RESPIRAR
“Não desejo sugar todo o ar de uma canção mas o que gosto no maximalismo da Annie é a sua linguagem densa e complexa. Por isso, a ideia era ‘Ok, tudo bem, mas preserva a respiração de cada canção’. Essa respiração pode ser variada mas as Sleater-Kinney são isso: uma possibilidade de caos, um momento em que se abre espaço. Uma expiração, uma inspiração, um grito, um suspiro, um berro – essa respiração tem de estar lá. Foi aí que o nosso trabalho com a Annie resultou realmente bem porque ela pretendia somar, somar, somar, e nós víamos a tela a ficar toda preenchida e pensávamos ‘É isso mesmo mas tem de existir aí algo escorregadio’”, disse à “Uncut” Carrie Brownstein a propósito da colaboração com Annie Clark/St. Vincent que as Sleater-Kinney elegeram como produtora de The Center Won’t Hold, publicado quatro anos após No Cities To Love (que, por sua vez, interrompera uma longa ausência de 10 anos desde The Woods). À “Mojo”, Brownstein foi mais sintética: “A Annie pretendia rearrumar a nossa caixa de ferramentas e reconfigurar a banda de uma forma que não perdesse de vista quem somos”.
E, convenhamos, esse seria o mínimo exigível a alguém que se arriscasse a lidar com uma das bandas mais simbólicas (e longevas) do rock-no-feminino, herdeiras da insurreição "riot grrrl", que, na viragem do século, Greil Marcus consagraria como “America’s best rock band”. Na realidade, não foi exactamente assim: "Reach Out" ou "Ruins" poderiam, facilmente, ser incluídas num álbum de St. Vincent – e terá sido, eventualmente, essa excessiva proximidade que, concluídas as gravações, conduziu Janet Weiss a abandonar a banda –, mas, em grande medida, é obrigatório reconhecer-se que, se contaminação houve, não poderia ser mais bem-vinda. Inspirado num poema de Yeats (“The Second Coming”, 1919) alusivo à atmosfera do pós-guerra – “Things fall apart, the centre cannot hold, mere anarchy is loosed upon the world” –, o álbum é um insolente desabafo (“You know I'm unfuckable, unlovable, unlistenable, unwatchable”) lançado sobre o mundo e os seus aterradores protagonistas contemporâneos (“You’re a creature of sorrow, you’re the beast we made, you scratch at our sadness until we’re broken and frayed”), um SOS aflito (“Reach out and touch me, I’m stuck on the edge, reach out, the darkness is winning again”) e desnorteado (“I need something muddy to cover up the stain, the center won't hold”). Se St. Vincent lhe obscureceu a luz e endureceu as arestas, só teremos de ficar-lhe gratos.
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