30 September 2019


ESCOLA DE PENSAMENTO


Pelo menos desde o início deste milénio, o mundo teve já várias oportunidades de travar conhecimento com os "bons mots" oriundos da escola de pensamento presidencial norte-americana. Primeiro, via George W. Bush, coligido por Jacob Weisberg nos 5 preciosos volumes de George W. Bushisms: The Slate Book of Accidental Wit and Wisdom of Our 43rd President. Depois, Pieces of Intelligence: The Existential Poetry of Donald H. Rumsfeld (2009), no qual Hart Seely revela a poesia oculta nas declarações do Secretário de Estado da Defesa do acima referido W (“As we know, there are known knowns. There are things we know we know. We also know there are known unknowns. That is to say we know there are some things we do not know”), aliás, musicada pelo compositor Bryant Kong. Por fim, I Hope Like Heck: The Selected Poems of Sarah Palin (2011), antologia de 50 "found poems" extraídos por Michael Solomon dos emails da ex-candidata à vice-presidência, de quem, Jacob Weisberg também já publicara Palinisms: The Accidental Wit and Wisdom of Sarah Palin (2010). 



Nunca estaríamos, porém, preparados para que aquela profecia visual de Banksy em que um chimpanzé exibe um cartaz onde se lê “Laugh now but one day we’ll be in charge” se realizasse tão cedo, a 8 de Novembro de 2016. Três anos depois, não é de espantar que já existam 3 volumes de Trumpisms Day-to-Day Calendar: The Boasts, Barbs, and Bizarre Musings of the 45th President compilados por Andrews McMeel, os 11 minutos de "grindcore" de The First 100 Songs, dos Anal Trump (100 canções com a duração média de 6,6 segundos, “from the point of view of the asshole”, isto é, o único texto são trumpismos avulsos) e, agora, 45, da School of Language, actividade extra-curricular de David Brewis, metade dos óptimos Field Music. Inspirado por Fear (a aterradora visão dos bastidores da Casa Branca), de Bob Woodward, artigos da imprensa americana, e por James Brown, Prince, Sly & the Family Stone, The Meters, Otis Redding e Free, este “Donald Trump funk musical” é um exercício entre o cómico e o deprimente sobre a fanfarronice bronca do 45º presidente dos EUA, segundo o próprio e vários elementos do gang de meliantes que o rodeia. "Nobody Knows" (“Nobody respects women like I do”) poderia ser uma esclarecedora síntese mas o refrão de "Rex" – pela voz do despedido Secretário de Estado, Rex Tillerson – põe todos os pontos claramente nos “i”: “I didn’t say he was a moron, I said he was a fucking moron!”

28 September 2019

Modern Nature - "Criminals"

... isto de fazer o número do frijol saltarin com excesso de peso tem consequências...

Era de prever: não a deixaram "interagir com um cavalo" e a Sodona Madonna amuou... agora, quero ver o que vai fazer o Turismo de Portugal para voltar a convencer os gringos que Lisboa é mesmo fixe para sexagenários...

24 September 2019

Vai ser bonito, vai (I e II)

(ver também aqui)

UM LONGO CAMINHO

  
Dungeness é um promontório na costa de Kent, no sudeste de Inglaterra, uma reserva natural de Especial Interesse Científico devido à sua particular geomorfologia bem como às ricas fauna e flora. É também o local onde, desde 1983, se ergue uma central nuclear que, apesar de, diversas vezes, ter apresentado problemas graves, só tem o encerramento previsto para 2028. Foi, justamente, aí que Derek Jarman – cineasta, encenador, pintor, escritor, poeta e activista pelos direitos gay –, imediatamente após ter sido dignosticado HIV-positivo em 1986, comprou uma velha casa de pescadores em torno da qual foi plantando um jardim, “cujas fronteiras eram o horizonte”. No diário que, entre 1989 e 1990, escreveria sob a assombração da central (“Vê-se um por-do-sol ameaçador por trás da central nuclear: amarelos lívidos e negros de tinta com um profundo golpe escarlate. À medida que as sombras se adensam, a paisagem torna-se cinzenta; o céu sorveu todas as cores”), registaria todas as espécies botânicas cultivadas e as experiências de jardinagem no solo infértil de cascalho enquanto capítulos vitoriosos de uma guerra irremediavelmente perdida (“Não desejo morrer... ainda. Gostaria de ver o meu jardim ainda mais alguns verões”). O último verão foi o de 1993 e o título do diário, Modern Nature


Foi depois de uma visita ao jardim de Jarman que Jack Cooper sentiu não apenas o desejo de explorar um lugar de ambiguidade entre bucolismo pastoral e tensão urbana como achou o nome da banda que sucederia aos extintos Ultimate Painting: ele, Will Young (Beak>), o saxofonista Jeff Tobias (Sunwatchers), e o violoncelista Rupert Gillett chamar-se-iam Modern Nature. Escutando How To Live, apetece dizer que foi necessário percorrer um longo caminho até chegarmos a tão magnífico destino: Cooper revela, voluntariamente, alguns dos locais de paragem – Richard Thompson, Kraftwerk, Robert Wyatt, Brian Eno, Morton Feldman, Talk Talk, Shirley Collins, Pentangle, Simon Fisher Turner, Jonny Greenwood, Krzysztof Komeda – mas, à extensa lista, poderia ainda acrescentar-se (não tanto pela música em si, mas pelas atmosferas que evoca), It’s Immaterial, Blue Nile ou Young Marble Giants. Num video dividido entre paisagem rural e marítima e fragmentos de "morris dancing", leia-se um discreto manifesto de serena perplexidade: “Modern nature, great failure, tired and broken old creator, grand space race, find a new place, high above the barren fixed state (…) hide my eyes, my ears, away to nature”.

22 September 2019

... e vão (creio que) três

Obrigado. Thank you. Muchas gracias. Vielen Dank. Merci bien. Grazie. Spasiba. Xie xie.

17 September 2019

STREET ART, GRAFFITI & ETC (CCXLIV)

Ponta Delgada, Portugal, 2019 (Helena Rocio Janeiro/Coração o Ditador)





Steeleye Span - Ten Man Mop Or 
Mr. Reservoir Butler Rides Again

(daqui - álbum integral aqui)
O RÁDIO INTERIOR


Young Man's Fancy é um "bootleg" gravado no Dorothy Chandler Pavilion, de Los Angeles, na última noite da digressão a solo de Neil Young, em 1971. After the Gold Rush tinha explodido 5 meses antes mas mais de metade das canções interpretadas apenas seriam publicadas posteriormente em Harvest (1972), Time Fades Away (1973) e On The Beach (1974). Só vem a propósito falar dele porque Rickie Lee Jones – no confessionário de “My Life In Music”, da “Uncut” – o identifica como o disco que maior influência teve sobre ela: “Ouvi-o vezes sem conta. Durante anos, na escola, cheguei até a imitar a voz do Neil Young. Tinha canções que retratavam perfeitamente a solidão e a angústia adolescentes”. Praticamente no mesmo plano de afinidades está a banda sonora de West Side Story, de Leonard Bernstein: “Este foi o disco que, desde a terceira classe, escutei continuamente, memorizei todas as nuances. Sou ainda capaz de cantá-lo de fio a pavio!” 


E só interessa conhecer tudo isto porque Rickie Lee acaba de publicar Kicks, o seu quinto álbum de versões – após Girl At Her Volcano (EP de 10”, de 1983), Pop Pop (1991), It’s Like This (2000) e The Devil You Know (2012) – o que, segundo ela, não é substancialmente diferente de criar e interpretar canções originais suas: “A sensação é a mesma. Quando canto, é sempre a ressonância da voz contra o meu esqueleto e os meus músculos. Tanto faz que seja uma canção minha ou escrita por outros. Fazem tão parte do meu vocabulário emocional como aquelas que eu escrevo”. Terá sido uma questão de veneração pelas mais preciosas memórias mas, de Young e Bernstein, apenas ousou aproximar-se de "Only Love Can Break Your Heart" (em The Devil You Know) e "One Hand, One Heart" (em It’s Like This). Kicks, elaborado na companhia de uma brigada de músicos de New Orleans (para onde Rickie se mudou em 2013) comandada pelo percussionista Mike Dillon, viaja entre 1952 ("Cry", de Johnnie Ray) e 1974 ("Lonely People", dos America), numa sequência de prodigiosas reinvenções e transfigurações: "Bad Company", da banda homónima, é "bayou noir" ameaçador e profundo, "Mack The Knife" (Kurt Weil) e ‘Quicksilver Girl’ (Steve Miller Band) dissolvem-se em transparências de vibrafone, "Cry" abre as veias de um country-jazz lancinante. Na verdade, apenas a decantação de tudo aquilo que “quando era miúda, ouvi: R&B, country, rock, os mais sofisticados 'singer-songwriters' da altura. Todas estas canções estão sempre a tocar no meu rádio interior. E eu adoro cantá-las”.

14 September 2019

Mega Bog - "Dolphine"

Beatagem social-fascista "científica" (e, como é habitual, a favor da "reconstrução marxista-leninista e revolucionária do Partido Comunista Português") contra beatagem social-fascista vulgar de Lineu

... e adivinhem lá: como se chama um outro blog reconstrutor?...
É o fim de uma era!!!... As crónicas do 4º visconde de Macieira, sacerdote secular da prelatura do Opus Dei, vice-presidente da Confederação Nacional das Associações de Família, Cerimoniário Eclesiástico da Ordem de Cavalaria do Santo Sepulcro de Jerusalém e Capelão Magistral da Assembleia Portuguesa da Ordem Soberana Militar de Malta que tanta sapiência e divina luz derramaram, passaram a ser "de acesso exclusivo a assinantes". Ora, como contribuir com um cêntimo que seja para o pasquim direitolas online está fora de questão, receio bem que as forças do Demo tenham saído vitoriosas de mais um combate...

13 September 2019

Purple Mountains - "All My Happiness is Gone"



Que um "cientista" político - aliás, um "politólogo", isto é, um professor Karamba com licenciatura/mestrado/doutoramento - mande umas bocas tontas, é comum nesse ramo perticular do ocultismo; um suposto cientista a sério (professor universitário de Física) sentir necessidade de fazer-lhe concorrência directa, em modo-Rádio Táxis-Autocoope, é muito mais inquietante

10 September 2019

UMA GRANDE DESORDEM 



“Reina uma grande desordem debaixo dos céus” afirmou Mao Tsé-Tung, como igualmente o diriam milhares de outros, em todos os séculos e todas as latitudes, embora só ele tenha acrescentado a conclusão “e a situação é excelente”. Hoje, poucos discordarão que a situação é tudo menos excelente e, fechando um pouco o ângulo de visão – isto é, folheando o último número da “Wire” –, haverá até motivos para imaginar que, o primeiro verso do “Uivo” de Allen Ginsberg (“I saw the best minds of my generation destroyed by madness”) continua perfeitamente actual. Ou, pelo menos, uma inquietante desordem invadiu as suas mentes. Há 5 anos, o crítico de música e fundador da ZTT, Paul Morley, tivera uma revelação divina e anunciara ao mundo que “A pop é do século passado. O futuro é da música clássica!” Agora, num dossier da revista dedicada às “adventures in sound and music”, cujo tema é a “celebration of music’s love affair with excess, overload, lavishness and volume”, o habitualmente astuto Simon Reynolds denuncia os “preconceitos pós-punk” e entrega-se à reavaliação do “solo de guitarra”, confessando ter sucumbido ao seu “requinte ordinário”



Como atenuantes para o pecado original, alega uma juventude sujeita à doutrinação do "less is more" (“O minimalismo não era apenas uma preferência estética mas uma atitude moral e ideológica: um nivelamento igualitário, permitindo a entrada de amadores com uma mensagem urgente mas musicalmente incapazes”) e condicionada pela aversão à guitarra como símbolo fálico (“Se apoiávamos a revolução feminista no rock (...), tínhamos de nos opor a exibições de virtuosismo masturbatório. Os solos eram, se não abertamente fascistas, pelo menos, um retrocesso reaccionário em direcção ao machismo da guitarra-enquanto-arma”). E conta que terá sido ao escutar "Purple Haze", de Jimi Hendrix, e "Marquee Moon", dos Television, que as suas convicções começaram a vacilar: a partir daí, descobriria Neil Young, os Butthole Sufers, Dinosaur Jr, Meat Puppets, Royal Trux, e, “numa derradeira convergência”... os Queen e “o esplendor da guitarra de Brian May, uma ideia de beleza de um camponês ou de um ditador. Anti-punk até à medula, talvez a última e verdadeira emergência da rebeldia rock no show business”. Haverá alguma forma de fazer ver a Morley e Reynolds que, embora as oscilações do gosto façam tanto parte da história do mundo quanto a guerra e a paz, para renegar algo, não é absolutamente imprescindível abraçar o pior do seu contrário nem convocar para o combate dos tribalismos estéticos Bach vs Abba ou The Fall vs Soft Machine?
LIMPAR O PÓ AOS ARQUIVOS (LVIII)

(com a indispensável colaboração do R & R)

(clicar na imagem para ampliar)



... * if Christianity was not Christianity
Rebellion: On the frontlines of Hong Kong's uprising




(com a colaboração do correspondente do PdC em Pequim)

09 September 2019

VINTAGE (DI)

Meic Stevens - "Yorric"

O pior padre é o padre "progressista" (a peçonha religiosa permanece intacta mas astuciosamente camuflada)
ESPOROS 


Ainda faltavam cinco anos para o famoso incidente no Festival de Newport durante o qual Pete Seeger – enfurecido pela herética electrificação da música de Bob Dylan – terá ameaçado cortar à machadada os cabos do PA. Mas, já nessa altura, a inflexível ortodoxia folk o levava a inquietar-se com o crescente interesse (então, ainda apenas embrionário) de diversos músicos pelas tradições musicais do Norte de África, Médio Oriente e Índia, “um novo problema que emerge e ameaça ser catastrófico”. Seeger não poupava as palavras: “Os cidadãos de hoje que gostam de música folk são lançados em contacto não com uma, duas ou três, mas com dúzias e centenas de tradições. Qual delas seguir?... para o bem e para o mal, os jovens actuais que gostam de música folk combinam as diversas tradições a uma velocidade mais rápida do que alguma vez aconteceu. Alguns destes híbridos alastram como ervas daninhas fazendo-nos temer pela própria existência de outras formas”. Não se conhecem opiniões de Seeger acerca do universo musical que, daí em diante, viria a ser conhecido como folk-rock nem a Third Ear Band, em rigor, deveria ser considerada como um grupo de folk-rock. 


Porém, sendo um "ensemble" integralmente acústico (ponto seegeriano positivo), a lauta ementa de referências – música medieval, árabe, indiana, minimalismo, "drones", improvisação livre, Bartók, uma difusa ideia de folk-pan-europeia – de que vorazmente se alimentava (ponto seegeriano fortemente negativo) poderia ter semeado o desassossego nas gavetinhas escrupulosamente arrumadas do cérebro de Seeger. Assente nas percussões de Glenn Sweeney, no oboé de Paul Minns, no violino de Richard Coff, e no violoncelo de Mel Davis (depois, Ursula Smith e Paul Buckmaster), tudo começou com The Giant Sun Trolley, grupo de guerrilha musical hippie contra a polícia londrina pela posse do coreto octogonal de Hyde Park (“Mas os pássaros estão autorizados a cantar?”, perguntava Sweeney quando os "bobbies" corriam com eles), depois, fugazmente, Hydrogen Jukebox, e, finalmente, durante três álbuns –, Alchemy (1969), Third Ear Band/Elements (1970) e Music from Macbeth (1972), para o filme homónimo de Roman Polanski – como Third Ear Band. Agora reeditados, a atmosfera não esconde o esoterismo-pedrado-fricolé da época (a banda tinha lugar cativo nos Solstícios de Stonehenge e óptimas relações com ordens de druídas) mas, se nos deixarmos arrastar sem demasiados preconceitos pelo fluxo sonoro, não será difícil descobrir os esporos de muito do que, mais tarde, haveria de germinar. (ver também aqui)
O cantinho da poesia