09 September 2019

ESPOROS 


Ainda faltavam cinco anos para o famoso incidente no Festival de Newport durante o qual Pete Seeger – enfurecido pela herética electrificação da música de Bob Dylan – terá ameaçado cortar à machadada os cabos do PA. Mas, já nessa altura, a inflexível ortodoxia folk o levava a inquietar-se com o crescente interesse (então, ainda apenas embrionário) de diversos músicos pelas tradições musicais do Norte de África, Médio Oriente e Índia, “um novo problema que emerge e ameaça ser catastrófico”. Seeger não poupava as palavras: “Os cidadãos de hoje que gostam de música folk são lançados em contacto não com uma, duas ou três, mas com dúzias e centenas de tradições. Qual delas seguir?... para o bem e para o mal, os jovens actuais que gostam de música folk combinam as diversas tradições a uma velocidade mais rápida do que alguma vez aconteceu. Alguns destes híbridos alastram como ervas daninhas fazendo-nos temer pela própria existência de outras formas”. Não se conhecem opiniões de Seeger acerca do universo musical que, daí em diante, viria a ser conhecido como folk-rock nem a Third Ear Band, em rigor, deveria ser considerada como um grupo de folk-rock. 


Porém, sendo um "ensemble" integralmente acústico (ponto seegeriano positivo), a lauta ementa de referências – música medieval, árabe, indiana, minimalismo, "drones", improvisação livre, Bartók, uma difusa ideia de folk-pan-europeia – de que vorazmente se alimentava (ponto seegeriano fortemente negativo) poderia ter semeado o desassossego nas gavetinhas escrupulosamente arrumadas do cérebro de Seeger. Assente nas percussões de Glenn Sweeney, no oboé de Paul Minns, no violino de Richard Coff, e no violoncelo de Mel Davis (depois, Ursula Smith e Paul Buckmaster), tudo começou com The Giant Sun Trolley, grupo de guerrilha musical hippie contra a polícia londrina pela posse do coreto octogonal de Hyde Park (“Mas os pássaros estão autorizados a cantar?”, perguntava Sweeney quando os "bobbies" corriam com eles), depois, fugazmente, Hydrogen Jukebox, e, finalmente, durante três álbuns –, Alchemy (1969), Third Ear Band/Elements (1970) e Music from Macbeth (1972), para o filme homónimo de Roman Polanski – como Third Ear Band. Agora reeditados, a atmosfera não esconde o esoterismo-pedrado-fricolé da época (a banda tinha lugar cativo nos Solstícios de Stonehenge e óptimas relações com ordens de druídas) mas, se nos deixarmos arrastar sem demasiados preconceitos pelo fluxo sonoro, não será difícil descobrir os esporos de muito do que, mais tarde, haveria de germinar. (ver também aqui)

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