16 August 2019

TEMPOS DE VIRAGEM


Um tipo que se chama Karl Frederick em homenagem a Karl Marx e Friedrich Engels e cujos pais, no dia em que nasce, o inscrevem no Independent Labour Party – uma formação política da esquerda trabalhista britânica – tem, de certo modo, o destino traçado. Não foi, assim, muito surpreendente que Karl Dallas (1931 – 2016), activista pela paz desde os oito anos, enquanto jornalista, tivesse colaborado militantemente com o “Daily Worker”/”Morning Star” (jornal do Parido Comunista Britânico) e participado em inúmeras iniciativas de carácter anti-fascista. O que já não seria tão previsível é que Dallas – também "songwriter" com canções gravadas por Ewan MacColl e June Tabor – viesse a tornar-se o pai-fundador do jornalismo folk-rock britânico, essencialmente, nas páginas do “Melody Maker” (mas também no “Times” e “Independent” e nas suas próprias revistas “Folk News” e “Folk Music”) e em tomos como The Cruel Wars: 100 Soldiers' Songs From Agincourt to Ulster (1972), One Hundred Songs of Toil: 450 Years of Workers' Songs (1974) e The Electric Muse: The Story of Folk into Rock (1975). Foi a propósito da morte de Sandy Denny que, em Maio de 1978, na “Folk News”, Dallas recordou “aqueles gloriosos dias de Verão, no Soho, quando Paul Simon, Ralph McTell, Jackson C. Frank, Anne Briggs, Al Stewart, Beverley, Roy Harper, The Young Tradition, Bert Jansch, John Renbourn, (…) e um miúdo judeu chamado Dylan deambulavam pelo West End”.

Karl Dallas
 
É essa história e a imediata sequência dela que se resume em Strangers In The Room: A Journey Through The British Folk Rock Scene 1967-73 – mais um volume do precioso arquivismo histórico da Cherry Red – que, não por acaso, começa logo por citar Karl Dallas (do “Melody Maker”, Janeiro de 1970): “Há dois anos, folk rock era uma espécie de palavrão. Os adeptos da folk não compreendiam por que motivo tantos dos seus heróis electrificavam a sua música e os do rock recusavam-se a escutar tudo o que não soasse como o trovejar de uma manada. Hoje, graças aos Fairport Convention, a palavra pode tornar-se respeitável. Porque, se o que eles tocam não é folk rock, então o termo não significa nada”. Na verdade, a viragem começara um pouco mais atrás quando, em 1965, praticamente em simultâneo, os Byrds gravaram uma versão eléctrica de ‘Mr Tambourine Man’, de Bob Dylan, e este concluía as sessões de estúdio de Bringing It All Back Home, em cujo lado A era acompanhado por uma banda de rock. Duas páginas à frente no "booklet", Maddy Prior oferece a sua versão da história: “Na realidade, foi um casal americano que me fez interessar pela música inglesa. Andei a conduzi-los durante um ano por Inglaterra e, às tantas disseram-me: “Tens de parar de cantar música americana. Não tens jeito nenhum para isso. Porque é que não experimentas música inglesa?”



Nas 60 faixas da caixa de três CD, podem descobrir-se os clássicos lendários (Steeleye Span, Fairport Convention, Sandy Denny, Pentangle, Shirley Collins, Strawbs, Incredible String Band, Matthews Southern Comfort, Albion Country Band), os imerecidamente não tão na ponta da língua (The Woods Band, Trader Horne, Michael Chapman, Trees, Mike Hart, Bill Fay, Third Ear Band, Horslips, Ralph McTell, Mr Fox, Spirogyra, Bridget St. John) e algumas pérolas obscuras (Dando Shaft, Jade, Prelude). Para um primeiro passo no conhecimento mais completo da indispensável obra dos Steeleye Span, a Cherry Red propõe outra caixa de 3 CD, All Things Are Quite Silent: Complete Recordings 1970-71 que reune a fundamental trilogia inicial Hark! The Village Wait (1970), Please To See The King e Ten Man Mop or Mr. Reservoir Butler Rides Again (ambos de 1971), lugares onde a profunda erudição folk anglo-irlandesa acolhe e dilata as experiências eléctricas que Ashley Hutchings – agora acompanhado por Maddy Prior, Peter Knight, Tim Hart e uma posterior multidão de outros – havia iniciado quando ainda a bordo dos Fairport Convention, aqui elevadas a um patamar de apuro vocal e instrumental que estabeleceria o padrão face ao qual tudo o que viria a seguir haveria de ser comparado.

No comments: