17 September 2019

O RÁDIO INTERIOR


Young Man's Fancy é um "bootleg" gravado no Dorothy Chandler Pavilion, de Los Angeles, na última noite da digressão a solo de Neil Young, em 1971. After the Gold Rush tinha explodido 5 meses antes mas mais de metade das canções interpretadas apenas seriam publicadas posteriormente em Harvest (1972), Time Fades Away (1973) e On The Beach (1974). Só vem a propósito falar dele porque Rickie Lee Jones – no confessionário de “My Life In Music”, da “Uncut” – o identifica como o disco que maior influência teve sobre ela: “Ouvi-o vezes sem conta. Durante anos, na escola, cheguei até a imitar a voz do Neil Young. Tinha canções que retratavam perfeitamente a solidão e a angústia adolescentes”. Praticamente no mesmo plano de afinidades está a banda sonora de West Side Story, de Leonard Bernstein: “Este foi o disco que, desde a terceira classe, escutei continuamente, memorizei todas as nuances. Sou ainda capaz de cantá-lo de fio a pavio!” 


E só interessa conhecer tudo isto porque Rickie Lee acaba de publicar Kicks, o seu quinto álbum de versões – após Girl At Her Volcano (EP de 10”, de 1983), Pop Pop (1991), It’s Like This (2000) e The Devil You Know (2012) – o que, segundo ela, não é substancialmente diferente de criar e interpretar canções originais suas: “A sensação é a mesma. Quando canto, é sempre a ressonância da voz contra o meu esqueleto e os meus músculos. Tanto faz que seja uma canção minha ou escrita por outros. Fazem tão parte do meu vocabulário emocional como aquelas que eu escrevo”. Terá sido uma questão de veneração pelas mais preciosas memórias mas, de Young e Bernstein, apenas ousou aproximar-se de "Only Love Can Break Your Heart" (em The Devil You Know) e "One Hand, One Heart" (em It’s Like This). Kicks, elaborado na companhia de uma brigada de músicos de New Orleans (para onde Rickie se mudou em 2013) comandada pelo percussionista Mike Dillon, viaja entre 1952 ("Cry", de Johnnie Ray) e 1974 ("Lonely People", dos America), numa sequência de prodigiosas reinvenções e transfigurações: "Bad Company", da banda homónima, é "bayou noir" ameaçador e profundo, "Mack The Knife" (Kurt Weil) e ‘Quicksilver Girl’ (Steve Miller Band) dissolvem-se em transparências de vibrafone, "Cry" abre as veias de um country-jazz lancinante. Na verdade, apenas a decantação de tudo aquilo que “quando era miúda, ouvi: R&B, country, rock, os mais sofisticados 'singer-songwriters' da altura. Todas estas canções estão sempre a tocar no meu rádio interior. E eu adoro cantá-las”.

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