, imediatamente a seguir, na primeira entrada do refrão, com a totalidade do "ensemble" intrumental e as harmonias corais, tudo parece indicar que se trate de Richard & Linda Thompson. Embora, escutando melhor, também não seria impossível estarmos a ouvir os Fairport Convention, numa versão alternativa de "Meet on The Ledge". Ou algo próximo disso. A verdade é que a canção que Bonnie ‘Prince’ Billy e Dawn McCarthy interpretam é "Breakdown", quinta faixa daquele álbum de Kris Kristofferson (The Silver Tongued Devil and I, 1971) que, em Taxi Driver, Travis Bickle/Robert de Niro oferece a Betsy/Cybill Shepherd depois de ela o ter descrito através de uma frase de outra canção ("The Pilgrim, Chapter 33") desse disco: “He's a prophet, he's a pusher, partly truth and partly fiction, a walking contradiction”. Mais à frente, dir-se-ia claramente termos sintonizado os Jefferson Airplane, por volta de 1967, aplicando a "Somebody Help Me" – tema do jamaicano Jackie Edwards a que, um ano antes, o Spencer Davis Group também se havia atirado – o mesmo tratamento que daria origem a "Somebody To Love". E, pouco antes do fim, os primeiros 60 segundos de "Poems, Prayers and Promises", de John Denver, são puros Simon & Garfunkel do tempo em que Paul e Art tinham desistido de se chamar Tom & Jerry, sua adolescente encarnação inicial sob a magna inspiração dos Everly Brothers.



O que vem imensamente a propósito uma vez que What The Brothers Sang, terceiro capítulo da colaboração de Bonnie ‘Prince’ com a cantora e compositora dos sobreexcelentes Faun Fables (urgência máxima para a escuta de Family Album, 2004, The Transit Rider, 2006, e Light Of A Vaster Dark, 2010) após The Letting Go (2006) e Wai Notes (2007), reúne a sua dupla visão de treze temas de Phil e Don Everly, anunciada no final do ano passado pelo single "Christmas Eve Can Kill You" (instantâneo tudo menos tradicionalmente feliz da noite de 24 de Dezembro). Correcção: como o título, de facto, aponta, estas são algumas das canções que os irmãos Everly cantavam porque só raramente eram eles os autores do próprio reportório. O que concedeu a Will Oldham e Dawn McCarthy a total liberdade (de que mui liberalmente tiraram partido) para relerem as composições dos atrás referidos e ainda de Felice e Boudleaux Bryant, Karl Davis, Goffin/King, Tony Romeo e vários outros artífices da indústria musical de maior ou menor relevo, sem se sentirem excessivamente obrigados a manter no radar a característica sonoridade pop/folk/rock/country + harmonias vocais em terceiras paralelas dos Everly Brothers. Fazendo ainda questão de não optar pelo modelo revisão de "greatest hits": escusam de procurar que não encontrarão aqui "All I Have To Do Is Dream", "Bye Bye Love" ou "Wake Up Little Susie". Mas, em contrapartida, numa espécie de rememoração da história evolutiva da música popular dos últimos 60 anos com desvios, mutações genéticas e hibridações inesperadas – este não é mais um caso clínico de “retromania” – permite-nos espreitar para o lado B dos Everly Brothers e vê-lo como nunca imaginámos. 

29 April 2013

06 June 2010

O ACTOR EM CONSTRUÇÃO



Bonnie “Prince” Billy & The Cairo Gang - The Wonder Show Of The World

Além da viúva-Love e da editora, que raparam o fundo ao tacho do catálogo dos Nirvana até nem uma só partícula restar (quer dizer, nunca se sabe… há sempre umas "outtakes"-de-"outtakes" prontas a ser exumadas), ninguém deve ter rentabilizado melhor o rigor mortis de Kurt Cobain do que Will Oldham. É verdade: tinha ele acabado de publicar o álbum de estreia There Is No-One What Will Take Care of You sob o primeiro dos "noms de plume", Palace Brothers, quando foi convidado para, pela assombrosa soma de mil dólares, fazer a primeira parte dos Nirvana, na quarta edição do festival Lollapalooza, de 1994. Aconteceu, entretanto, que, por esses dias, Cobain achou mais interessante explorar as possibilidades de nirvana radical que se esconderiam no cano de uma caçadeira carregada e isso teve como consequência que o futuro Bonnie Prince se visse promovido um degrau acima no cartaz do festival, com o correspondente bónus de duzentas e cinquenta verdinhas. O jovem Will não era propriamente indigente – o pai era advogado em Louisville, Kentucky, a mãe, artista amadora (seria dela o desenho naïf inspirado nos Lutadores, de Courbet, que, em 2008, ilustrou a capa de Lie Down In The Light) – mas, para um “appalachian post-punk solipsist” de vinte e quatro anos, acabadinho de aspirar, pela primeira vez, o odor dos estúdios, cada cêntimo era ouro.



Tudo nele, é importante dizer-se, era, desde o início, o absoluto oposto da redescoberta das raízes “espontâneas”, “autênticas” e muito "old, weird America" que, enquanto suposto pioneiro da coisa freak/folk/country/new americana, lhe quiseram colar à pele. Não foi por acaso que os seus primeiros passos foram como actor: estudou no Walden Theatre, pisou o palco do Actors Theatre, de Louisville e, até hoje, continuámos a vê-lo no cinema em Junebug, Old Joy ou Wendy And Lucy. Há uma razão para as sucessivas assinaturas “Palace” (Palace, Palace Songs, Palace Music, Palace Brothers): as personagens de Cannery Row, de Steinbeck, habitavam a decrépita Palace Flophouse. O “Brothers”, de Palace Brothers, descende, em linha directa, dos Louvin Brothers e dos Everly Brothers. Bonnie “Prince” Billy é uma justaposição de Bonnie Prince Charlie (o pretendente setecentista aos tronos da Inglaterra, Escócia e Irlanda) e Nat King Cole. E, se, relutantemente, aceitou dedicar-se à música foi porque, como confessa, acabou por compreender que “tal como um filme ou um livro, a música é uma construção. Não se trata de alguém que canta sobre a própria vida mas de uma pessoa que aprendeu um ofício”. O ofício dele aprendeu-o com a santíssima trindade Merle Haggard, Leonard Cohen e R. Kelly. A construção da própria personagem, laboriosamente realizada em mais de uma centena de gravações (álbuns, EP, registos ao vivo, singles, versões e colaborações) obecedeu a uma regra, evidentemente, declinada na terceira pessoa: “Ele (Bonnie Prince) irá cantar canções que têm estrofes, refrães e pontes. Como um escritor de canções do Brill Building ou de Nashville”.



Assim foi. Quase sempre magnificamente. E aquela versão que, agora, apresenta de uma country/folk confortavelmente rústica mas, nem por isso, menos disciplinadamente carpinteirada – algo entre o classicismo CSN&Y e o neo-medievalismo dos Fleet Foxes –, capaz de abrir um álbum com as palavras “I once loved a girl but she couldn’t take that I visited troublesome houses, she said when I got home, to leave her alone, she could taste trouble in my mouth” e de o encerrar pregando “Always choose the noise of music, always end the day in singing!” é só mais um capítulo da sua ficção privada.

(2010)