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14 December 2022

A JUKEBOX DE BOB DYLAN
Antes de mais, como se deve, a capa: à esquerda, num sorriso de demónio falsamente ingénuo, Little Richard; à direita, Eddie Cochran, o elegante “all american boy”, James Dean do rock’n’roll, morto aos 21 anos; ao centro, onde poderia prever-se que Elvis Presley completaria a santíssima trindade, uma figura não imediatamente identificável e de género indeciso, a única que empunha uma guitarra. Quando, enfim, descobrimos de quem se trata, não duvidamos que, em The Philosophy Of Modern Song, publicado 18 anos após Chronicles Vol. 1, Bob Dylan – aliás, Blind Boy Grunt, Tedham Porterhouse, Boblandy, Robert Milkwood Thomas, Elston Gunn, Boo Wilbury, Lucky Wilbury, Jack Frost, Sergei Petrov e, mais significativamente, Alias – desejou deixar claro que ninguém está imune ao síndroma-“Je est un autre”, primeiramente identificado por Rimbaud e, no caso dele, extensamente estudado em I’m Not There (filme de Todd Haynes “inspirado pela música e pelas muitas vidas de Bob Dylan”). A figura misteriosa, então: Alis Lesley, desde agora, a mais famosa das diversas “female Elvis Presley” da época, com uma meteórica carreira de 2 anos, um único single (sem qualquer sucesso), e a medalha de Elvis ter feito questão de assistir a um concerto dela em Las Vegas. (daqui: segue para aqui)

06 March 2018

12 FUTUROS


Richard Hamilton já tinha exibido a colagem Just What Is It That Makes Today's Homes So Different, So Appealing? (1956) que o transformaria num dos pioneiros da Pop Art, cuja definição, aliás, estabeleceu: “popular, transient, expendable, low-cost, mass-produced, young, witty, sexy, gimmicky, glamorous, and Big Business". Fora também o responsável pela capa do White Album, dos Beatles (1968), em radical contraste com a do igualmente pop, Peter Blake, para Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, no ano anterior. Mas foi após ter conhecido a obra dos Roxy Music que não hesitou em declarar Bryan Ferry, seu antigo aluno na universidade de Newcastle, como a sua “maior criação”. Em 2009, dois anos antes da morte de Hamilton, Ferry recordá-lo-ia: “Ele transformou a arte numa parte tão importante da minha vida que influenciava tudo o que eu fazia. Pretendia que os Roxy Music, estilisticamente, fossem muito ecléticos e, quando comecei a escrever canções, todas as influências surgiram. Foi então que a concepção hamiltoniana da colagem me ocorreu, retirando elementos daqui, dali, de todo o lado, e, a partir deles, criando algo novo. Ele foi o nosso Warhol e Duchamp”.


O programa estético estava bem patente – a começar pelo título, "Re-Make/Re-Model" – na primeira canção do álbum de estreia: 26 segundos de colagem sonora "concrète" de uma "cocktail party", explosão rock’n’roll de guitarra, piano, baixo, sax, e bateria perfurada pelos uivos atonais do sintetizador VCS3 de Brian Eno, o texto estranguladamente cantado por Ferry (“I tried but I could not find a way, looking back all I did was look away, next time is the best we all know, but if there is no next time, where to go?”) cujo refrão é uma matrícula de automóvel (“CPL593H”), e os micro-solos finais em que o baixo de Graham Simpson cita "Day Tripper", dos Beatles, a guitarra de Phil Manzanera macaqueia "C’mon Everybody", de Eddie Cochran cruzada com "Peter Gunn" de Duane Eddy, e, à maneira de King Curtis, o sax tenor de Andy MacKay atira-se às Valquírias, de Wagner. Em "Ladytron", Ferry era um cowboy a tocar castanholas numa paisagem lunar à sombra de Prokoviev, "The Bob (Medley)" constituia-se de 7 diferentes secções e 8 mudanças de andamento em menos de 6 minutos, e todo o álbum – agora reeditado em caixa "deluxe" de 3 CD + DVD –, sob o signo da "pin-up", Kari-Ann Muller, era uma extravagante e gloriosa colisão de futurismo e nostalgia. Ou, como diria Brian Eno, “Em 1972, os Roxy Music continham 12 futuros diferentes para o rock”. E 12 diferentes passados.

04 April 2011

PERIOD PIECE



Wanda Jackson - The Party Ain’t Over

Um único Rick Rubin dedicado à humanitária missão de insuflar vida em antiquíssimas múmias da música popular anglo-americana era, manifestamente, insuficiente. E, sublinhe-se que, aqui, “múmias” é utilizado com não menor respeito e admiração do que quando o que está em causa são os restos mortais de Tutankamon, uma vez que falamos de gente como Johnny Cash, Mick Jagger, Tom Petty e alguns asteróides menores (Donovan ou Neil Diamond). Abria-se, assim, uma vaga nesse nicho do mercado de trabalho alojado no sub-departamento da indústria da nostalgia, não necessariamente carunchoso e apenas ocupado em escovar teias de aranha, mas incluindo na "job description" a restauração da dignidade artística dos gerontes designados.



Em 2004, com Van Lear Rose, da lendária Loretta Lynn, Jack White – rocker primordial "après la lettre" reencarnado nos White Stripes, teórico e prático do rock'n'billy e tudo à volta – agarrou o lugar. Pelo que, quando se tratou de devolver à notoriedade possível outra septuagenária alegadamente mítica, fosse apenas natural ser ele, de novo, o eleito. Wanda Jackson (justa ou injustamente, não exactamente um nome na ponta da língua), para além de ter sido namorada de Elvis Presley e, possivelmente, a primeira mulher a gravar um single de rock’n’roll ("Let’s Have A Party", 1958), teve e tem fãs de peso como Elvis Costello ou os Cramps capazes de lhe sustentar a reputação. Em The Party Ain’t Over, a receita é um judicioso equilíbrio de clássicos (de Eddie Cochran, Johnny Kidd & The Pirates e Hank Williams) e "modern classics" (de Bob Dylan ou Amy Winehouse) e o resultado é uma "period piece" meticulosamente reconstituída e mui subliminarmente arejada que não ofende a traça original do edifício e o maquilha sem gritantes exageros.

(2011)

22 February 2011

A GLORIOSA PÁTRIA


PJ Harvey - Let England Shake

Passava alguma coisa das nove da manhã do domingo 18 de Abril do ano passado, quando, no programa de Andrew Marr, da BBC One, PJ Harvey, dedilhando apenas uma autoharp mas utilizando como fundo o "loop" de um "sample" de "Istanbul (Not Constantinople)" (um êxito de 1953, dos Four Lads), cantou perante o ainda então primeiro-ministro britânico, Gordon Brown (o entrevistado do dia), palavras que não o deverão ter deixado excessivamente confortável no sofá: “The West’s asleep, let England shake, weighted down with silent dead, I fear our blood won’t rise again, England’s dancing days are done, another day, Bobby, for you to come home and tell me indifference won”. Um mês depois, o Labour – e Brown com ele – sofria a mais pesada derrota eleitoral desde 1931.



Não se tratou, seguramente, de praga que PJ Harvey lhe tivesse lançado mas da consequência inevitável dos dez anos de hipocrisia política do “New Labour” que, em Junho de 2007, Tony Blair lhe depositara no colo. Até porque, durante aqueles embaraçosos minutos no interior do estúdio da BBC, Harvey nem sequer destilara o fel mais amargo que o álbum que agora publica acabaria por conter: Brown foi poupado, por exemplo, a "The Glorious Land" (onde, sob um clarim militar de alvorada, se escuta “what is the glorious fruit of our land? Its fruit is orphaned children”), também a "England" (o enlace arrepiante de uma voz búlgara com um desespero folk que entoa “I live and die through England, it leaves sadness, it leaves a taste, a bitter one”), e, de um modo geral, livrou-se dos quarenta e tal minutos de Let England Shake, um aterrador cenário de devastação e morte – “death was in the staring sun, fixing its eyes on everyone” – que, se, aparentemente, toma como pretexto diversos episódios da absurda carnificina da Primeira Guerra Mundial, na verdade, fala tanto deles como da Inglaterra e do mundo contemporâneos.


Real. Seamus Murphy

Polly Jean (em entrevista à “Pitchfork”) confirma-o e explica como, neste segundo capítulo da inflexão iniciada com o anterior White Chalk (2007) que a conduziu de um universo herdeiro do punk e dos blues via-Beefheart e Patti Smith (com referências a Flannery O’Connor e Salinger interpoladas) até aos lívidos fantasmas da Olde England, se deixou submergir pelos Desastres da Guerra, de Goya, os quadros de Dali acerca da Guerra Civil espanhola, Paths Of Glory e Barry Lyndon, de Kubrick, poesia e ensaios políticos de Harold Pinter, música dos Pogues, Velvets, Doors e diversas tradições populares do mundo e, colocando-se na situação de “song correspondent from the front-line”, se decidiu erguer esta desmedida imprecação sobre a “gloriosa pátria” (“How is our glorious country ploughed? Not by iron ploughs, our land is ploughed by tanks and feet marching”), a fétida Albion (“Let me walk through the stinking alleys, to the music of drunken beatings”), a obscenamente imperial Britannia (“people throwing dinars at the belly-dancers, in a sad circus, beside a trench of burning oil”). Em registo folk contra-pastoral (Mick Harvey e John Parish avinagrando o tempero), com sarcásticos implantes de reggae ("Blood And Fire", de Niney the Observer) e dos "Summertime Blues", de Eddie Cochran, imprevisível e tremenda Guernica resultante da colisão de London Calling com "A Hard Rain’s A Gonna Fall" numa tela remendada.

(2011)

14 February 2011