SUJO OU LIMPO?
O Voice-O-Graph assemelhava-se bastante a uma cabine telefónica das antigas. Como anunciava a International Mutoscope Reel Co., de Long Island, Nova Iorque, em 1957, “basta entrar, pegar no microfone, inserir 25 cêntimos, esperar pelo sinal luminoso e ditar uma carta, cantar uma canção ou gravar os parabéns pelo aniversário”. Concluído este processo, a máquina, qual Photomaton, cuspia um vinil de 45 ou 78 rotações o qual, entre outras utilidades, permitiria confirmar que “Há um pequeno Bing Crosby ou John Barrymore dentro de todos nós!” Popularizado dos anos 40 até ao final dos 60 do século passado quando o surgimento das cassetes de fita magnética lhe ditou o final do prazo de validade, o único Voice-O-Graph actualmente em funcionamento encontra-se nas instalações da Third Man Records, de Jack White, em Nashville, Tennessee. Foi, precisamente, nesse exemplar da arqueologia fonográfica que Neil Young optou por registar o seu último álbum, A Letter Home, uma colecção de versões acústicas para temas de Phil Ochs, Dylan, Tim Hardin, Everly Brothers e diversos outros, obviamente, em mono, e fazendo gala do primitivismo tecnológico assim recuperado.
A singularidade do objecto será ainda mais acentuada se nos recordarmos como, uma das últimas tábuas de salvação de que, no naufrágio destes anos, a indústria discográfica se tem socorrido é a múltipla reedição de obras sucessivamente remasterizadas e higienicamente expurgadas de todas as impurezas e imperfeições sonoras de origem. Caso mais recente: Skylarking, álbum de 1986, dos XTC. Já por diversas vezes submetido a operações de limpeza, foi apenas em 2010, por ocasião da sua (re)conversão para vinil, que, numa das obras maiores da banda de Andy Partridge – fruto improvavelmente milagroso do épico confronto entre este o produtor Todd Rundgren –, se diagnosticou uma falha imperdoável: o disco padecia de “polaridade invertida” (não façam perguntas, por favor). Entregue aos bons cuidados do mago John Dent que tratou de reparar tão indesculpável mácula, ei-lo, agora, por fim, em formato CD, com a censurada capa original das pudendas salpicadas de malmequeres e a portentosa invectiva ateia, "Dear God", que a edição americana excluíra. É provável que só os fãs com ouvidos de mocho se apercebam da diferença. Mas todos os pretextos são bons para voltar a escutar esta extraordinária "life in a day" da melhor colheita pop de 80.
2 comments:
Por falar no Skylarking dos XTC
http://embuscadoacordeperdido.blogspot.pt/search/label/XTC
Manuel Carvalho
Exactamente.
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