01 October 2014

DAS CONVERSÕES


Paul Morley, crítico/jornalista-ponta-de-lança do “NME” nos anos 80, e, acima de tudo, inventor dos Frankie Goes To Hollywood, Art Of Noise e, mais genericamente, da ZTT – empreendimento editorial destinado a dominar o mundo embrulhado em citações dos futuristas italianos mas que, sob a direcção do triunvirato fundador Trevor Horn/Jill Sinclair/Paul Morley, apenas persistiu até à saída do “incompreendido” Morley, em 1988 –, aos 57 anos, teve uma epifania. Como conta no “Guardian” de 21 de Setembro, ele que sempre considerara a música clássica “uma pomposa arte do passado” perigosamente acorrentada a um “espírito de superioridade sombrio e nada inspirador, fixado no interior de um status quo ideologicamente suspeito”, de repente, viu a luz! Afinal, “a exaltante sugestão de novos começos, a palpitante sensação de um amanhã vibrante e libertador da mente” não se encontra já na pop mas naquilo que, em comparação com os Stooges, os Velvets ou os Buzzcocks, até aí, equivocadamente, supunha ser “algo monstruoso, coisa de um mundo onde dinossauros indolentes e dragões desdentados se recusavam a aceitar que estavam extintos”. E, iluminado, proclama ao mundo, “A pop é do século passado. O futuro é da música clássica!”



Se existe um grão de verdade nos motivos que alega para se ter enfastiado com a pop – “transformou-se numa prática nostálgica e de preservação mais do que visionária e ávida de mudança” – o mais bizarro é um crítico de música ter necessitado de tanto tempo para se aperceber de que a “clássica” (e, nas recomendações que sugere “para converter os incréus”, mistura, descontraidamente, clássicos, românticos e contemporâneos, sob a mesma designação) não coincidia com os seus preconceitos de adolescente iletrado. Para enxergar o futuro, nem é obrigatório, como ele decreta, “recuar até aos séculos XIX, XVIII e XVII” (quando descobrir a pop do Renascimento, vai, de certeza, dar entrada nas urgências...), nem abdicar do esforço de continuar a explorar a música popular actual que não vive engatada em marcha atrás. O diagnóstico de Simon Reynolds quanto ao “state of the art” não será muito diferente mas a terapêutica é, seguramente, outra. Moral da história? Aqui (e em todo o resto), fugir como da peste do zelo fanático dos recém-convertidos àquilo de que, anteontem, eram completamente ignorantes.

1 comment:

alexandra g. said...

JL: nota máxima
PM: bofetada nas bentas

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Isto dito por uma apreciadora de música do Renascimento desde que passa por estas bandas do gosto pela street art a par de outras beldades :)