30 September 2020
29 September 2020
ANTES E DEPOIS
No início, os Stick In The Wheel eram Nicola Kearey, Rachel Thomas Davies e Ian Carter. Desde 2013, publicaram nove singles e EP, seis álbuns – From Here (2015), Follow Them True (2018), dois volumes de English Folk Field Recordings (2017 e 2019), e as “mixtapes” This And The Memory Of This (2018) e Against The Loathsome Beyond (2019) – e participaram em outras tantas compilações. Pelo caminho, foram-se cruzando com Rachel Unthank, June Tabor, Martin Carthy, John Kirkpatrick, Eliza Carthy e vários outros notáveis e ficaram reduzidos ao núcleo Kearey/Carter.
"Villon Song" + François Villon e "cant"
Se, desde os primeiros passos, nunca esconderam um muito determinado programa de acção – “É preciso libertar a folk do estatuto de peça de museu, ela faz parte da nossa cultura. Os recolectores da época vitoriana privilegiavam as canções rurais, livres da contaminação das gentes urbanas. E dos imigrantes. Não fingimos ser limpa-chaminés ou ‘dandies’ do século XVII. Tocamo-la porque tem de ser tocada. Nada temos a ver com nostalgias ou atitudes retro mas há demasiada gente completamente desligada do passado e incapaz de estabelecer uma relação entre ele e o nosso presente” – e o foram concretizarando sem falhas através dos diversos ângulos da rica discografia, é, porém, com o último Hold Fast que é impossível não reconhecer estarmos perante uma daquelas gravações que definem um “antes” e um “depois”. Preto no branco: tal como é obrigatório localizar o início da primeira vaga do folk-rock britânico em Liege & Lief (1969), dos Fairport Convention, Hold Fast, não menosprezando June Tabor, os Pogues, as Unthanks ou os Lankum, assinala o momento no qual a raiz tradicional, a História, a literatura popular e o remoínho da(s) folk(s) se embrenham na modernidade e renascem mais uma vez. Simultaneamente rude e sofisticado, punk e pagão, electrónico e artesanal, com um pé em Kipling e outro no Exeter Book medieval, anglo-saxónico, cigano e yiddish, é um fulgurante relâmpago transcultural que, como se exige aos melhores, não deixa pedra sobre pedra.
28 September 2020
27 September 2020
26 September 2020
25 September 2020
23 September 2020
22 September 2020
A NOITE E A CHUVA
No poema “Old Marx”, o polaco Adam Zagajewski escreveu: “He couldn’t concentrate, rewrote old work, reread young Marx for days on end, and secretly admired that ambitious author. He still had faith in his fantastic vision, but in moments of doubt, he worried that he’d given the world only a new version of despair; then he’d close his eyes and see nothing but the scarlet darkness of his lids”. Foi a frase “in moments of doubt, he worried that he’d given the world only a new version of despair” que, há cinco anos, por pouco não impediu Peter Milton Walsh de publicar No Song, No Spell, No Madrigal, o sublime álbum de regresso dos Apartments, após quase duas décadas de ausência. “Esse poema assombrou-me durante imenso tempo. As canções são como janelas – às vezes, alçapões –, as memórias entram a galope e temos de ser capazes de lidar com elas”, disse ele, na altura, a propósito dessa gravação consagrada ao luto pelo filho, Riley.
As “new versions of despair” de Peter Milton Walsh não eram coisa nova. Robert Forster descrevia-o como “um homem que deixa suspiros e queixas no seu rasto” e Grant McLennan (o outro Go-Between, banda da qual, fugazmente, Walsh também fez parte) comparava: “Ele é a noite, nós somos o dia. Nós somos o sol, ele é a chuva”. Poucos soldados do escasso exército de sombras que é a sua rede de seguidores dispersos pelo planeta esperariam já esse ressurgimento. E menos ainda apostariam que fossem necessários apenas cinco anos para que Peter Milton Walsh – ele que assegura dedicar grande esforço ao desenvolvimento dos seus “sitting still and keeping quiet talents”, algo que lhe parece “demasiado menosprezado neste mundo” – voltasse a reanimar o tresmalhado ensemble de câmara que lhe serve de alter ego. E, no entanto, com epicentro em Sydney e ramificações em Paris e Londres, eis In And Out Of The Light, belíssimos oito quadros de impressionismo "noir", ensaio de fuga (“Write your way out of town, write your way out of sorrow”) e exercício de aproximação audeniana (“Oh you were so unlike the rest, my North, my South, my East and West, you were so unlike the rest”), que, se, confessadamente, se abeira daqueles “sobre quem toda a vida desabou”, não resiste a cuspir o veneno que tanto intoxica quem o expele como aqueles que atinge: “I like living without you, can’t you see I’m getting by? Except when I’m dreaming or drinking, breathing or sleeping, walking or talking, I don’t give a fuck about you anymore”.
20 September 2020
15 September 2020
14 September 2020
12 September 2020
11 September 2020
10 September 2020
09 September 2020
08 September 2020
Já no ano passado Callahan aceitava de bom grado a ideia de que, aos 50 e picos anos, era altura para a personagem do jovem misantropo azedo ceder o lugar à de alguém que prefere concentrar-se na descoberta e preservação da felicidade em vez de desperdiçar o tempo obcecado pelo lado negro e ameaçador da existência. Mas talvez não se previsse quão fundo tal mudança de pele chegaria. “I can't see myself in the books I read these days, used to be I saw myself on every single page, it was nice to know my life had been lived before, but I can't see myself in the books that I read anymore” diz ele em "35", uma canção que, vá lá saber-se porquê, escreveu a pensar em Bonnie Rait mas nunca lhe enviou. E "The Mackenzies" é uma belíssima ilustração do princípio “You can’t be telling your son that we can’t go outside to the car yet because there’s a neighbour out there” – isto é, o inferno nem sempre são os outros –, numa encenação de clássico recorte-Raymond Carver. Mas, embora, aqui e ali, a ânsia pela interiorização dos estereótipos dos velhos heróis americanos (“Well, I've been living like a cowboy on the late, late movie, all I need is whisky, water, tortillas and beans and buffalo meat one time per week, and give me some loving when I come to town”) se abeire perigosamente da machorrice menos recomendável (“I can hear her out in the kitchen, making breakfast for me, I'm still in bed and I can see it all in my head”), é impossível não nos rendermos aos encantos desta colecção de canções abraçadas pelo contrabaixo caloroso de Jaime Zurverza e entoadas no timbre de velho barítono de Bill Callahan que nos segreda “I travel, I sing, I notice when people notice things”.
07 September 2020
06 September 2020
05 September 2020
04 September 2020
02 September 2020
"Santuário de Fátima prevê despedir até 50 trabalhadores" (não há milagres, há "planos de reestruturação" em que os trabalhadores devem... "reflectir sobre a sua situação contratual de forma voluntária")
01 September 2020
O que, para Jeff Tobias, Peter Kerlin, Jim McHugh e Jason Robira seria sinónimo de “criar música liberta da tirania semântica, longe do lamaçal das abstracções sem sentido”. Pelo menos tão importante era o que, por fim, confessavam: ”É preciso que se diga que estivemos quase a intitular o álbum ‘Let’s Have Some Fun!!!’ porque também não passamos sem isso...” Puríssima verdade: tanto essa gravação como Illegal Moves (2019) e, agora, Oh Yeah? e o EP praticamente simultâneo, Brave Rats, são aquilo a que apenas pode chamar-se uma exuberante celebração da música, de todas as músicas, num imenso caldeirão sonoro sobrenaturalmente coeso. Se pensarmos nuns Archie Shepp, Roland Kirk, John Coltrane, Albert Ayler e Pharoah Sanders psicadélicos ou em Zappa, Beefheart e East Of Eden de costela punk, eles apressam-se a informar que, para completar o diagrama de Venn estético faltam ainda “o minimalismo moderno, o underground/punk/noise/drone rock, o cajun, o klezmer, a country, a tradição tailandesa e da Irlanda”. Todos ingredientes indispensáveis a um festim “ávida e pronunciadamente político”.