UM CAMELO NEGRO
Como foi possível não termos realmente reparado? Por que estúpido motivo não teremos levado a sério um álbum cujos primeiros três minutos e meio ("That’s Just the Way That I Feel") não poderiam ser mais explicitamente claros? Onde o lugar para as dúvidas de que “Things have not been going well, this time I think I finally fucked myself (…) Day to day, I'm neck and neck with giving in, I’m the same old wreck I've always been” era uma mensagem lançada a um palmo do abismo? E acrescentar-lhe “I've been humbled by the void, much of my faith has been destroyed (…) when I try to drown my thoughts in gin, I find my worst ideas know how to swim” não bastaria? E o desfecho “The end of all wanting, is all I've been wanting, and that’s just the way that I feel” não nos abriria, enfim, os olhos? Talvez porque a perfeitíssima rima interna encharcada de negríssima ironia (“I met failure in Australia, I fell ill in Illinois, I nearly lost my genitalia to an anthill in Des Moines”) nos tenha distraído ou o tom de "honky tonk" atamancado tenha apontado para o lugar errado.
Não seria nada de novo: quando, em 2003, David Berman tentou, pela primeira vez, o suicídio com um cocktail de álcool, crack e cocaína, fez questão de o encenar na mesma suite de hotel onde Al Gore esperou pela recontagem dos votos para a eleição presidencial (que perderia para George W Bush), proclamando: “Quero morrer onde a presidência morreu!”. Desta vez, não chegaria sequer a ser hospitalizado como, também acidamente, diria em "Random Rules" (“In 1984 I was hospitalized for approaching perfection”), de American Water (1998), embora Purple Mountains não se tenha apenas abeirado da perfeição. Neste álbum de “hello and goodbye” – parafraseando invertidamente um título do não menos danado Tim Buckley – o (des)equilíbrio entre a quase banalidade do suporte musical e as trevas profundas que o envolvem (“Housed within the song's design is the ghost the host has left behind to greet and sweep the guest inside”) dir-se-ia um deliberado gesto de desdém perante “a arte”, definitivamente ultrapassada pela urgência de não recusar o óbvio ("We're just drinking margaritas at the mall, that's what this stuff adds to after all") e justificar o inevitável (“The dead know what they’re doing when they leave this world behind”). A 7 de Agosto, David Berman/Silver Jew, recordou-se pela última vez do provérbio árabe que citara em "Nights That Won’t Happen": “Death is a black camel that kneels down so we can ride”. (entrevista aqui)
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