08 July 2011

A MANSIDÃO E A IRA



Nick Cave - Let Love In, Murder Ballads, The Boatman’s Call, No More Shall We Part

Quando Matt Berninger, dos National, afirma que “nas nossas canções, existem, de certeza, trevas e melodrama mas também bastante humor e optimismo. Não estarão saturadas de felicidade mas isso também lá está. Descrevem-nos como lúgubres e depressivos mas temos também uma outra faceta que, por vezes, passa despercebida”, não temos razões para supor que ele não estará a dizer a verdade mas, sem dúvida, não seria exactamente aquilo que esperaríamos ouvir.



Já, no caso de Nick Cave, é preciso nunca ter escutado Murder Ballads (1996) para não duvidarmos por um segundo que, pelo meio de todo o devastador Sturm und Drang da discografia integral, fermenta um sentido de humor – negríssimo, ácido, psicótico, é verdade – que, deliberadamente, opera em sentido oposto aquele para que os primeiros indícios apontariam. É bem capaz de ser por isso que Murder Ballads nunca colheu a unanimidade dos fãs de Cave: não se admite que um soturno perfil de romantismo tardo-gótico (como em Byron, Shelley, Allan Poe ou Flannery O’Connor e não Sisters Of Mercy) tão desveladamente alimentado, possa ser assim demolido pelo próprio criador, numa épica "opera buffa gore", repleta de assombrosa violência de "cartoon" e um fabuloso elenco de 64 cadáveres (mais Kylie Minogue, no papel da Ophelia, de John Everett Millais, e PJ Harvey e Shane MacGowan e uma versão de "Death Is Not The End", de Dylan, que diz precisamente o contrário do que parece).



Mas que, não por acaso, é um dos mais indiscutivelmente excelentes álbuns de Cave & Bad Seeds, portentosa multinacional musical cujo PREC (Processo de Reedição Em Curso), entra, agora, no terceiro quarto da sua carreira – entre 1994 e 2001 –, com todos os habituais bombons para coleccionador: remasterização, faixas/versões inéditas, videoclips, raridades, filmes-colecção-de-depoimentos-abonatórios, etc. Imediatamente antes de Murder Ballads, viera Let Love In (1994), muito provavelmente, a gravação que corporiza a melhor síntese entre a fase anterior a The Good Son (1990), toda ela Inferno & Apocalipse, e a posterior reconfiguração clássica de tudo isso, em expedição de redescoberta dos contornos da canção, uma espécie de incubadora de monstros ("Red Right Hand", "Do You Love Me?", "Nobody’s Baby Now") morbidamente sedutores, da qual, haveriam de sobrar "O’ Malley’s Bar" e "Song Of Joy" para o álbum seguinte.



The Boatman’s Call (1997), resolve a disputa entre estrondo e melodia, demência e melancolia, pela vitória (sempre precária) dos mansos sobre os irados, em registo de câmara ("Into My Arms", "People Ain’t No Good", "Far From Me"), que, quatro anos depois, No More Shall We Part, repetiria com o tipo de profundidade de campo (responsável principal: o violinista Warren Ellis) que associamos a Scott Walker e Leonard Cohen. Não custa muito a entender o motivo por que, após o corrente “desvio”-Grinderman, Nick Cave comece a confessar saudades dos Bad Seeds.

(2011)

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