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02 December 2019

FUTURISMO DE ANTIQUÁRIO

  
Uma das melhores qualidades do maravilhoso e aleatoriamente promíscuo mundo "online", é a possibilidade de, andando em busca de uma coisa, se descobrir mil outras que nem sonhávamos existirem, por vezes, francamente mais interessantes do que o alvo de pesquisa original. Por exemplo, a propósito de Radum Calls, Radum Calls, de Sean O’Hagan, após a constatação do quase confidencial número de navegantes que acharam interessante prestar-lhe alguns segundos de atenção, tropeçarmos, no YouTube, numa extensa conversa por Skype, entre O’Hagan e Van Dyke Parks e, logo a seguir, saltitando de link em link, desenterrar das catacumbas da Net, a página de um ignoto Clay The Scribe que começa por explicar que soube da existência dos High Llamas através de uma entrevista com Pharrell Williams em que este nomeava como sua “favourite fellatio song”, "The Flower Called Nowhere", dos Stereolab (juntando os pontinhos para quem não esteja, imediatamente, a associar os nomes às pessoas: O’Hagan, ex-membro dos miseravelmente esquecidos Microdisney e fundador dos High Llamas, é também elemento volante dos Stereolab). 



E, aí mesmo, encontrarmos uma bem saborosa troca de ideias na qual Sean fala da necessidade que, nos anos 90, sentiu de criar música que não celebrasse apenas os Beach Boys mas também Ornette Coleman, Robert Wyatt, John Cale, Kevin Ayers, e o minimalismo de John Adams, da veneração por Villa Lobos, Rogério Duprat, Wally Scott (arranjador de Scott Walker) e Jean-Claude Vannier (orquestrador de Serge Gainsbourg), e do seu modus operandi composicional: primeiro, fragmentos rabiscados em cassetes, "minidiscs" ou iPads, depois, trabalho de estúdio sobre a ideia quase em bruto e, por fim, as vozes. Um utilíssimo "briefing" para o que iremos escutar no seu segundo álbum a solo desde há 29 anos: uma quase ofensiva superabundância de ideias e pistas de decifração que, traduzida para uma orquestra de câmara de sintetizadores analógicos, caixas de ritmos, orgãos Bontempi, cravo, clavas, sopros, a harpa de Serafina Steer e secções de cordas de finíssimo veludo, dá origem a uma espécie de amável futurismo de antiquário que tanto faz pensar nuns XTC de libré, como num Tom Jobim contratado pela Disney para substituir Henry Mancini na banda sonora de uma história serenamente psicadélica acerca de fantasmas nostálgicos dos anos de ouro de Covent Garden, lavadores de janelas de Nova Iorque e donzelas iranianas em fuga da revolução islâmica. E, sim, faz tudo sentido.

21 January 2013

O SEGREDO



Lawrence Arabia - The Sparrow

T. E. Lawrence, alias, Lawrence da Arábia – arqueólogo, herói militar, espião, diplomata e escritor britânico –, após uma vida trepidante e aventurosa, quando, em 1935, no Dorset, se dirigia de mota a uma estação de correios para enviar uma encomenda de livros a um amigo, morreria, vítima de queda, ao procurar evitar o embate com dois ciclistas. Lawrence Arabia, aliás, James Milne –, músico e "songwriter" neozelandês – no terceiro álbum, The Sparrow, intitula um dos nove temas "Bicycle Riding" mas, antes de acedermos a ele, no "booklet", deveremos tropeçar no pequeno conto homónimo do disco (antecedido pela qualificação “Honorary Bedouin”) que faz as vezes dos proverbiais textos das canções, ficha técnica e "liner notes": a narrativa da alucinação do jovem Henry Fredericks, patologicamente hipersensível à textura dos tecidos, à própria anatomia e ao obsessivo piar de um pardal, contada a um amigo alfaiate, depois de uma noite a deambular de bicicleta.


Como começará a suspeitar-se, Milne obedece a raras convenções: afirma-se discípulo de Scott Walker e Gainsbourg mas, logo nas primeiras apresentações, "Travelling Shoes" dá-se ares de "Stand By Me" cantado por David Byrne a pensar em "Femme Fatale" e, pouco depois, "The Listening Times" coloca a hipótese de Syd Barrett ter sido mais parcimonioso na dieta de LSD e ter-se transformado em Burt Bacharach, enquanto, três faixas adiante, em "Early Kneecappings", reconhecemos o velho "Walrus" (a silhueta de Lennon já tinha sido avistada antes) prestes a trepar pelo crescendo orquestral de "A Day In The Life". Considere-se ainda o "lounge" em decomposição de "Dessau Rag" ou a pop de câmara orquestralmente desviante de "Legends" e descobriremos, por fim, o segredo: Milne é Kevin Ayers refugiado num filme de Wes Anderson.

27 February 2010

ESQUARTEJAR A POP

















Matthew Fiedberger - Winter Women/Holy Ghost Language School

Inicialmente publicados em 2006 e, agora, reeditados, Winter Women e Holy Ghost Language School constituem a demonstração final de que, ao lado da irmã, Eleanor – nos Fiery Furnaces –, ou sozinho, em roda livre, Matthew Friedberger mantém a zona criativa do seu cérebro permanentemente sintonizada para aquele trilho temporal em que, com audível felicidade, os Beatles esquartejavam o idioma pop em catastroficamente gloriosas fatias que, logo a seguir, reconfiguravam e baptizavam como “I Am The Walrus”, “Strawberry Fields Forever”, “Revolution nº 9” ou “Baby You’re A Rich Man”. O mesmo nicho estético no qual, em anos vizinhos, Kevin Ayers elevava o dandyismo lisérgico a forma de arte superior e Robert Wyatt, do mais profundo Rockbottom, assegurava que a Ruth era muito mais estranha que o Richard. Em formato de (extensa) colecção de canções soltas (Winter Women), ou agregadas conceptualmente enquanto rock-opera de recorte algo mais jazzy e virtualmente concebida por um Robert Moog raptado por Captain Beefheart para os anéis de Saturno (Holy Ghost), este é o tipo de matéria sonora com prazo de validade potencialmente ilimitado.

(2010)

27 December 2009

DEPOIS DA CORRIDA AO OURO



B Fachada - B Fachada




Samuel Úria - Nem Lhe Tocava

Um ano depois de o petardo mediático FlorCaveira/Amor Fúria rebentar, ter-se-à tudo esfumado como acontece, regularmente, com as modas sazonais, ou haverá estilhaços valiosos para recolher? Quando, por essa altura, Tiago Guillul declarava “Há um sentido de desgosto, de não identificação com a maior parte das coisas que a geração à minha volta está a fazer. Quando ninguém nos ouvia, tínhamos a profunda consciência de que éramos pessoas que ninguém ouvia. É preciso que alguém se sinta, às vezes, enojado para conseguir fazer alguma coisa. Há pessoas que não gostam de nós e não gostam por boas razões: 'Estes gajos têm a mania que são espertos!' E, nesse sentido, temos, de facto, a mania que somos espertos em relação ao resto, aquilo embaraça-nos”, estava apenas a tirar partido dos megafones que lhe eram colocados à frente ou, durante os doze meses seguintes, justificou – por obras, além de palavras – aquilo que afirmava?



Dos manifestos da Amor Fúria (“Surge um exército de rapazes e raparigas de caras e almas pintadas, pronto a transformar as emoções colectivas num momento partilhável pelas multidões. Apresentam cantigas, planeiam o fim deste mundo e o início de um novo tempo onde as canções substituam as janelas fechadas dos automóveis, as conversas dentro dos edifícios, as filas de espera para os autocarros, os desesperos solitários”), emergiram, de facto, destacamentos poéticos armados, de carne e osso? Será que o que Samuel Úria escreveu acerca de B Fachada (“Alguém que se julga um povo não pode estar bom da cabeça. Eu não sei o que é que o B Fachada se julga, mas lá que se etnografa a si próprio, etnografa. Giacomette-se consigo mesmo, não pode estar bom da cabeça. Graças a Deus”) teve consequências práticas? O que o próprio Úria confessou sobre si mesmo (“já nasci depois do PREC, tarde demais para proto-punk, branco demais para ser do rap") eram só "soundbytes" rimados ou confirmou-se?



Nada como fazer o balanço: um belíssimo devaneio estival de João Coração (Muda Que Muda); vários EP, compilações e elucubrações artesanais a ensaiar sementeiras diversas; duas ou três estreias com índices de acerto no alvo variáveis (Pontos Negros, Smix Smox Smux, Os Golpes); uma colecção de polaróides de figurões urbano-rurais de B Fachada (Um Fim-de-Semana no Pónei Dourado); um EP de “seis canções que rockam-popam-dançam em cima do tempo” (Meio Disco, de Os Quais); e uma longa pausa de Tiago Guillul que, ainda assim, não o impediu de, aqui e ali, ir opinando com imponderável sabedoria (exemplo: “Sempre os mesmos acordes. Sempre os mesmos xilofones sentimentais. Sempre as mesmas capas péssimas em subtis variações de auto complacência. Sempre os mesmos optimismos insufláveis ianques. Sempre as mesmas queixinhas de classe média. Sempre a mesma coisa. Bruce Springsteen não sabe fazer maus discos"). Chega, agora, o momento em que os piores receios de Guillul (“Irrita-me muito pensar ‘será que isto é o próximo passo, este grau de respeitabilidade crítica em que as pessoas andam todas a dar palmadinhas nas costas umas às outras?...’ O nosso rastilho é um certo prazer em fazer inimigos”) se irão concretizar: Nem Lhe Tocava, de Samuel Úria, e B Fachada (apesar de publicado pela Mbari e já não pela incubadora FlorCaveira), irão fazer muitos amigos e a respeitabilidade crítica está a bater-lhes à porta.



Por mui óptimas razões, aliás: se, nem um nem outro perderam aquela faceta de artesãos que preferem lidar com materiais recolhidos no quintal das traseiras ou em que tropeçaram, acidentalmente, numa investida pelo sótão, tudo atingiu já, um grau mínimo de perfeição de acabamentos que, sem tresandar a produto industrial, também não é, decididamente, apenas coisa de amador jeitoso. Fachada é o diletante que respiga na tradição e a evapora ("Responso Para Maridos Transviados"), quase incorpora o espírito do primeiro Kevin Ayers ("Tempo Para Cantar"), joga ao toca-e-foge com o ié-ié tal como Rui Reininho, em dia de folga, o pratica ("Estar à Espera Ou Procurar"), gainsbourgiza-se levianamente ("Setembro" e "A Bela Helena"), pisca o olho a Vitorino, Cesariny e (no grafismo da capa) aos Trovante e, de tudo isso, constrói uma personagem inteiramente singular de quem não esperamos senão que debite aforismos como “É bom ter má fama, dá para ter vazia a cama, e nesta solidão de Kant, é bom ter de fundo o que anda nas bocas do mundo” e mais uma mão cheia de outros de igual quilate.



Nem Lhe Tocava é um sinuoso, virtuoso e vertiginoso exercício de mimetismo em que, sobre uma camaleónica pele inconfundivelmente lusa, se projectam as sombras do tango, do blues, de Elvis Presley, Johnny Cash, caricaturas de Prince e daquele género de soul gingada nos arraiais de Verão, revisteirices de coreto, sobras da mesa do rock português de 80, e por tão repetidas e rápidas sobreimpressões, transpira nacos de língua em estado de graça nos quais, Úria se confessa (“Pôr sal nas minhas feridas e acordes nos meus brados, derramar mel nas saudades, verter choros sincopados”), se desenha (“Eu nunca fui do prog-rock, sou neo-retro-redneck, nasci num antro só de Enters, já nem sei carregar num Rec”) e, no ultra-waitsiano "Batuta e Batota", abre completa e magnificamente o jogo: “Ou em berço de ouro, ou em disco de prata, brotei já artista ou fiz-me pirata? Um Messias pop, freewheelin com dono, se me biografo ou revisiono”.

(2009)

04 June 2008

MONTGOLFIÈRE *


The Montgolfier Brothers - Seventeen Stars

Este é um disco antigo. Não é um disco muito antigo mas é um disco antigo. Por acaso, acabado de gravar e publicar agora mesmo. O que não é necessariamente mau (até é um disco muito bom) e é substancialmente melhor do que um disco velho. Os Oasis, os Radiohead, os Belle & Sebastian são velhos, irremediável e desgraçadamente velhos. Os Montgolfier Brothers — tal como os seus homónimos "frères", pioneiros da navegação aérea — são antigos. Antigos como Robert Wyatt, como os Gist, como Kevin Ayers, como os Go-Betweens, como os Durruti Column (menos os afectados maneirismos barrocos), como a Virginia Astley de From Gardens Where We Feel Secure (menos o lado irritantemente bucólico/campestre). E modernos como o foram os Young Marble Giants, os Blue Nile, Pascal Comelade, Momus e It's Immaterial. Eu disse-vos que era um disco antigo. E não escondi que era um disco muito bom e bonito.
 

Pelo meio, há a história (é a história da própria canção "Seventeen Stars" que dá o título ao disco, erguida sobre três ou quatro acordes, com introdução e final radicalmente lacónicos) de uma viagem pela costa do sul de França, de Bordeaux ao Bassin d'Arcachon, mas isso é só um pequeno pormenor deste "travelogue" interior que, quase sem querer, entre outras preciosidades, nos deposita nas mãos três miniaturas absoluta e irredutivelmente clássicas como "Even If My Mind Can't Tell You", "In Walks A Ghost" e "Une Chanson Du Crépuscule" (assuntos da dimensão, e ainda mais, digo-vos eu, de "Love At First Sight"). É uma coisa muito secreta como foram as Deux Filles e Jane & Barton de 80 de que só nós (ninguém se acuse) sabemos. Agora — é uma proposta irrecusável da omnipotente seita oculta — é obrigatório compreender que voar de balão numa "montgolfière" (Richard Branson não tem nada a ver com isto) é equivalente a vinte pastilhas de "E" e que Seventeen Stars é simultaneamente um radical desafio à lei da gravidade e o mais perfeito diário de bordo de uma viagem literalmente mais leve do que o ar. Bem vindos a bordo da baixa tecnologia aeronáutica.

09 February 2008

UM PÉ NO PRESENTE, OUTRO NO PASSADO

 
Segundo a lenda, entre o final dos anos 40 e o início dos 70 (e, aqui, a cronologia é extremamente flutuante...), na esquina da 54th Street com a 6ª Avenida de Manhattan, costumava encontrar-se uma personagem insólita: uma espécie de profeta/mendigo, cego de nascença, vestido de viking que vendia fascículos da sua poesia, filosofava de modo avulso com os transeuntes e, para alguns, mais iniciados nos mistérios ocultos da invulgar figura, era músico, compositor e até teria chegado a gravar discos. Por volta de 1974, desapareceu subitamente e alguns fãs mais dedicados — entre os quais, Paul Simon, que chegou a ir à televisão fazer-lhe o elogio fúnebre — convenceram-se de que o ancião extravagante teria morrido. Não era impossível. Nascido Louis T. Hardin cerca de 1916, em Maryneville, no Kansas, por essa altura, contaria já perto de sessenta anos que uma vida de "homeless" esotérico não deveriam ter suavizado. Afinal, Moondog — assim autointitulado, em 1947, em memória de um velho cão que "uivava à lua como ninguém" — tinha apenas emigrado para a Alemanha onde até à verdadeira data da sua morte (8 de Setembro de 1999) iria prosseguir uma carreira singular de excêntrico militante ocasionalmente tocado pelo génio.
 

Essencialmente autodidacta (embora tenha estudado violino, viola de arco, piano, orgão, harmonia e cantado no coro da Iowa School For The Blind), considerava-se "um europeu no exílio, cuja alma e coração estão na Europa, fundamentalmente um clássico na forma, conteúdo e interpretação. Sinto-me como se tivesse um pé na América e outro na Europa ou um no presente e outro no passado. Ritmicamente, sinto-me no presente, mesmo 'avant garde', enquanto que, melódica e harmonicamente estou verdadeiramente no passado. Mas o presente transforma-se em passado tal como o futuro virá a ser o presente...". É exactamente isso que a quase totalidade da sua obra, agora finalmente reeditada (até aqui, só uma miraculosa aparição na banda sonora de The Big Lebowski o recordava) documenta. Moondog (que reune Moondog, de 1969, e Moondog 2, de 1971) assinala o início registado da lenda quando este "clochard" novaioquino que frequentava os clubes de Manhattan na companhia de Charlie Mingus, Miles Davis, Benny Goodman, Buddy Rich ou Charlie Parker conseguia (como?) gravar música orquestral que, inspirando-se na "early music" da tradição europeia — cânones, "grounds", "ostinati", "chaconnes", "rounds", "passacailles", madrigais —, desde 1952, iria inspirar os, então jovens, Philip Glass ou Steve Reich. Escutando hoje este extraordinário álbum (recheado de improváveis dedicatórias e homenagens a Tchaikovsky, Benny Goodman e Charlie Parker, partituras para Martha Graham e sinfonias para mitológicas figuras como "Thor The Nordoom, Emperor Of Earth") pode descobrir-se que também Michael Nyman ou toda a "escola de Canterbury" e adjacências ainda um dia lhe deverão reconhecer uma considerável dívida

 

"Clandestinamente" emigrado para a Europa, sob convite da editora Kopf, gravaria, a partir de 1976, In Europe, H'art Songs e A New Sound Of An Old Instrument, colecções de deliciosas miniaturas musicais que, tanto celebravam o lançamento da sonda espacial americana Viking para Marte em "scherzi" para celesta, como inventavam valsas impossíveis, se divertiam com o "nonsense" puro daquele tipo de canções em que Robert Wyatt ou Kevin Ayers se haveriam de especializar ou combinariam o contraponto no orgão barroco da igreja de Oberhausen com desenhos rítmicos supostamente ameríndios ou com fantasias sobre a Grécia clássica. Elpmas e Sax Pax For A Sax (respectivamente, de 1991 e 1994) representariam, o primeiro, um protesto ecológico contra os maus tratos inflingidos à natureza e aos povos nativos, sob a forma de requintados cânones minimalistas para marimbas, balafones, violas de gamba, banjos e amplos exercícios de contraponto "ambiental" e, o segundo, uma magnífica e extravagante comemoração do 100º aniversário da morte de Adolphe Sax que Moondog aproveitou inventar o conceito de "ZAJAZ" — jazz em duas direcções — que lhe permitiria divertir-se com enxertos de linguagem barroca sobre matriz swing e infinitos outros vice-versas para o que contribuiriam nomes como Peter Hammil, o saxofonista de Michael Nyman, John Harle, Danny Thompson ou o Apollo Saxophone Quartet. Nunca é tarde para descobrir um "maverick" com uma interessantíssima história para contar. (2000)

13 January 2008

SE NÃO FOR INCOMODAR MUITO...
(contextualizando, a partir daqui)



Kevin Ayers - Joy Of A Toy, Shooting At The Moon, 
Whatevershebringswesing e Bananamour

Para quem não esteja familiarizado com a personagem, pode muito bem dizer-se que Kevin Ayers é exactamente aquilo que Syd Barrett teria sido com uns valentes gramas de LSD a entupirem-lhe os circuitos cerebrais substituídos com vantagem por algum whisky e gin e bastante sol do Mediterrâneo. Típico excêntrico de extracção britânica, dandy preguiçosamente diletante que se entreteve a transformar o espírito "progressivo" dos anos 70 numa espécie de divertimento de salão para cavalheiros freak de tendência surrealista, após, com Robert Wyatt, ter ajudado a fundar um dos raríssimos colectivos "prog" que deixaram herança perdurável — os Soft Machine —, pareceu-lhe mais interessante reverter esse património de experimentação musical para o interior de canções que conciliavam um "soit disant" tradicionalismo de songwriter com imensa falsa candura, uma considerável dose de esquizofrenia deliciosamente "fake" e q.b. de bizarrias sonoras. Agora reeditados (com uns quantos bónus, outakes e as raridades previsíveis neste tipo de operações) os seus primeiros quatro álbuns de 1969, 1970, 1971 e 1973 — depois disso, honra lhe seja, seguindo o sábio princípio "I'm naturally lazy but what can I do?", também não se esforçou muito, não indo, até hoje, além de mais umas oito ou nove gravações — ajudam a confirmar a imensa falta que gente desta estirpe sempre faz para o desejável cultivo de uma imaginação rica e desordenadamente povoada. Mais acentuadamente indispensável nas delirantes alquimias de Joy Of A Toy, Whatervershebringswesing e Bananamour, um tanto perdido nos labirintos sonoros de Shooting At The Moon, a Kevin Ayers apetece sempre dizer: se não for incomodá-lo muito, importava-se de nos oferecer mais um álbunzito para o nosso deleite privado? (2003)

26 December 2007

MÚSICA 2007 - II (CD & DVD)
(a classificação, por ordem decrescente, deverá ser vastamente relativizada)



21 - Jenny Owen Youngs - Batten The Hatches
22 - Kevin Ayers - The Unfairground
23 - Crippled Black Phoenix - A Love Of Shared Disasters
24 - PJ Harvey - White Chalk
25 - Lucky Soul - The Great Unwanted
26 - Au Revoir Simone - Bird Of Music
27 - Laura Veirs - Saltbreakers
28 - The Mary Timony Band - The Shapes We Make
29 - Laub – Deinetwegen
30 - Skeletons And The Kings Of All Cities – Lucas
31 - Björk – Volta
32 - Vários - Plague Songs
33 - Nina Nastasia & Jim White - You Follow Me
34 - Ray’s Vast Basement - Starvation Under Orange Trees
35 - Holly Golightly & The Brokeoffs - You Can’t Buy A Gun When You’re Crying
36 - Tomahawk – Anonymous
37 - Ego Plum & The Ebola Music Orchestra – The Rat King
38 - Irene - Long Gone Since Last Summer
39 - The Most Serene Republic – Population
40 - Ai Phoenix - The Light Shines Almost All The Way

19 December 2007

A FÓRMULA CORRECTA



Kevin Ayers - The Unfairground

Quando a “Uncut” lhe perguntou “vinho, mulheres ou canções: o que é melhor?”, Kevin Ayers respondeu que é a combinação das duas primeiras que melhor funciona em benefício da terceira. Mas fez questão de acrescentar que “tal como quando se fala dos filhos, não desejaria eleger publicamente nenhuma das hipóteses como favorita”. Quinze anos depois do apenas aceitável Still Life With Guitar e muitos mais de uma quase interminável seca criativa após o início com os Soft Machine e os óptimos individuais Joy Of A Toy (1968), Shooting At The Moon (1970) e Whatevershebringswesing (1972), Ayers parece ter descoberto a fórmula correcta que equilibra devidamente os três ingredientes.


Soft Machine - 1967: "Why Am I So Short", c/Robert Wyatt, Mike Ratledge e Kevin Ayers

Seja ela qual for, resultou, sem dúvida, em benefício destas dez magníficas canções que (na companhia de velhos e novos companheiros como Hugh Hopper, Robert Wyatt, Bridget St John, Phil Manzanera e gente dos Neutral Milk Hotel, Architecture In Helsinki ou Teenage Fanclub) reconstituem intacto o requintado psicadelismo aristocrático das origens. Ou como a queda de um dandy não tem de ser irremediavelmente definitiva. (2007)

29 October 2007

CIRURGICAMENTE EXTRAÍDO DA CAIXA DE COMENTÁRIOS DO POST ANTERIOR
(doador: manuel)



"We were just a rock band. This is how rock bands had evolved to that point. I know that punk has tried to revise this whole history. The purpose of punk was to hijack the destiny of rock music. The purpose of punk was to keep rock music from becoming smarter and to keep rock music from becoming more literate and to keep it from everything it is destined to be. The evolutionary path from 1956 to 1975 or 1976 to make it even. It's moving in a straight line. Elvis' great contribution was that he brought the narrative tool of abstraction and abstract thought to rural blues and hillbilly music, which at that time were dying forms. So the very beginning of rock music is the introduction of sophisticated abstraction and the use of sound as a narrative tool into a folk music. If you follow the line of evolution it grows ever more sophisticated and sound as a narrative technique grows and is subsumed into the mix very progressively until there is an explosion at the very end of the 60's, early 70's of analogue synthesisers that were creating just pure sounds. The influence of bands like Silver Apples, Can and Eno, the Kevin Ayers stuff, Cale. By the mid-70's rock music was really on the verge of dramatic leaps in terms of literateness. You had a bunch of bands appearing at that time like Pere Ubu and Talking Heads and the Residents and Television and a number of other groups, and all of the Cleveland groups were poised on the borders of a brave new world and that's why punk was invented - to stop all of that". (David Thomas, Pere Ubu)
(2007)