Não estará próximo de vir a tornar-se realidade mas não é proibido sonhar: uma comunidade da apreciadores de Monteverdi entre os Guarani do Brasil; uma rede oculta de praticantes de rockabilly no Conselho Geral da Opus Dei; uma célula clandestina de discípulos do pacifismo de Gandhi nos mais elevados escalões do Daesh; um nicho de fãs do "twerking" no interior da ordem sufi dos dervixes rodopiantes. Uma espécie de brigadas de guerrilha contracultural empenhadas no combate à ditadura dos estereótipos identitários (genuínas armas de destruição massiva, diria Amin Maalouf) e na oposição à obediência fiel às “tradições” da nação, da religião, da tribo, do partido e do clube, radicais livres do levantamento contra uniformes e emblemas que bem poderiam fazer seu o verso de Rûmi “Apenas o mastro em que a bandeira é hasteada e o vento. Nenhuma bandeira”. Não é, realmente, proibido sonhar e passar os olhos por alguma literatura será uma boa ajuda. Por exemplo, The Invention Of Tradition, coordenado por Eric Hobsbawm e Terence Ranger, ou Imagined Communities, de Benedict Anderson, exemplares desmontagens de várias ficções de carácter mais ou menos letal.
Entretanto, vale a pena ir prestando atenção a extraordinários pioneiros como aqueles que, no “Guardian”, as foto-reportagens de Frank Marshall e Paul Shiakallis têm dado a conhecer: a subcultura das bandas de heavy metal do Botswana, os "marok", seus fãs, e – publicadas no passado dia 25 – as imagens das “leather-clad rock queens of Botswana”, amazonas feministas do Kalahari, protagonistas do projecto de Shiakallis, Leathered Skins, Unchained Hearts, “um diálogo entre a fluidez da identidade e os seus imensos rostos, como ela se revela e esconde – a relação com os arquétipos da cultura africana e o modo pelo qual as 'marok queens' a reinventam”. No menos corrupto país africano (segundo a Transparency International, em igualdade com Portugal no ranking mundial, duvidosa honra para o campeão da democracia em África), inspiradas pela New Wave of British Heavy Metal do final dos anos 70, personagens que respondem por Dead Demon Rider, Coffinfeeder ou Ishmael Phantom Lord, filhos e netos não caucasianos dos Motörhead e Iron Maiden pouco dados a reverências perante o folclore local, magnificamente alheios às cartilhas da "apropriação cultural", quais Hell’s Angels da savana reconfigurados por Tarantino, imaginam um universo alternativo, com o centro em Gaborone e um raio de dimensão ainda por calcular.
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