20 December 2013

LIGAÇÃO INSTANTÂNEA

   
"Paddy’s Lamentation" é uma canção tradicional irlandesa que fala das tragédias da emigração para os EUA, no século XIX, quando os recém-chegados ao Novo Mundo – miseráveis, iletrados e imaginando que as portas do paraíso lhes seriam escancaradas – se descobriam recrutados, à força, para combater na Guerra Civil (“Here's to you boys, now take my advice, to America I'll have ye's not be going, there is nothing here but war, where the murderin' cannons roar, and I wish I was at home in dear old Dublin”). Gangs Of New York (2002), de Martin Scorsese, situa-se exactamente nessa época, pelo que a sua banda sonora, muito para além das contribuições de Howard Shore, Peter Gabriel ou dos U2, inclui uma extensa colecção de temas populares tradicionais. Entre eles, encontra-se, justamente, "Paddy’s Lamentation", interpretado por Linda Thompson. E, conta esta nas "liner notes" do recentíssimo Won’t Be Long Now, no momento em que Hal Willner, produtor musical do filme, lhe sugeriu essa possibilidade, Scorsese terá perguntado: “Mas... ela ainda é viva?” Linda – na altura, senhora de 50 e picos anos – comenta, agora: “Martin Scorsese supor que eu já tinha morrido foi o pico da minha fama”


Não era necessária tanta modéstia. Linda Thompson não é Madonna mas, pelo menos, os anos (1974 a 1982) em que cantou e viveu ao lado de Richard Thompson e, oferecendo a voz a clássicos absolutos como I Want To See The Bright Lights Tonight (1974), Pour Down Like Silver (1975) ou Shoot Out The Lights (1982), disputou com Sandy Denny o titulo de "first lady of british folk-rock" – cantaram juntas uma única vez, em "When Will I Be Loved", dos Everley Brothers, no álbum-divertimento-de-"covers", Rock On (1972) da nata folk-rock inglesa, dissimulada sob o nome The Bunch – bastariam para que não precisasse da baralhação de Scorsese a fim de ser recordada. É certo que, nas três décadas pós-Richard & Linda Thompson, apenas gravou três álbuns a solo e nenhum deles particularmente impressionante.


Mas, se isso for indispensável, Won’t Be Long Now tratará imediatamente de repor a justiça: parte assunto de família (os três filhos músicos, Teddy, Kamila e Muna, o neto-idem, Zak, e Richard Thompson a dar uma mão), parte reunião de sábios da cena folk (Martin e Eliza Carthy, John Kirkpatrick, Dave Swarbrick e Gerry Conway), é o género de disco que estabelece ligação instantânea com o melhor dela que guardávamos na memória. "Love’s For Babies And Fools" (“My father is a traveller, he has a cuckold's luck, my mother is a queen, but her hands are tied with blood, I have a brother in the graveyard, my sister has the blues, I care only for myself, love's for babies and fools”), parece destilada no mesmo alambique de fel da velha "The End Of The Rainbow", "Never The Bride" (“At sixteen I fell for Billy, he was a tall and bonny youth, a friend to every pretty girl but a stranger to the truth”) transporta os Fairports para o século XXI, e, por entre outras nove jóias – a exuberante "Mr. Tams", a gélida a cappella, "Blue Bleezin Blind Drunk"… –, também "Paddy’s Lamentation", só voz e guitarra, em levitação sobre o tempo.

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