11 August 2020

AGITADORES


No extenso e desvairado menu da esfera conspiranóica, um dos pratos actualmente com mais saída é o do “marxismo cultural”, herdeiro legítimo do “bolchevismo cultural” nazi. Simplificando bastante porque não é de digestão fácil, algures numa obscura caverna, uma seita de temíveis radicais apostados em virar o mundo do avesso, trabalharia dia e noite para manter em frenética actividade os seus agentes espalhados pelo planeta (e, em especial, pelos media, universidades, artes, letras, ciências sociais), soldadinhos da subversão do Ocidente branco e cristão e da militância por causas com as quais, na maioria, Marx nunca sequer sonhou: políticas de género, ambientalismo, imigração, secularismo, questões identitárias. Não basta ser direitolas para combater nas fileiras dos anti-marxistas culturais, é indispensável acreditar que, desta vez, “o espectro” anda mesmo por aí e que, sem darmos por isso, vai devorar-nos as entranhas. 

"New Left Review #2" (álbum integral aqui)

Por, em 1985, terem chegado cedo de mais – o papão do “marxismo cultural” só foi detectado no início dos anos 90 – ou por tenderem para um marxismo mais "old school", os McCarthy de Malcolm Eden, Tim Gane, John Williamson e Gary Baker (Lætitia Sadier juntar-se-lhes-ia fugazmente antes de, com Gane, fundar os Stereolab) nunca caíram no index da nova Inquisição mas, na qualidade de agitadores infiltrados na cultura pop, houve muito poucos como eles. Adepto do distanciamento brechtiano, Eden (a locomotiva ideológica da banda), ao modelo punk de agit-prop irada, preferia as interrogações educadamente irónicas (“Who made the wealth in this pleasant land? The entrepreneurs made it with their only free hand. Why do prices rise? Who's to blame for that? The workers put up prices with their pay demands”) envoltas no doce crochet de guitarras de raiz Byrds/Smiths. The Enraged Will Inherit The Earth (1989) – segundo volume antes do terceiro e final Banking, Violence And The Inner Life Today (1990) –, agora reeditado em duplo vinil com as proverbiais raridades, não há-de escapar outra vez às patrulhas de vigilância.

17 comments:

Anonymous said...

Caraças,"esfera conspiranóica" é fantástica.Será que lêr o Hemingway a pescar espadartes e barracudas ao largo de Cuba é "marxismo cultural"?Só o cara pálida Sergio Barreto Costa saberá a resposta correcta,certa.Os outros,estudassem,queriam andar na ramboia,ouvir rock e tal,lixaram-se. João Lopes

João Lisboa said...

"Será que lêr o Hemingway a pescar espadartes e barracudas ao largo de Cuba é "marxismo cultural"?"

E do mais perigoso!... De um gajo que adora gatos com 6 dedos espera-se o pior! https://en.wikipedia.org/wiki/Polydactyl_cat#History_and_folklore

Quem é o Sergio Barreto Costa?

Anonymous said...

Foi o tipo que escreveu sobre o marxismo cultural no site

Observador/Blasfemias,devidamente caucionado(ou calcinado) pela Dona Helena. João lopes

João Lisboa said...

Há muito tempo que não presto a devida atenção à Sodonelena. Tenho de me penitenciar.

Maria said...

Ora bolas, e eu a pensar que sabia tudo (ou quase tudo) sobre gatos e Hemingway...

🐈

João Lisboa said...

Ó pra eles: https://lishbuna.blogspot.com/2010/06/ano-do-tigre-viii-hierofanias-de-ernest.html

Maria said...

Thanks :)))
Eu estava-me a referir àquela particularidade dos polydactyl cats, que desconhecia completamente.
A relação do Hemingway com os gatos e o cemitério na casa dele (que só visitei virtualmente) isso sabia, claro.
Cheguei a coleccionar fotos de escritores com os seus gatos, e há muitos: Borges, Cortázar, Kerouac, a Sagan, a Lessing, Eugénio, Hélia Correia, o Pina, o Leonard Cohen, e muitos outros.
Gosto muito de gatos e, geralmente, gosto de pessoas que gostam de gatos: manias...

João, e porquê ano do Tigre?
Na Astrologia Oriental também existe o Gato (embora alguns prefiram chamar-lhe Coelho ou Lebre).

Maria said...

Ah, don't bother to answer, já fui espreitar e tenho ali muito com que me entreter...
Para já adorei ver o Anthony Hopkins a tocar piano para o pequeno tigre - outro que confirma a minha teoria.
🐈

João Lisboa said...

"porquê ano do Tigre?"

Porque, quando comecei a série, estávamos no ano do Tigre e, de tigre a gato, é só uma questão de escala... :-)

Maria said...

E também é válido para leões :) que antes de serem grandes são pequenos (olhá novidade!). E digo isto porque tenho uma fotografia com um leãozinho ao colo, tirada numa esplanada ali para as bandas de Marbella há tantos anos que já nem me lembro quantos; que o PAN não leia isto mas foi uma sensação fantástica dar colinho ao rei da selva ;))

João, são 327 posts!!! Vai ser difícil ver tudo mas já descobri lá uma gatinha igual à minha Francisca Bowie, grande amiga desde as três semanas até aos 14 anos. Francisca pela Françoise Hardy e Bowie porque era toda branquinha, com um olho azul e outro amarelo.
E hoje fico por aqui.
🐾🐾

João Lisboa said...

Queira, então, conhecer Bowie, apenas Bowie, amante de humanos desde o nascimento até aos actuais e vigorosos quase 14 anos, já introduzido na história da literatura portuguesa pela Hélia Correia:

https://lishbuna.blogspot.com/2012/05/o-2-ano-seguir-ao-ano-do-tigre-lxxxviii.html

João Lisboa said...

... e que, naturalmente, regressaria às origens: https://lishbuna.blogspot.com/2016/01/khao-manee-na-tailandia-o-khao-manee.html

Maria said...

Nice to meet you, Bowie!
Tão lindo, João, igualzinho à minha gatinha, excepto num pequeno pormenor, obviously ;)
Nunca vi outro assim. Uma vez, numa aldeia da Sierra de Gata, fotografei um/a que estava à janela mas tinha os dois olhos dourados. Olhou para mim como se me conhecesse, ou então sou eu a fantasiar...
Isto do amor (ou ódio) aos gatos não se explica...
Obrigada.
🐈

Maria said...

Fantástico, João, vê-se que gosta do Major Tom - so do I :)
Quer então dizer que a minha gatinha Bowie era mesmo especial... e eu nem sabia. Ofereceram-ma e, como parecia uma bola de algodão, chamei-lhe Bolinha. Mais tarde, conforme já expliquei, mudei-lhe o nome e acertei na mouche sem saber.
Tenho histórias incríveis com ela (e quem não tem?).
Foi bom recordar este ser especial que tantas alegrias me deu, a mim e à família.
Obrigada, João, muito obrigada.
E, se me permite, uma turrinha para o Bowie.
🐈

João Lisboa said...

"Thank you ma'am" (Bowie)

Anonymous said...

Bom,o livro que li do Hemingway é o "Ilhas na Corrente",penso que o ultimo e é mesmo bom.O gato do alter ego Thomas Hudson chama-se Boise,mas existem mais gatos,e caraças ,acabamos por nem falar da musica e já vamos no Major Tom.E já agora e aproveitando dois posts a seguir,acho que o Dylan era o indicado para presidente da America,afinal já vai com 79 aninhos,4 ou 8 anos,para ele,não é nada,e ainda era homem para numa perna ser o Presidente e continuar com a Never Ending Tour,com o corpo todo e aqueles músicos todos que ele tem. João Lopes

João Lisboa said...

"ainda era homem para numa perna ser o Presidente"

Nunca lhe desejaria tal coisa.

De qualquer modo, nesta altura, tudo é melhor que a aventesma da Casa Branca.