UMA GRANDE DESORDEM
“Reina uma grande desordem debaixo dos céus” afirmou Mao Tsé-Tung, como igualmente o diriam milhares de outros, em todos os séculos e todas as latitudes, embora só ele tenha acrescentado a conclusão “e a situação é excelente”. Hoje, poucos discordarão que a situação é tudo menos excelente e, fechando um pouco o ângulo de visão – isto é, folheando o último número da “Wire” –, haverá até motivos para imaginar que, o primeiro verso do “Uivo” de Allen Ginsberg (“I saw the best minds of my generation destroyed by madness”) continua perfeitamente actual. Ou, pelo menos, uma inquietante desordem invadiu as suas mentes. Há 5 anos, o crítico de música e fundador da ZTT, Paul Morley, tivera uma revelação divina e anunciara ao mundo que “A pop é do século passado. O futuro é da música clássica!” Agora, num dossier da revista dedicada às “adventures in sound and music”, cujo tema é a “celebration of music’s love affair with excess, overload, lavishness and volume”, o habitualmente astuto Simon Reynolds denuncia os “preconceitos pós-punk” e entrega-se à reavaliação do “solo de guitarra”, confessando ter sucumbido ao seu “requinte ordinário”.
Como atenuantes para o pecado original, alega uma juventude sujeita à doutrinação do "less is more" (“O minimalismo não era apenas uma preferência estética mas uma atitude moral e ideológica: um nivelamento igualitário, permitindo a entrada de amadores com uma mensagem urgente mas musicalmente incapazes”) e condicionada pela aversão à guitarra como símbolo fálico (“Se apoiávamos a revolução feminista no rock (...), tínhamos de nos opor a exibições de virtuosismo masturbatório. Os solos eram, se não abertamente fascistas, pelo menos, um retrocesso reaccionário em direcção ao machismo da guitarra-enquanto-arma”). E conta que terá sido ao escutar "Purple Haze", de Jimi Hendrix, e "Marquee Moon", dos Television, que as suas convicções começaram a vacilar: a partir daí, descobriria Neil Young, os Butthole Sufers, Dinosaur Jr, Meat Puppets, Royal Trux, e, “numa derradeira convergência”... os Queen e “o esplendor da guitarra de Brian May, uma ideia de beleza de um camponês ou de um ditador. Anti-punk até à medula, talvez a última e verdadeira emergência da rebeldia rock no show business”. Haverá alguma forma de fazer ver a Morley e Reynolds que, embora as oscilações do gosto façam tanto parte da história do mundo quanto a guerra e a paz, para renegar algo, não é absolutamente imprescindível abraçar o pior do seu contrário nem convocar para o combate dos tribalismos estéticos Bach vs Abba ou The Fall vs Soft Machine?
2 comments:
Eu também fui "vitima" do post punk e só consegui apreciar muitas coisas, o Dylan por exemplo, muito tempo depois.
Mas, Simon Reynolds, o Brian May?
Pois...
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