29 January 2020
02 December 2019
21 February 2013
21 January 2013
Como começará a suspeitar-se, Milne obedece a raras convenções: afirma-se discípulo de Scott Walker e Gainsbourg mas, logo nas primeiras apresentações, "Travelling Shoes" dá-se ares de "Stand By Me" cantado por David Byrne a pensar em "Femme Fatale" e, pouco depois, "The Listening Times" coloca a hipótese de Syd Barrett ter sido mais parcimonioso na dieta de LSD e ter-se transformado em Burt Bacharach, enquanto, três faixas adiante, em "Early Kneecappings", reconhecemos o velho "Walrus" (a silhueta de Lennon já tinha sido avistada antes) prestes a trepar pelo crescendo orquestral de "A Day In The Life". Considere-se ainda o "lounge" em decomposição de "Dessau Rag" ou a pop de câmara orquestralmente desviante de "Legends" e descobriremos, por fim, o segredo: Milne é Kevin Ayers refugiado num filme de Wes Anderson.
27 February 2010
Matthew Fiedberger - Winter Women/Holy Ghost Language School
Inicialmente publicados em 2006 e, agora, reeditados, Winter Women e Holy Ghost Language School constituem a demonstração final de que, ao lado da irmã, Eleanor – nos Fiery Furnaces –, ou sozinho, em roda livre, Matthew Friedberger mantém a zona criativa do seu cérebro permanentemente sintonizada para aquele trilho temporal em que, com audível felicidade, os Beatles esquartejavam o idioma pop em catastroficamente gloriosas fatias que, logo a seguir, reconfiguravam e baptizavam como “I Am The Walrus”, “Strawberry Fields Forever”, “Revolution nº 9” ou “Baby You’re A Rich Man”. O mesmo nicho estético no qual, em anos vizinhos, Kevin Ayers elevava o dandyismo lisérgico a forma de arte superior e Robert Wyatt, do mais profundo Rockbottom, assegurava que a Ruth era muito mais estranha que o Richard. Em formato de (extensa) colecção de canções soltas (Winter Women), ou agregadas conceptualmente enquanto rock-opera de recorte algo mais jazzy e virtualmente concebida por um Robert Moog raptado por Captain Beefheart para os anéis de Saturno (Holy Ghost), este é o tipo de matéria sonora com prazo de validade potencialmente ilimitado.
(2010)
27 December 2009
B Fachada - B Fachada
Samuel Úria - Nem Lhe Tocava
Um ano depois de o petardo mediático FlorCaveira/Amor Fúria rebentar, ter-se-à tudo esfumado como acontece, regularmente, com as modas sazonais, ou haverá estilhaços valiosos para recolher? Quando, por essa altura, Tiago Guillul declarava “Há um sentido de desgosto, de não identificação com a maior parte das coisas que a geração à minha volta está a fazer. Quando ninguém nos ouvia, tínhamos a profunda consciência de que éramos pessoas que ninguém ouvia. É preciso que alguém se sinta, às vezes, enojado para conseguir fazer alguma coisa. Há pessoas que não gostam de nós e não gostam por boas razões: 'Estes gajos têm a mania que são espertos!' E, nesse sentido, temos, de facto, a mania que somos espertos em relação ao resto, aquilo embaraça-nos”, estava apenas a tirar partido dos megafones que lhe eram colocados à frente ou, durante os doze meses seguintes, justificou – por obras, além de palavras – aquilo que afirmava?
Dos manifestos da Amor Fúria (“Surge um exército de rapazes e raparigas de caras e almas pintadas, pronto a transformar as emoções colectivas num momento partilhável pelas multidões. Apresentam cantigas, planeiam o fim deste mundo e o início de um novo tempo onde as canções substituam as janelas fechadas dos automóveis, as conversas dentro dos edifícios, as filas de espera para os autocarros, os desesperos solitários”), emergiram, de facto, destacamentos poéticos armados, de carne e osso? Será que o que Samuel Úria escreveu acerca de B Fachada (“Alguém que se julga um povo não pode estar bom da cabeça. Eu não sei o que é que o B Fachada se julga, mas lá que se etnografa a si próprio, etnografa. Giacomette-se consigo mesmo, não pode estar bom da cabeça. Graças a Deus”) teve consequências práticas? O que o próprio Úria confessou sobre si mesmo (“já nasci depois do PREC, tarde demais para proto-punk, branco demais para ser do rap") eram só "soundbytes" rimados ou confirmou-se?
Nada como fazer o balanço: um belíssimo devaneio estival de João Coração (Muda Que Muda); vários EP, compilações e elucubrações artesanais a ensaiar sementeiras diversas; duas ou três estreias com índices de acerto no alvo variáveis (Pontos Negros, Smix Smox Smux, Os Golpes); uma colecção de polaróides de figurões urbano-rurais de B Fachada (Um Fim-de-Semana no Pónei Dourado); um EP de “seis canções que rockam-popam-dançam em cima do tempo” (Meio Disco, de Os Quais); e uma longa pausa de Tiago Guillul que, ainda assim, não o impediu de, aqui e ali, ir opinando com imponderável sabedoria (exemplo: “Sempre os mesmos acordes. Sempre os mesmos xilofones sentimentais. Sempre as mesmas capas péssimas em subtis variações de auto complacência. Sempre os mesmos optimismos insufláveis ianques. Sempre as mesmas queixinhas de classe média. Sempre a mesma coisa. Bruce Springsteen não sabe fazer maus discos"). Chega, agora, o momento em que os piores receios de Guillul (“Irrita-me muito pensar ‘será que isto é o próximo passo, este grau de respeitabilidade crítica em que as pessoas andam todas a dar palmadinhas nas costas umas às outras?...’ O nosso rastilho é um certo prazer em fazer inimigos”) se irão concretizar: Nem Lhe Tocava, de Samuel Úria, e B Fachada (apesar de publicado pela Mbari e já não pela incubadora FlorCaveira), irão fazer muitos amigos e a respeitabilidade crítica está a bater-lhes à porta.
Por mui óptimas razões, aliás: se, nem um nem outro perderam aquela faceta de artesãos que preferem lidar com materiais recolhidos no quintal das traseiras ou em que tropeçaram, acidentalmente, numa investida pelo sótão, tudo atingiu já, um grau mínimo de perfeição de acabamentos que, sem tresandar a produto industrial, também não é, decididamente, apenas coisa de amador jeitoso. Fachada é o diletante que respiga na tradição e a evapora ("Responso Para Maridos Transviados"), quase incorpora o espírito do primeiro Kevin Ayers ("Tempo Para Cantar"), joga ao toca-e-foge com o ié-ié tal como Rui Reininho, em dia de folga, o pratica ("Estar à Espera Ou Procurar"), gainsbourgiza-se levianamente ("Setembro" e "A Bela Helena"), pisca o olho a Vitorino, Cesariny e (no grafismo da capa) aos Trovante e, de tudo isso, constrói uma personagem inteiramente singular de quem não esperamos senão que debite aforismos como “É bom ter má fama, dá para ter vazia a cama, e nesta solidão de Kant, é bom ter de fundo o que anda nas bocas do mundo” e mais uma mão cheia de outros de igual quilate.
Nem Lhe Tocava é um sinuoso, virtuoso e vertiginoso exercício de mimetismo em que, sobre uma camaleónica pele inconfundivelmente lusa, se projectam as sombras do tango, do blues, de Elvis Presley, Johnny Cash, caricaturas de Prince e daquele género de soul gingada nos arraiais de Verão, revisteirices de coreto, sobras da mesa do rock português de 80, e por tão repetidas e rápidas sobreimpressões, transpira nacos de língua em estado de graça nos quais, Úria se confessa (“Pôr sal nas minhas feridas e acordes nos meus brados, derramar mel nas saudades, verter choros sincopados”), se desenha (“Eu nunca fui do prog-rock, sou neo-retro-redneck, nasci num antro só de Enters, já nem sei carregar num Rec”) e, no ultra-waitsiano "Batuta e Batota", abre completa e magnificamente o jogo: “Ou em berço de ouro, ou em disco de prata, brotei já artista ou fiz-me pirata? Um Messias pop, freewheelin com dono, se me biografo ou revisiono”.
(2009)
04 June 2008
Pelo meio, há a história (é a história da própria canção "Seventeen Stars" que dá o título ao disco, erguida sobre três ou quatro acordes, com introdução e final radicalmente lacónicos) de uma viagem pela costa do sul de França, de Bordeaux ao Bassin d'Arcachon, mas isso é só um pequeno pormenor deste "travelogue" interior que, quase sem querer, entre outras preciosidades, nos deposita nas mãos três miniaturas absoluta e irredutivelmente clássicas como "Even If My Mind Can't Tell You", "In Walks A Ghost" e "Une Chanson Du Crépuscule" (assuntos da dimensão, e ainda mais, digo-vos eu, de "Love At First Sight"). É uma coisa muito secreta como foram as Deux Filles e Jane & Barton de 80 de que só nós (ninguém se acuse) sabemos. Agora — é uma proposta irrecusável da omnipotente seita oculta — é obrigatório compreender que voar de balão numa "montgolfière" (Richard Branson não tem nada a ver com isto) é equivalente a vinte pastilhas de "E" e que Seventeen Stars é simultaneamente um radical desafio à lei da gravidade e o mais perfeito diário de bordo de uma viagem literalmente mais leve do que o ar. Bem vindos a bordo da baixa tecnologia aeronáutica.
09 February 2008
Essencialmente autodidacta (embora tenha estudado violino, viola de arco, piano, orgão, harmonia e cantado no coro da Iowa School For The Blind), considerava-se "um europeu no exílio, cuja alma e coração estão na Europa, fundamentalmente um clássico na forma, conteúdo e interpretação. Sinto-me como se tivesse um pé na América e outro na Europa ou um no presente e outro no passado. Ritmicamente, sinto-me no presente, mesmo 'avant garde', enquanto que, melódica e harmonicamente estou verdadeiramente no passado. Mas o presente transforma-se em passado tal como o futuro virá a ser o presente...". É exactamente isso que a quase totalidade da sua obra, agora finalmente reeditada (até aqui, só uma miraculosa aparição na banda sonora de The Big Lebowski o recordava) documenta. Moondog (que reune Moondog, de 1969, e Moondog 2, de 1971) assinala o início registado da lenda quando este "clochard" novaioquino que frequentava os clubes de Manhattan na companhia de Charlie Mingus, Miles Davis, Benny Goodman, Buddy Rich ou Charlie Parker conseguia (como?) gravar música orquestral que, inspirando-se na "early music" da tradição europeia — cânones, "grounds", "ostinati", "chaconnes", "rounds", "passacailles", madrigais —, desde 1952, iria inspirar os, então jovens, Philip Glass ou Steve Reich. Escutando hoje este extraordinário álbum (recheado de improváveis dedicatórias e homenagens a Tchaikovsky, Benny Goodman e Charlie Parker, partituras para Martha Graham e sinfonias para mitológicas figuras como "Thor The Nordoom, Emperor Of Earth") pode descobrir-se que também Michael Nyman ou toda a "escola de Canterbury" e adjacências ainda um dia lhe deverão reconhecer uma considerável dívida
"Clandestinamente" emigrado para a Europa, sob convite da editora Kopf, gravaria, a partir de 1976, In Europe, H'art Songs e A New Sound Of An Old Instrument, colecções de deliciosas miniaturas musicais que, tanto celebravam o lançamento da sonda espacial americana Viking para Marte em "scherzi" para celesta, como inventavam valsas impossíveis, se divertiam com o "nonsense" puro daquele tipo de canções em que Robert Wyatt ou Kevin Ayers se haveriam de especializar ou combinariam o contraponto no orgão barroco da igreja de Oberhausen com desenhos rítmicos supostamente ameríndios ou com fantasias sobre a Grécia clássica. Elpmas e Sax Pax For A Sax (respectivamente, de 1991 e 1994) representariam, o primeiro, um protesto ecológico contra os maus tratos inflingidos à natureza e aos povos nativos, sob a forma de requintados cânones minimalistas para marimbas, balafones, violas de gamba, banjos e amplos exercícios de contraponto "ambiental" e, o segundo, uma magnífica e extravagante comemoração do 100º aniversário da morte de Adolphe Sax que Moondog aproveitou inventar o conceito de "ZAJAZ" — jazz em duas direcções — que lhe permitiria divertir-se com enxertos de linguagem barroca sobre matriz swing e infinitos outros vice-versas para o que contribuiriam nomes como Peter Hammil, o saxofonista de Michael Nyman, John Harle, Danny Thompson ou o Apollo Saxophone Quartet. Nunca é tarde para descobrir um "maverick" com uma interessantíssima história para contar. (2000)
13 January 2008
26 December 2007
(a classificação, por ordem decrescente, deverá ser vastamente relativizada)
21 - Jenny Owen Youngs - Batten The Hatches
22 - Kevin Ayers - The Unfairground
23 - Crippled Black Phoenix - A Love Of Shared Disasters
24 - PJ Harvey - White Chalk
25 - Lucky Soul - The Great Unwanted
26 - Au Revoir Simone - Bird Of Music
27 - Laura Veirs - Saltbreakers
28 - The Mary Timony Band - The Shapes We Make
29 - Laub – Deinetwegen
30 - Skeletons And The Kings Of All Cities – Lucas
31 - Björk – Volta
32 - Vários - Plague Songs
33 - Nina Nastasia & Jim White - You Follow Me
34 - Ray’s Vast Basement - Starvation Under Orange Trees
35 - Holly Golightly & The Brokeoffs - You Can’t Buy A Gun When You’re Crying
36 - Tomahawk – Anonymous
37 - Ego Plum & The Ebola Music Orchestra – The Rat King
38 - Irene - Long Gone Since Last Summer
39 - The Most Serene Republic – Population
40 - Ai Phoenix - The Light Shines Almost All The Way